08 May
08May

Protagonizada por Oscar Isaac, Cavaleiro da Lua tenta inaugurar uma nova fase no MCU valorizando outras culturas e trazendo novas faces para o time de heróis do audiovisual. Quando assistimos Eternos sentimos que isso seria possível, pois a narrativa apresenta uma bela carta de amor à humanidade trazendo em seus personagens poderosos uma cultura de cada canto do mundo. Indo desde a América até o outro lado do planeta. E isso teve um resultado muito positivo e um olhar de representatividade e de inclusão. 

Com a direção de Mohamed Diab, um cineasta egípcio, a sexta produção para o streaming da Marvel ousa ainda mais ao misturar elementos da mitologia e cultura egípcias. Com narrativas voltadas aos deuses que há muito tempo foram moldando o comportamento social daquele lugar, vermos representações de Ammit, Khonshu, Tueris, foram oportunidades de explorar o desconhecido e tornar acessível. A dúvida que fica agora é, como que essa nova narrativa irá ser incorporada numa cronologia que já vem sendo construída sem forçar um ajuste ou apresentar uma fraca justificativa? (ATENÇÃO: a partir daqui há spoilers).


O novo herói 

A história de Cavaleiro da Lua gira em torno da dupla (ou tripla) personalidade do personagem de Isaac. Marc Spector ou Steve Grant, ou Jake é uma pessoa que sofre de Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI). Com isso, Spector/Grant precisa lidar com a sua dupla personalidade afim de entender o que está acontecendo com sua vida. O novo herói da Marvel parece sofrer mais com suas fraquezas do que com a força que carrega. Por apresentar uma ligação sobrenatural com o deus egípcio Khonshu, Spector/Grant, aos poucos vai percebendo que ele está, não só ligado, mas preso a uma dívida com esse deus. 

Khonshu é o deus da lua, uma divindade impiedosa e banhada com o sentimento de vingança. Segundo lendas, Khonshu desejava conseguir um caminho para que pudesse caminhar entre os vivos, quer dizer, sobre a terra. Daí a gente pode tirar a ideia de avatares humanos para justificar essa finalidade. Aproveitando-se dessa mitologia egípcia, eis que a Marvel resolve aproveitar essa cultura e trazê-la para o seu universo. Assim, na HQ de 1975, a divindade Khonshu aparece pela primeira vez como um inimigo não muito eficaz do Lobisomem. Em 1980, na HQ Moon Knight vol. 01, Khonshu surge com o seu real propósito: criado por Bill Sienkiewicz e Doug Moench, o deus se encontra com Marc ainda criança e ali, decide fazer dele, seu avatar. 

Nasce então, o Cavaleiro da Lua, uma espécie de anti-herói que vive sob a sombra de uma divindade egípcia que decide quem deve viver e quem deve morrer. Fazendo “justiça” sobre a terra, o deus condiciona seu avatar a aniquilar os homens de coração maldoso, “purificando a terra”. Na série, vemos Marc/Steve, aos poucos entendendo a dinâmica de Khonshu até chegar num ponto de não querer mais ser escravo desse deus. 


Cavaleiro da Lua, a série 

A sexta produção para a TV da Marvel, apresenta uma história do zero. É uma narrativa de origem do novo personagem e do novo herói. Contudo, a jornada escolhida para contar essa história, infelizmente não funcionou. Os seis episódios não entregaram nenhum ápice e nenhuma conexão com o que precisamos saber que virá nas sequências da produção. Narrativas lentas, diálogos mal intercalados e uma briga de deuses que não se justificou na visão geral da obra. A cultura foi muito bem elaborada e percebe-se até um grande respeito pela mitologia, méritos de Diab. Porém, na obra geral, a avaliação deixa a desejar. 

Termina a série e a pergunta que fica é: acabamos de conhecer um super-herói com forte potencial para o futuro dos estúdios. O que sua origem, identidade e cultura representarão para o MCU? Como essa diversidade vai se encaixar numa cronologia narrativa que precisa acontecer? Não se trata aqui, da série ter colocado alguma referência com outros heróis, ou os Vingadores, por exemplo, isso nem sempre funciona, mas os seis episódios ficaram sem conclusão e sem mostrar o que eles, de fato, queriam nos mostrar. O mesmo pode acontecer com a próxima produção, que chegará em junho, também trazendo uma história do zero, contando a origem de Kamala Khan, uma jovem paquistanesa, tornando-se na heroína Ms. Marvel

A Marvel está engatinhando – e aprendendo muito errado – a fórmula de como se fazer uma boa série. WandaVision, a primeira produção, foi a que ousou sair da caixinha e conseguiu entregar ao público uma produção nova, diferente e que não deixou de ser Marvel, sem a fórmula Marvel. As outras que se seguiram, Loki, Falcão e o Soldado Invernal, Gavião Arqueiro, foram prejudicadas com essa fórmula e não saíram da caixinha entregando mais um filme dividido em capítulos que uma série exclusiva de TV. 


Heróis mais humanizados? 

Em outro artigo, livre de spoilers, escrevemos sobre a nova fase de heróis que está chegando pós-Thanos e seu estalo que aniquilou metade das coisas vivas sobre a terra. No texto, afirmamos que a Marvel, querendo de aproximar mais da humanidade e das coisas reais do nosso dia a dia, tem optado em revelar que o super-herói, por mais forte que ele seja, também sofre, sente dor, precisa superar o luto, precisa se descobrir, buscar tratamento etc. Enfim, estamos vendo personalidades poderosas que sofrem e muito até mesmo um transtorno ou um luto insuperável. 

Em Cavaleiro da Lua, Marc Spector teve uma infância difícil na qual foi acusado pela mãe de ter matado o irmão e dela apanhava continuamente. Para se “libertar” desse abuso familiar, Marc cria o seu amigo imaginário, Steve, e com ele, desenvolve uma dupla personalidade a ponto de um não saber o que o outro fez. Depois, vem a morte da mãe, mas Mar prefere acreditar que ela está viva não suportando mais uma dor em sua vida. 

Ser herói é também ser um humano comum. E ser humano é, às vezes, ser como um herói que vence a lida de cada dia, de cabeça erguida e pronto pro dia seguinte. Steve Grant, na série, surge para nós como um homem comum, um funcionário que enfrenta transporte público, salário baixo, emprego nada prazeroso e que ainda sofre de um distúrbio desconhecido a ponto de fazer com ele precise se amarrar enquanto dorme durante a noite. Quer algo mais humano (e triste) que isso? Quantos, hoje, não vivem com seus traumas, fracassos, doenças, distúrbios, apertos financeiros... Bem vindos ao mundo dos humanos heróis!




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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