11 May
11May

Sam Raimi retorna triunfante para as realidades multiversais do mundo de super-heróis. Inaugurando uma fase de terror na Marvel Studios, diretor faz da obra do Senhor das Artes Místicas uma obra-prima reunindo bom gosto e os melhores referenciais do terror gore. A sequência de Doutor Estranho é muito bem desenvolvida. É fechado, bem resolvido, sem pontas soltas, roteiro excelente, atuações impecáveis – as melhores de Benedict Cumberbatch e de Elizabeth Olsen – e história construída com sentido e narrativa lógica. 

Diante de tantas possibilidades do multiverso e de tantos possíveis entradas de personagens – novos e os já conhecidos por nós – trata-se de um filme unicamente do Doutor Estranho: o roteiro deixa claro que esse é um filme do Mago Místico que precisa resolver os problemas causados pela “quebra” do multiverso e por conta do que chamam de “incursão”, um mundo não pode se chocar com o outro. O mago então inicia sua jornada para proteger América Chaves, heroína que tem o poder de viajar pelos multiversos conjurando portais, mas, seu poder tornou alvo ganancioso de outras pessoas o que ameaça a sobrevivência de Chaves. (Atenção: há spoilers a partir daqui) 


Isso é cinema! 

Não há dúvidas! Raimi nos entrega uma obra que supera todos os outros bons trabalhos já realizados em mais de 10 anos de MCU. O filme não é destaque somente na Fase 4, mas ele se torna uma verdadeira quebra de padrões e provoca um novo modo de olhar para a realidade dos super-heróis. O diretor recheia a história com as suas melhores referências do terror: temos Wanda Maximoff fazendo a Carrie, a Estranha de 2013; a Samara Morgan na trilogia de O Chamado (2002-2017); e A Freira do universo de Invocação do Mal (2017). Wanda ainda protagoniza cenas de possessões (com suas outras variantes) e quase toma formas demoníacas em cenas do terror gore. A Feiticeira Escarlate entrega uma das melhores cenas de todo o filme mostrando boa atuação e muita firmeza de seu papel. Se o objetivo da personagem era causar medo, ela conseguiu. 

Sam Raimi, ator, diretor e roteirista norte-americano não parou por aí com as referências. Toda a sua marca registrada de sua filmografia está presente nesse vasto multiverso da loucura. É muito explícito encontrarmos, por exemplo, elementos marcantes de Evil Dead – Uma Noite Alucinante: a morte do Demônio (1981). A presença de Bruce Campbell, além de trazer uma gostosa nostalgia de ­Homem-Aranha, protagonizada por Tobey Maguiretambém referencia a trilogia de sua atutoria: Evil Dead (1981-1992). As marcas de Raimi fazem do cinema uma verdadeira obra-prima dentro de um gênero cinematográfico de sucesso, incompreendido e que ninguém consegue atualizar positivamente: o cinema de horror. 

Mas estamos na Marvel, logicamente que esse dado do terror teria que se encaixar em sua cronologia e contexto “Marvel de ser”. Não vamos encontrar em Doutor Estranho no Multiverso da Loucura cenas demoníacas afim de gritarmos, fechar os olhos de medo e nem algo que provoque horror. Algumas cenas são ousadas até, mas tudo tem o seu tempero Marvel, o que não desqualificou o produto final. Sam Raimi misturou desde heróis zumbi – assista “What...If?” – até elementos da magia negra invocada do Livro dos Condenados Darkhold – assista “WandaVision”. Tudo isso em meio a grande jornada do herói Steve Strange tendo que lidar com monstros, magia e muito poder. Mesmo tendo essas referências Marvel, o filme funciona isolado, sem a necessidade de maratonas de outras obras. 


(Des)continuidade com WandaVision 

Já estávamos esperando encontrar no filme o que aconteceria com Wanda após o episódio em Westview. Cidade onde ela manipulou toda uma população e criou para ela um mundo feliz com o Visão e dois filhos. Criados a partir de sua magia, frutos de um luto que não conseguiu superar. A série termina com Wanda se tornando, de fato, a Feiticeira Escarlate e se apoderando do Darkhold. Para quem é fã das HQs, sabe que o quem manipula o Livro dos Condenados se corrompe com o poder, pois toda a magia presente ali é magia das trevas e muito poderosa. 

Quando afirmamos que há um (des)continuidade desse episódio já no início do filme, na qual a Feiticeira está manipulando, mais uma vez, toda uma realidade, é porque essa explicação do uso do Darkhold não aparece, nem mesmo explícita. A personagem já surge poderosa, corrompida e em poder do livro, manipulando e destruindo tudo e todos afim de conseguir construir pra si a realidade que tanto sonha: um mundo feliz e com seus filhos vivos e seguros. Na verdade, delicadamente, Raimi mostra o quanto WandaVision poderia ter ido mais fundo entregando uma fraca historinha de origem. A ausência desse fato é importante para dar à Feiticeira o lugar de vilã: gostando ou não, ela se torna a antagonista que está disposta a qualquer sacrifício para conseguir o que deseja. A Feiticeira Escarlate se aproxima de um monstro slasher implacável e que ninguém tem o poder de pará-la. 

