O ano de 2021 chega ao fim. Desde quando os estúdios da Marvel haviam anunciado uma nova fase nas produções do entretenimento da ficção e sobre o futuro de seus super-heróis, as expectativas para o que viriam eram enormes, sobretudo com o casamento entre cinema e streaming. Isso significava que telinhas e telonas iriam conectar-se numa única linha cronológica, contanto a mesma história num vasto universo. Claro que a pandemia, em 2020, atrasou bastante as coisas, mas, por fim, o futuro da Fase 4 do MCU – Universo Cinematográfico da Marvel – chegou.
A pioneira, WandaVision chegou no streaming no início do ano e veio pra mostrar algo completamente novo dentro da Marvel. Uma minissérie totalmente fora da casinha, algo inédito dentro do grande estúdio. Nós, do Cicatriz, nomeamos a série como a melhor deste ano. Conectando-se com um futuro grandioso nas produções, WandaVision celebra a história da televisão numa memória emocionante sem deixar de lado o universo a qual a série representa e seus novos personagens.
Falcão e o Soldado Invernal chegou logo em seguida e aí vimos algo menos grandioso, não pela história que se propôs a contar, mas pelo formato. A Marvel ainda precisa entender melhor o universo que ela explora que é a televisão. Vimos muito também com Loki e Gavião Arqueiro um grande filme picado entre episódios que não fizeram muito sentido terem sido pensados para as telinhas. É algo mais sobre o formato que a narrativa. Ademais, essa nova fase se concentra, num primeiro momento, em mostrar como que os heróis tentam lidar com a perda, com a derrota, com o luto – com o blip – e como a vida de cada seguiu com esse descompasso cronológico. E aí, o ano de 2021 se encerra com Clint Barton tendo que lidar com os fantasmas do passado.
Na grande celebração dos 60 anos de Quarteto Fantástico, os primeiros heróis da Marvel, a Fase 4 do MCU lança a sua quinta produção em 2021 para o streaming: Hawkeye, ou, como chamamos, Gavião Arqueiro. Clint Barton (Jeremy Renner) retorna a viver o herói de arco e flechas ao lado da novata, Kate Bishop (Hailee Steinfeld). Ambientada dois anos após os eventos de Vingadores: Ultimato, Clint volta em Nova York com seus filhos para passearem e terem um momento em família. Tal retorno revela um humano visto como um herói pelos novaiorquinos. Vemos o Vingador tendo que lidar com o grande peso de ser visto pelas pessoas com gratidão e salvador de tudo o que fez pela cidade e pelo país.
Parte dessa volta é narrada por um segundo ponto de vista: de Kate. Vendo a invasão alienígena de 2012 e a torre de Stark como palco central da guerra comandada por Loki e ordenada por Thanos, vemos novas cenas daquele terrível dia para Nova York. Da cobertura de seu prédio, Kate Bishop vê o Gavião Arqueiro lutando apenas com um arco e flecha e salvando a sua vida.
A partir dessa introdução, somos inseridos na narrativa que nos importa e que vem sendo construída desde WandaVision: a superação de um luto e o recomeço de nossas vidas. Clint ainda vive com a culpa e a dor da saudade pelo sacrifício de Natasha Romanoff em Vormir. Além disso, a sua perca de audição por conta das inumeráveis empreitadas junto aos amigos Vingadores o humaniza ainda mais. Já que, desde o time do Quarteto Fantástico, o grande diferencial da Casa das Ideias era o de quebrar aquela ideia de construir herois imortais e inumeráveis. Não, o eterno Stan Lee sempre quis humanizar seus super-heróis, o que contribuiu e ainda contribui com a nossa aproximação a eles. Nós também somos heróis. E Kate vive a dor da perda do pai e se mira no heroísmo de Clint Barton e segue seus passos.
Estamos diante de uma produção natalina – como se não tivéssemos uma gigante lista de filmes de Noel para assistir –, um clima que também remete à família, reunião e celebração. O diferencial é que o Natal invade o universo dos heróis e isso entrega uma novidade muito interessante para nós. Mas, não só, a série tem o compromisso de reforçar uma grande ameaça e também, inserir Maya, uma personagem surda e que usa uma prótese na perna esquerda. Com novos personagens, vemos que precisa-se de uma nova trama.
Barton dá show com suas lutas entre flechas e arco e percebe que algo maior está para acontecer. Cenas minimalistas e com planos destaques e detalhistas nos fez sentirmos como aquela criança chupando um pirulito e, de repente, ele é tirado de nós. Mas sabemos que ele existe e que não temos acesso a ele (por enquanto). É isso que sentimos ao nos concentrarmos no arco da Maya. Alguém muito maior está por trás de tudo isso. O contato de Clint com seus filhos e a esposa, Laura Barton (Linda Cardelinni) também ganha mais tempo de cena. Essa forte conexão com a família combina muito bem com o ambiente de Natal, já que a série vai se aproximando ainda mais da grande noite.
A fórmula Marvel entra em ação quando o último arco da série se inicia. A chegada de Yelena Belova (Florence Pugh) é esporádica, mas muito eficaz e poderosa. A assassina Viúva Negra chega já numa sequência de lutas muito bem coreografada. Três mulheres em foco, Bishop, Belova e Maya, vão se revelando mais fortes do que o que parecem ser. A reescalação de Vincent d'Onofrio revivendo o Rei do Crime representa uma ameaça que só vai crescer tanto em poder e ameaça, quanto em nostalgia.
Custe o que custar: foi o grande discurso final de Steve Rogers, o Capitão América em Ultimato. E trazer esse refrão de volta em Gavião Arqueiro foi nostálgico e encaixou muito bem. Por ser uma série mais pé no chão, assim como aconteceu com Buck e Wilson, a série entregou um arco muito bem resolvido e concluído. Soube dar o destaque necessário para o velho Vingador e sua dor. Soube emocionar e nos maltratar com as memórias de Natasha Romanoff, soube valorizar o crescimento e desempenho dos novos personagens e soube concentrar forças suficientes no grande vilão.
Mais do que isso, soube ser família. Gavião Arqueiro é uma série sobre família. Revelar no final que Laura era uma antiga Agente da S.H.I.E.L.D. foi grandioso e explicou muita coisa que precisava de respostas. Yelena Belova também vivia um luto não-aceito. Ela precisava de aceitação. Aceitar que o que se perdeu, perdeu e não volta mais. E sua dor foi notória e humanizadora. Mesmo não sendo a melhor série do ano e nem a melhor da Marvel nesse primeiro ano da Fase 4, a produção cumpriu com o que prometeu cumprir.
Por Dione Afonso | PUC Minas