02 May
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Nova minissérie da Netflix está ganhando público e rendendo comentários e compartilhamentos nas Redes Sociais. Bebê Rena (Baby Reindeer) acompanha Donny Dunn (Richard Gadd), um barman que sonha em se tornar um comediante de sucesso. Dunn, enquanto lustra taças por trás do balcão se vê surpreendido por Martha Scott (Jessica Gunning), uma jovem mulher curiosa que conquista a sensibilidade de Dunn quando decide sentar de frente ao balcão, sem condições nem para pagar um chá. Apesar de Martha se apresentar como advogada de sucesso e que atende os grandes nomes de Hollywood, Dunn, sem entender como que aquela mulher está sem dinheiro, oferta a ela, um chá por conta da casa após ela ameaçar a chorar. 

Bebê Rena, então, começa a narrar uma história em que uma mulher de sorriso farto e um homem que tenta a vida como comediante e garçom se encontram no bar todos os dias, trocam altos papos e iniciam uma amizade estranha. Donny começa a perceber que algo diferente há em Martha, até que, dias depois desses diálogos sem início e sem final, ele decide pesquisar sobre esta mulher. Martha é possessiva e uma perseguidora insistente de outras pessoas. Acusada de perseguição e de stalker, já foi presa e sofre de bipolaridade e depressão possessiva. Donny, na tentativa de se desvencilhar desta situação se vê ainda mais preso numa relação compulsiva. 


Experiências da vida real 

O roteiro de Gadd é sufocante, angustiante e por vezes, macabro. Parece que estamos dentro de uma história de Stephen King. A minissérie trata, em por menores, o quanto nossa mente pode ser nossa aliada, mas também pode se tornar a nossa maior inimiga. A personalidade de Scott, uma mulher solitária, que deseja ser amada e acolhida, retrata tantas outras personalidades de nossas vidas reais, em que buscam ser acolhidas num contexto segregacional e exclusivista. Com Donny também não é diferente. Quando encontra a chance de alavancar sua carreira, escrever piadas, realizar stand-up pelo mundo, Darrien (Tom Goodman-Hill) vê em Donny mais um que ele pode drogar e abusar. Darrien é repugnante e ao lado de Donny nos oferta as cenas mais impactantes entre os 7 episódios. 

O que acontece entre estes dois é o retrato real de como as nossas experiências podem marcar a nossa vida para sempre: para o bem ou para o mal, os traumas do passado nos assombram. Outra personagem é Teri (Nava Mau), uma mulher trans pela qual Donny se apaixona, mas que sente medo de assumir este amor por conta do pré-conceito que ainda navega em seus pensamentos. Teri ainda consegue fazer com que Dunn supere, mas as coisas não são tão simples assim, não é mesmo? A série ganha, na sua metade episódica, uma virada radical de narrativa e de perspectiva, o que a difere de tantos outros true crime. A decisão de tirar do foco a relação entre Martha e Donny e passar a dar visibilidade à jornada de busca identitária de Dunn foi uma decisão corajosa, mas o roteiro de Gadd não diminuiu a qualidade da história. 

Vale, ainda, ressaltar que a criação de Richard Gadd nos oferece apenas um lado da história. O que já é muito, partindo da perspectiva traumática que ele teve. Mas, do outro lado, temos uma mulher excluída do convívio social. Alguém que também teve uma experiência traumática em sua vida e que também se encontra vulnerável socialmente. Não cabe a nós, sobretudo depois de assistir aos 7 episódios, classificar quem foi a vítima e quem foi o causador dela, mas, cabe perceber que de ambos os lados há duas pessoas cujo seus traumas de vida transformaram para sempre a forma de se relacionar com o mundo e com os outros à sua volta. 


Conexões e relações 

Mesmo não tendo sido previsto, a obra de Gadd resolveu nos levar por outras vias que não focaram em Martha e Donny. A história que foi urgente contar é a que Donny protagoniza em suas próprias relações depois de tudo o que viveu e sofreu. Depois da experiência louca com uma stalker, um relacionamento confuso com uma trans, o abuso de seu amigo e a descoberta do passado traumático de seu pai, Donny precisa se descobrir o que ele é o que fará com isso dali pra frente. A relação doentia com Martha não era nada perto de todo o resto de sua vida. Esta jornada é dolorosa, mas necessária afim de firmar seus pés num chão que irá provar de seu talento. Todos nós, ao assistir, percebemos que precisamos caminhar com Donny por esta estrada. Percebemos que tudo se desencadeia quando as conexões em sua mente meio que se desconectam e os neurônios precisam encontrar as relações certas novamente para sua vida. 

A narração de Gadd é primorosa e ainda mais sufocante. Mesmo não se caracterizando como uma série de comédia, há momentos em que o riso do espectador meio que surge inesperadamente e de forma culposa (nos vemos dando risadas com cenas não muito dignas de riso). Martha ainda volta a aparecer na narrativa, afinal, ela também é uma pessoa que sofre neste mundo. Seus sintomas bipolares são reflexos de uma solidão humana desprezível. Ninguém está com ela, ninguém a enxerga. E ela se esforça: veste-se bem, se arruma para ir ver Donny e é delicada com os sentimentos dele. Contudo, sua depressão é mais forte que sua força de viver bem, o que desencadeia, novamente, novos sentimentos explosivos.

Por fim, Bebê Rena é aquele trabalho que ficará nos trendding topics por algumas semanas dado sua engenhosa maneira de contar esta história. As reviravoltas que os episódios nos ofertam servem para nos ajudar a mergulhar ainda mais neste mistério humano que é a nossa consciência. Ficamos um pouco exaustos no final, mas nada que uma boa conversa com seu melhor amigo terapeuta não resolva.  




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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