06 Oct
06Oct

Há cinco anos, o cineasta norte-americano Todd Phillips se uniu ao ator Joaquin Phoenix e entregaram um show cinematográfica com Coringa. Uma personalidade vilanesca do universo fictício da DC, um dos vilões mais aclamados de Batman. O sucesso rendeu a Phoenix o Oscar de Melhor Ator por seu trabalho ao dar vida e maldade a Arthur Fleck, em seu processo de transformação e deformação psicossocial até chegar a se tornar o Coringa. Funcionando perfeitamente como o retrato de uma sociedade doente e geradora de pessoas amarguradas e vingativas, Phoenix conseguiu trazer até nós a versão de uma personalidade que, sem perder seu lado mal e perverso, torna-se o estereótipo daquele ser humano sem oportunidades e sem receber uma chance para se tornar alguém de bem. 

Dado o seu tamanho sucesso, tanto de crítica quanto de público e bilheteria, a dupla Philips e Phoenix se une mais uma vez adicionando uma terceira pessoa: Lady Gaga. Agora, Coringa: Delírio a Dois tenta dar sequência a uma narrativa que funcionou muito bem numa primeira chamada, mas que agora perde em roteiro, iniciativa, tempo narrativo, sentido, perversidade e ritmo. O segundo filme do palhaço da DC é desnecessário e ousamos chama-lo até de inútil, se não fosse a sua perfeita trilha sonora e sua fotografia que é belíssima ao que se propõe. Na nova obra, Arthur Fleck enfrenta os tribunais e o julgamento pelos crimes que cometeu no primeiro filme; durante o processo, ele conhece Harley Quinn/Arlequina [Gaga] que se apaixona por ele e juntos, os dois tentam dar ritmo a uma história de amor. 


Mas... falta história e falta amor 

A cronologia do filme é simples, mas ao mesmo tempo confusa: em suas mais de duas horas de tela – o que se tornou demasiado maçante e desinteressado – assistimos ao julgamento de Coringa enquanto conhecemos seus pensamentos – que são todos expressados pelo gênero musical ao lado de Arlequina. O filme é um musical, mas não se assume como tal. Tem receio de se dizer o que se é pelo simples fato de não se aceitar dentro de sua própria loucura – ou delírio. Sentimos uma decaída na atuação de Phoenix, mesmo ele entregando muito bem as cenas de suas risadas assustadoras e horripilantes. Estamos diante de um ator fenomenal, que nunca nos deixa na mão, contudo, neste trabalho sentimos que ele se perde por conta de um roteiro que não existiu. 

Na mesma sintonia – e falta dela – encontramos Gaga enfrentando o mesmo problema, e mais alguns. Uma artista completa e que marca o nome desta geração. Em Hollywood e na seara da fama e do sucesso, depois de Madonna, Lady Gaga é a artista da vez: completa, única, irrepetível e difícil de se copiar com suas nuances e trejeitos que são únicos. Assistam Nasce Uma Estrela [2018, Bradley Cooper] e vocês vão entender todo este elogio. Em Coringa: Delírios a Dois, encontramos uma Arlequina refém do personagem principal e que, mesmo chamando-a de protagonista ao lado de seu par, ela fica sempre em segundo plano, servindo de pedestal para Coringa e não tendo o tempo de tela que merece. Gaga tem um potencial absurdo e que simplesmente é jogado no lixo neste filme. Conseguimos aplaudir sua voz e seu timbre impecáveis, mas não a vemos como deveríamos ver: atuando e performando explorando toda a sua força de artista. 

Phillips assina o roteiro ao lado de Scott Silver – mesma dupla do primeiro filme. O que deu errado? O que não funcionou? Sabemos que, sem teoria o suficiente para sustentar tal argumento, há uma barreira entre filmes de drama e filmes musical. O cinema é esta Arte que sempre se levou a sério dentro do que pretende se revelar a nós. Este problema influenciou essa dupla diretamente quando, já, desde a sua divulgação, não se assumiu como tal. Resultado: a partir de agora todo e qualquer musical comparado com Coringa: Delírio a Dois, será melhor avaliado. Depois, um “delírio a dois” deve ter existido entre Silver e Phillips, pois nada justifica tal distanciamento dentre de um “não-roteiro” numa obra com mais de duas horas de tela. 


Arte sem essência não é digna de contemplação 

Por mais que a atmosfera do filme de 2019 não seja de uma história bonita e que nos dê orgulho, o filme tem seu coração, sua essência e o público consegue contemplar a transformação do seu personagem. A cena da escadaria, por exemplo, no primeiro filme é de arrepiar. Ali o roteiro fecha; ali a arte encontra a sua máxima contemplação; ali o ser humano se despe de sua humanidade para assumir sua maldade e perversidade. Fleck é o Coringa! O vilão. A escadaria no segundo filme virou um nada; apenas mais um lugar de desprezo e de desconsideração total da narrativa. O Coringa e a Arlequina estão ali, sem conexão, sem paixão pelo crime, sem maldade na alma. 

Sem propósito, sem ritmo, sem sentido e sem relevância, Coringa: Delírio a Dois é um exemplo do que não se deve fazer dentro e fora do cinema. O sucesso do primeiro não é a garantia do segundo e, talvez, deixar do jeito que se está é uma forma de respeitar o público, os fãs e aqueles que amam o que fazem e fazem o que amam. Ainda vemos uma Gotham muito bem caracterizada; além da fotografia, os figurinos são bons – com a Gaga também erraram algumas vezes, mas isso não tira o brilho de sua performance – mas, todo o resto não se destaca diante de nossos olhos. Esquecível, o filme é exatamente aquelas duas horas que perdemos pra nada.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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