29 Dec
29Dec

Thomas Mallon, um romancista norte-americano publicou em 2007 o romance Companheiros de Viagem (“Fellow Travelers”) que lida com a narrativa história que perpassou entre 1950 a 1980 sobre a comunidade homoafetiva que crescia e era, de certa forma, aniquilada pelos líderes políticos e pelo machismo que defendia a sociedade dos bosn costumes e da não-perversão. Portanto, o romance une política, luta contra o racismo, políticas públicas para o tratamento da aids e sexo entre paixão, luxúria e muito amor. 

A minissérie do Paramount +, tem um salto temporal que, ao mesmo tempo que conta a história que começa em 1950, ela nos leva a 30 anos mais tarde mostrando assim um passado e futuro, na qual o futuro sofre as consequências deste passado. Hawkins Fuller (Matt Bomer) é um funcionário público do Departamento do Estado que exerce uma dupla missão: enquanto se veste de político bem relacionado, defende os bons costumes, a lei contra os gays, seu gosto hétero e sua postura máscula; contudo, quando está longe desta bancada, ele é um gay ativo que curte sexo selvagem, ama homens e os domina na cama. Tim Laughlin (Jonathan Bailey) é um jovem inocente e bonito, que segue a Deus e que sonha trabalhar no gabinete de um deputado importante. Hawkins e Tim se conhecem e, os próximos capítulos dessa história a gente já pode imaginar... 


Minissérie com início, meio e fim 

Com roteiro fechadinho, e narrativa perfeitamente bem construída, o romance de Hawkins e Tim encontram aqui um arcabouço prazeroso de se acompanhar. Entre as tantas produções com temática LGBT que encontramos na TV e nos cinemas, Companheiros de Viagem não tem medo (e nem vergonha) em tratar tabu com verdade e clareza. Hawkins e Tim elevam a faixa da produção tornando a minissérie proibida para menores e protagonizam cenas de sexo bem explícitas, mas nada forçado. Todas as cenas eróticas têm seu contexto e se fazem necessárias dentro da narrativa. O Estado (e a política progressista), entre 1950, 60 e 70 empreendeu como proposta urgente de governo uma espécie de “caça às bruxas” na qual eles identificavam cada homossexual das cidades e tirava-os de cena. 

A minissérie ganha mais corpo ainda (como se precisasse) quando apresenta Marcus e Frankie, os personagens de Jelani Alladin e Noah Ricketts. Um casal poderoso e de veia política da resistência e da luta. Frankie aparece na série como aquele drag queen que canta nas noites para sobreviver. Em um bar destinado ao público LGBT, e às escondidas, torna-se interesse amoroso de Marcus, um jornalista negro e gay que também tenta encontrar seu espaço na sociedade sem precisar se esconder. Foi belo e acertado aproximar estes dois e colocar em suas narrativas um futuro rico de lutas e de vitórias a favor da comunidade gay e da luta por políticas públicas com vítimas da aids. 

O que embala, de fato, a minissérie é o amor proibido que os protagonistas estrelam em meio aos rumos que a vida de cada um vai se configurando. Hawkins, por conta de sua dupla identidade, precisa se provar homem hétero e, pra isso, casa-se com a filha do Senador, com quem constrói uma família próspera com dois filhos. Contudo, a cada brecha, ou recaída, ou desejo, seus pensamentos (e seu corpo) sempre voltam para Tim. Enquanto isso, Tim não tem nenhum interesse em se esconder, em trancar dentro do armário quem ele é de verdade. Mesmo aprisionado com uma lei religiosa e encarando os seus sentimentos como pecado mortal, a série, de forma muito sábia, soube driblar e equilibrar perfeitamente essas duas “leis” que controlam a nossa vida: a da fé e a do amor. 


O futuro de um amor verdadeiro 

Entregando uma das mais poderosas cenas e com um desfecho de nos emocionar profundamente, Tim, que testa positivo para a aids tem seus últimos dias de vida contando com a inusitada presença de Hawkins ao seu lado na cama de um hospital público e precário, erguido por ongs sensibilizadas por estes pacientes, já que a política não olha por eles. Os EUA foram marcados pelo episódio chamado de Lavander Scare, que consistia, entre outras perseguições, na caça aos homossexuais, tirando-os de seus empregos, perseguindo-os e, até matando. Vemos esse episódio claramente quando Marcus e Frankie protestam numa marcha cobrando do poder mais compaixão e humanidade para com a humanidade atingida pela aids. 

“Ninguém teve o amor que eu tive com você” – Tim protagoniza uma das cenas mais chocantes de toda a minissérie. Quando, no meio de uma festa da alta sociedade, cheia de políticos, e ao lado dos seus amigos gays, despede-se de Hawkins e se une a uma luta que cobra mais oportunidades de cuidado para aqueles que estão morrendo por aids sem ter assistência médica. 

“Não, minha filha; ele não era o homem; ele foi o homem que eu amava!” – Hawkins, ao ir no ato em que se reuniu numa grande colcha de retalhos os nomes das vítimas da aids, ao lado da filha, ele assume o seu grande amor. O amor da vida inteira. O amor que até sua esposa precisou reconhecer e o deixar livre para viver, nem que fosse no fim. Antes tarde... Portanto, Companheiros de Viagem é sincero, é real e fato. Não é uma série de romance leve e com sabor de chocolate. Não. Ela é pesada, tem camadas pesadas, mas muito justas que nos ajudam a ter, sobretudo, respeito e empatia com nossos irmãos que pensam diferente, rezam diferente, andam diferente... amam diferente...





Por Dione Afonso  |   Jornalista

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.