19 Sep
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Com mais de 6 milhões de assinantes e ultrapassando bilhões de visualizações em seu Canal no YouTube, Danny Philippou e Michael Philippou apresentam um Canal interativo com curtas de estilo amador, mas com um potencial do assombro e do susto. Os gêmeos gravavam pequenos curtas e lançavam na internet que repercutia angariando milhões de visualizações em poucos minutos. O Canal RackaRacka foi crescendo e o que os irmãos faziam por mera diversão e entretenimento também foi ganhando visibilidade, até que decidiram construir um projeto maior. 

Fale Comigo é o primeiro longa-metragem dos Philippou e foi lançado no Festival de Cinema de Sundance em janeiro de 2023. Um longa australiano que fez sucesso num dos maiores festivais de cinema independente dos EUA. De imediato a aprovação do público a boa avaliação da crítica fez com que o filme ganhasse as salas de cinema sendo distribuído pela a24. A narrativa acompanha um grupo de adolescentes/jovens que descobrem uma mão humana embalsamada que tem a capacidade sobrenatural de invocar espíritos. Claro que o que era uma brincadeira e diversão jovial não tinha como acabar muito bem, não é mesmo? 


Um gênero que tem potencial para fugir dos clichês

De início, sobretudo quando temos o primeiro contato com a sinopse do filme, imaginamos que a história vai repetir, pela milésima vez, aquele clichê teen de filmes de terror. Mas, temos na direção dois jovens de 32 anos, estreando nas telonas com um projeto que nasceu entre o público jovem, num Canal jovem, por uma plataforma acessada pela maioria jovem: o YouTube tem seu acesso mais concentrado entre o público infanto-juvenil. Fale Comigo então, nasce com esse espírito. A protagonista, Mia (Sophie Wilde) tem todos os imperativos de sua idade: perdeu a mãe, caiu numa tristeza profunda, não consegue superar o luto, tem um semblante depressivo, e é amparada por melhores amigos, os irmãos Riley e Jade (Joe Bird e Alexandra Jensen). 

Os irmãos Philippou inovam ao não se prenderem nessa narrativa que já é consagrada em filmes de terror. Eles fazem de Fale Comigo uma oportunidade nova de seguirem por um caminho diferente: nos deparamos com jovens que só querem se divertir, ao mesmo tempo que estes mesmos descobrem as aventuras sobrenaturais do além. O clube secreto que invoca os espíritos através do artefato não recebe os olhares de reprovação dos adultos, na verdade, eles nem são muito presentes no filme. Apenas dois tem seus segundos de tela, que é o pai de Mia, Max (Marcus Johnson) e a mãe de Jade e Riley, Sue (Miranda Otto). A presença deles não quebra a narrativa e nem interferem no curso da história. Parece que a tristeza e a vida sem sentido são os protagonistas dessa história que tem por objetivo, simplesmente a efemeridade da adrenalina aventuresca e a diversão que dura 90 segundos. 


90 segundos e você viverá o êxtase 

Sim! Danny e Michael Philippou te desafia a viver a melhor experiência de sua vida em apenas 90 segundos. Se passar disso, você pode nunca mais voltar. “Primeiro você diz – ‘fale comigo’ – depois, - ‘pode entrar’”; e por 90 segundos, o espírito “revive” em seu corpo as sensações da vida. Os jovens diretores, por suas experiências com a câmera, não caem nos exageros do jumpscare e exploram os detalhes de transição de cenas com muito bom gosto. Uma das cenas marcantes é quando Mia, no quarto de seu amigo/crush, Daniel (Otis Dhanji), ao ser atormentada pelo espírito da mãe, é lançada, num único lance de cena, a outro ambiente. A câmera gira, fazendo do corpo que estava deitado, imediatamente, ficar de pé e caminhando. 

A cena que abre o filme já é impactante o bastante para prender o telespectador. A febre dos vídeos de celulares que se interessam em focar aquilo que é ruim, mal e perverso, é a primeira mensagem que os diretores conseguem nos transmitir. Ao encontrar um jovem atormentado numa festa juvenil com bebidas e música alta, ninguém se dispõe a ajuda-lo, simplesmente, sacam seus celulares do bolso a fim de registrar o pior momento do amigo. Gravando o ridículo e a cena que pode, talvez, viralizar nas redes. O impacto e o susto nos pegam desprevenidos quando ele tira sua própria vida enfiando uma faca no rosto. 


O ódio engaja muito mais 

É notório percebemos que os irmãos Philippou conseguem tocar em assuntos muito sérios com o devido respeito e sensibilidade. O mais forte deles é o luto. Mia é focada com a devida tristeza e a dor de ter perdido a mãe de forma muito cruel e injusta. Os diretores também conseguem fazer com que o suicídio não seja demonizado e nem romantizado, mas o revela como ele simplesmente é: a falta de esperança. O bulliyng também aparece, mas de forma muito sutil, o que foi uma escolha acertada também da direção. Provavelmente eles perceberam que dois temas densos demais poderiam dividir opiniões e rachar uma narrativa que já estava muito bem construída. Talvez, tanta dor, tanto ódio assim, não faria bem, não é mesmo? 

Para concluir, numa mensagem subliminar, ou, se preferir, ler o que está atrás do texto/roteiro, os irmãos Philippou, conseguem, numa narrativa que dura pouco mais de uma hora e meia, falar sobre a sensação entorpecente, ou seja, o desejo de se anestesiar diante da realidade do mundo. No fundo, esse é o anseio juvenil que mais cresce entre esta faixa etária da juventude: não quero sofrer e nem ter que enfrentar os desafios deste mundo. A sensação de invocar espíritos do nada e viver aqueles 90 segundos de êxtase, é a mesma sensação de quem quer fugir da realidade e se anestesiar de outras formas, com outras drogas...





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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