A partir disso, introduz a personagem America Chaves, vivida por Xochitl Gomez. A jovem que tem o poder de conjurar portais pelos multiversos não aprendeu ainda a controlar seu poder. A Feiticeira, através do Darkhold, descobre a existência de América e decide captura-la afim de drenar seu poder e poder ter a habilidade de ir onde quiser, no universo que escolher, afim de viver com seus filhos “feliz para sempre”. Contudo, sugar os poderes de América significa mata-la. No entanto, a Feiticeira Escarlate está disposta a fazer o que for preciso. 


Sam Raimi com as variantes de Doutor Estranho 

Raimi já mostrou que quando seu nome chega para um trabalho, ele assume total controle da situação. A Marvel está ousando mais, arriscando-se mais e apostando em novas possibilidades de criação. Já escrevemos em outras ocasiões o fato da “Casa das Ideias” estar apostando em heroísmos mais pé no chão e mais humanos. Próximos, sobretudo, das dores humanas e fraquezas. Humanizar o herói o destitui um pouco de sua grandeza, mas, em nenhum momento o tira do fato de ser um poderoso super-herói: a sua fraqueza torna-se sua maior força. 

Passos significativos nessa nova fase foram dados, por exemplo, quanto Taika Waititi remodelou o personagem do deus do trovão, Thor, em Thor Ragnarok, e James Gunn, responsável por inserir novos personagens com Os Guardiões da Galáxia. Depois, duas cineastas e o diretor de Pantera Negra, Ryan Coogler, receberam “liberdade criativa” e fizeram de seus trabalhos uma oportunidade para se discutir temas como racismo, diversidade e o lugar da mulher. As cineastas Cate Shortland (Viúva Negra, 2020) e Chloe Zhao (Eternos, 2021), cumpriram com o papel de inserir no MCU discussões que antes não haviam sido tratados ainda, inclusive, sobre a perspectiva de uma mulher diretora. Ainda temos Mohamed Diab, um cineasta egípcio que comandou Cavaleiro da Lua, inserindo novos elementos culturais que, acreditamos, ainda vai provocar grandes mudanças no MCU. 

Sam Raimi entra nessa onda e mostra a que veio. Tendo que lidar com as variantes do Strange, o diretor revela sua total liberdade criativa para dar ao personagem as suas várias facetas, desde o Doutor Estranho Mago Supremo, até o Doutor Estranho zumbi, que quebra, mais uma vez, a lei natural e usa o poder das trevas sob o manuseio do Darkhold. Quem toca no Livro dos Condenados sofrerá as consequências, por menor que elas sejam. O super-herói da Marvel, terminar sua jornada adquirindo um terceiro olho na fronte, não pode ser apenas um estilo estranho e arrepiante de Raimi. Doutor Estranho retornará, ainda mais poderoso.   


Por fim, o Multiverso de Loucuras 

Foi preciso, para Sam Raimi, reconectar o público com a história de Wanda se transformando em Feiticeira Escarlate e dando a ela o lugar vilanesco que ela estava destinada a ser e que a série de TV não teve a coragem de emplacar. É importante ressaltar o desgosto e tristeza tanto de Wanda como de Strange que não termina casado com o amor de sua vida, Christine Palmer. Foi relevante a médica fazer referência ao blip de Thanos no qual ela viu metade de tudo indo embora e voltando milagrosamente cinco anos depois. Ela meio que teve que superar essa falha sobrenatural em sua vida e na vida de todo o planeta. 

Outras loucuras serviram mais como um pleno desgosto do que como uma narrativa essencial. A presença dos Illuminati, por exemplo, mesmo sendo uma sacada muito boa, não serviu ao seu propósito. Há fatos bons e ruins nessa cena: a volta de Hayley Atwell vivendo a Capitã Carter e de Patrick Stewart como Charles Xavier foram ótimas referências dando ao público aquela cena que transforma as salas de cinema em estádios de futebol. Por outro lado, a chatice esmagadora e sufocante do pedido de John Krasinsk aparecer como Reed Richards não surtiu efeito. Além do mais, ainda tivemos Lashana Lynch como Capitã Marvel e, pasmem, Raio Negro de Anson Mount de Inumanos.  

Um desserviço a cena rica de detalhes e desafios ter sido resolvida em menos de um minuto. Voltamos a afirmar que alguns aspectos foram dignos de aplausos como a cruel tentativa de Xavier entrar na mente de Wanda e tentar dominá-la e o resultado é ela destroça-lo por dentro (como já aconteceu com o personagem no cinema, inclusive). Carter sendo partida ao meio pelo próprio escudo, apesar de horripilante, foi necessário. Por fim, Steve Strange tem um terceiro olho, o destino de Wanda é desconhecido – não se sabe o que houve – e o futuro ao lado da Maga Clea, de Charlize Theron é promissor.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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