02 Nov
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A minissérie (ou série limitada para TV) é uma produção escrita e dirigida por Paul Tomalin, um roteirista britânico com experiência em televisão. Corpos é um suspense policial britânico que adapta a HQ de Si Spencer, com o selo da DC Vertigo e o trabalho de Tomalin foi muito bem escrito com uma história misteriosa, rica e surpreendente. A história acompanha quatro narrativas em épocas totalmente diferentes, conectadas por um assassinato, um lugar, e uma linha de investigação. 

No elenco, os detetives Alfred Hillinghead (Kyle Soler), Charles Whiteman (Jacob Fortune-Lloyd), Shahara Hasan (Amaka Okafor) e Iris Maplewood (Shira Haas) veem sua carreira virar de cabeça para baixo quando encontram misteriosamente o corpo de Gabriel Defoe (Tom Mothersdale) num beco, com uma marca misteriosa no pulso esquerdo e um olho perfurado por uma bala, cujo o projétil não atravessa o cérebro e nem se encontra dentro dele. Loop temporal, tramas investigativo-criminais, viagem no tempo, ideologias políticas, temperamentos humanos desajustados se misturam num núcleo que segura a veracidade e garante a boa trama serial: o excesso de individualidade. 


“Saiba que você é amado” 

O adágio funciona como uma saudação extremista que corrobora não apenas com ideologias sociais, mas, também, dá suporte a uma exploração do desejo de individualismo exagerado e sem escrúpulos. O que importa é que eu seja amado, independente de quem eu tiver que odiar, e/ou eliminar. É preciso assistir a vários episódios para que possamos perceber a trama como um todo e entender quem é o vilão de tudo isso. Nisso, Elias Mannix (Stephen Graham) garante muito bem o seu lugar como o ser humano desejoso de poder, de riqueza, de reconhecimento e, sobretudo, de respeito público. 

A narrativa inicia em 2023 onde Hasan é a nossa protagonista. Paralelo a Hasan, temos Whiteman em 1941; Hillinghead em 1890 e depois um grande salto para 2053 com a policial Maplewood. Ambientado em Londres, no mesmo beco e com as mesmas perspectivas, cada detetive precisa lidar, no seu tempo, com as condições de investigação, riscos, perigos e as tramas que vão se entrelaçando em suas vidas pessoais. O “saiba que você é amado” torna-se um desconforto para quem escuta do lado de cá da TV, pois, na medida em que esse refrão vai sendo repetido diversas vezes, seguido de tiros, bombas e mortes, ele é uma contradição, pois ser amado não parece ser uma condição de outrem, mas uma imposição de mim mesmo.


Cada época com suas repressões 

Numa cidade em 4 tempos diferentes, os diálogos, muito bem escritos e roteirizados nos colocam em pautas como homossexualidade, capacitismo, o lugar social da mulher, corrupção policial, preconceito, xenofobia, machismo, violência, pobreza escancarada, escravidão, o papel do jornalismo, impactos da IA... e tudo isso se amarra com maestria no episódio final. Shahara Hasan torna-se, para nós, o grande ícone de salvação de toda a humanidade. Hasan abre a minissérie e a fecha com as mesmas cenas, mas com sentimentos diferentes, talvez, até divergentes, mas revelando o que é, de fato, a magia da TV, do audiovisual, de uma história bem escrita e bem contada. 

São quatro épocas, são quatro detetives e o mesmo corpo. O mesmo DNA, o mesmo local e os mesmos questionamentos investigativos. Cada linha temporal vai se alinhando paulatinamente na medida em que cada episódio avança. A narrativa do ano de 2053 é a mais incrível – dependendo do ponto de vista – mas, ela nos ganha quando decide não se focar nas grandiosidades tecnológicas e nas maravilhas da globalização. Claro, vemos carros automáticos que dirigem sozinhos e falam; próteses conectadas ao corpo que possibilitam a pessoa voltar a andar e que são recarregáveis. Casas inteligentes que sabem o que o seu dono está precisando, sentindo... Mas, a escolha desta linha do tempo simplifica as coisas e se concentra no essencial. 


“Corpos” fecha seu arco com perfeição e inteligência 

A minissérie original é inteligente. É a melhor palavra para definir os oito episódios que abrem e fecham quatro narrativas conectadas numa só. Figurinos, produção, computação gráfica, estilo e cores, fotografia, atuações impecáveis. Uma coisa que passa bem despercebido é a cultura que cada detetive evoca: enquanto Hasan evoca a cultura oriental com seu estilo de se vestir e seu respeito e adoração pela família. É negra e ocupa um lugar de respeito na Delegacia. Hillinghead evoca outros temas de sua época que, aos olhos do público o levaria para a fogueira ou enforcamento diante de toda a sociedade. Mesmo com um casamento perfeito, família perfeita e emprego dos sonhos, seus desejos e suas vontades ainda não o eram completos. 

É uma boa dica de entretenimento. A série nos prende e não nos deixa descansar enquanto não descobrimos onde que tudo irá parar. Cada detetive teve que lidar com os dramas de seu tempo, mas, sem perceberem, cada um deles contribuiu com o futuro deixando suas pistas e mostrando que era preciso fazer “pelo menos uma coisa boa” antes de morrer.





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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