24 Feb
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“E aqui é o segredo do sucesso desse tipo de programa, pois a identificação do público que assiste a tudo é imediata e simbólica. Imediata pois nós nos vemos ali. Seja você do grupo de fãs com blogs, canais para comentar os fatos, perfis de divulgação dos acontecimentos; ou seja você do grupo que diz detestar a trama, que critica aqueles que assistem e ainda afirma, com toda certeza, ser uma alienação ou coisa de gente medíocre, esse programa é o seu retrato. Pois os dois grupos são dois lados da mesma moeda, que é a vida humana. Essa é a vida humana, seja você aquele que a nega ou aquele que a acolhe!”.    

 [David Heuler, professor, neuropsicologia e pesquisador da Psicologia Analítica Junguiana].  


É imenso o sucesso dos programas chamados Realitys Shows. Versignassi, escreveu sobre essa primeira experiência para a TV que aconteceu na década de 70, confira: “Em 1973, estreou An American Family. Com uma dúzia de episódios, uma equipe de filmagem acompanhava o dia a dia dos Loud, uma família de classe média da Califórnia. Passava na PBS, a emissora pública dos EUA. Foi um sucesso. A série agradou os produtores (por ser um programa de baixo orçamento) e o público. As pessoas, além de se sentirem representadas na tela, impressionavam-se com os dilemas da família, como um pedido de divórcio e a homossexualidade do filho mais velho (lembre-se que estamos nos anos 70). Na época, a antropóloga Margaret Mead escreveu que aquilo era uma invenção tão significativa quanto a criação do drama ou do romance. Ela estava certa, mas o experimento midiático da PBS estava à frente do seu tempo”. 

O texto completo de Alexandre Versignassi está completo no Portal Super INTERESSANTE. Precisamos dar um grande salto para a década de 90 onde os realitys shows, de fato, ganharam notoriedade na TV. E em 1993, a Holanda lança a primeira versão do Big Brother. Que é onde queremos chegar. Criado pela produtora local Endemol, John de Mol se inspirou no livro 1984, do inglês George Orwell, para criar o programa. O romance mostra um futuro distópico, no qual a sociedade tem sua liberdade cerceada pela vigilância constante. Aquele que se utiliza de câmeras espalhadas por toda a casa, vigiando todos os passos é chamado de Grande Irmão, daí o nome Big Brother. 

Mas, qual é o motivo no qual esse programa atrai tantos olhos? 


Os dramas da vida real e a plateia escondida 

No dia a dia, no corre-corre, é inevitável que fujamos de nossos problemas, compromissos, responsabilidades, das nossas situações costumeiras. Isso é óbvio! Se me incomoda, se eu não me sinto bem, se não quero lutar por aquilo ali, basta “dar um perdido” e, “quem me viu, mentiu”. Quando essa condição humana é transferida para uma rotina de confinamento e vigilância constante, o quadro relacional muda de figura. Agora eu não consigo me esconder, não tenho para onde correr e nem como fugir. Isso é o BBB. Isso é a essência de um reality show.

Nos perguntamos o porquê do sucesso estrondoso desse formato de programa. Conversamos com o antropólogo David Heuler que é professor de filosofia, especialista em neuropsicologia, mestre em Análise do Discurso e pesquisador da Psicologia Analítica Junguiana. Para Heuler, a grande questão antropológica por trás de tudo isso é o sofrimento humano. “Sim! O sofrimento, sobretudo, alheio! Isso é um reality show, lugar onde o limiar entre realidade e ficção é tão tênue que os telespectadores acabaram por simplificar a complexa teia de relações da vida real em uma palavra: jogo! Que expressa muito bem e muito mal o que se passa dentro e o que pensa fora das telinhas, afinal quem vive não somos nós e quem pensa não são eles. Sendo que o contrário também é válido!”. 

Heuler também complementa afirmando que há por trás disso, também um discurso simbólico de experiências imediatas que nos colocam no confinamento, pois, ali, nós nos vemos. São cópias de nós. 

Sou humano e tudo que é humano atrai meus grandes olhos! Qualquer problema para ser identificado é imediato, pois eu vejo ele no outro. O desafio é assumir ele para si, pois se eu vejo ele, é sinal de que ele também é meu. E, Heuler afirma que “aqui está a dimensão simbólica do programa. E como sempre essa dimensão nem sempre é fácil de identificar, pois ela é que nos representa melhor e diz exatamente quem nós somos! Ganha “o jogo”, quem consegue entender isso melhor, ou seja, ganha quem se assume! Ganha quem é ele mesmo, ganha quem joga em nome do verdadeiro jogo, o jogo de cara limpa, aquele em que você é transparente, aquele que vive como sempre viveu, que fala o que sempre falou. Ganha aquele que se vê como é, que assusta consigo mesmo, chora com a alma e não para a câmera, mas continua buscando a sua superação, não é, Lucas Penteado?” 


Os males da sociedade do espetáculo 

A fama advinda desse formato de entretenimento midiático acaba que provocando uma imediaticidade e superexposição daquilo que é muito íntimo e pessoal de cada um de nós. Expomos não só nossas qualidades, mas também colocamos na berlinda do julgamento social as nossas mazelas e feridas que ninguém precisaria saber, assistir. Uma ferida provocada pode tornar cicatrizes que jamais fecharão. “Como é dolorosa essa noção de consciência para nós seres humanos. Sermos nós mesmos é dificílimo. A não ser para os que nasceram prontos, esses nada os atinge, nada os incomoda e eles entendem tudo e dominam a todos. Isso sim é uma ficção, isso sim é um jogo em que muitos insistem em viver na sua realidade e com isso continuam buscando e vendo os seus problemas nos outros. O outro é folgado, o outro é fofoqueiro, o outro se acha, o outro é o dono da verdade, o outro acha que só ele sabe das coisas, o outro é mimado, o outro é falso, sempre o outro e nunca eu!”, diz Heuler. 

O que precisamos ter em mente é que tudo o que BBB mostra não é diferente do que nós do lado de cá presenciamos cotidianamente. Não tem como separar uma coisa da outra. A Casa mais vigiada do mundo só reflete as pautas e discursos que estão presente nas conversas, reuniões, palestras, aulas, estudos, pesquisas, discussões, relações, casamentos, famílias que convivemos a cada dia. Só que o diferencial é que aqui não temos uma câmera sobre nossas cabeças filmando tudo o que pronunciamos e nem tudo o que fazemos. Diz Heuler: “Aqui na realidade também temos aqueles que se dizem representantes de uma causa, porém atacam com suas atitudes a própria causa. Dizem ser a favor dos pobres, mas oprime e nega a sua pobreza, vira a cara, joga sujo para prejudicar os outros, defende apenas seus próprios privilégios, buscam honrarias, palanque, popularidade, prestígio!” Ou seja, acaba que caímos num discurso de hipocrisia que nós mesmos sustentamos. 




“Sempre teremos aqueles que mentem, fingem, dizem defender, mas que com suas atitudes atacam com violência, falta de empatia. Aqueles que praticam ostracismo com quem ama, em nome dos seus “valores” há tempos desvalorizados, do seu salário, do seu cargo, da sua posição e apenas do seu próprio ego. 

E onde tudo isso acontece? 

Bom, aqui e ali, dentro das nossas casas, nas igrejas, no nosso trabalho, dentro de um ônibus, na fila do supermercado, entre amigos, namorados, irmãos, marido e mulher, filhos e pais! Sim, em todos os lugares! O BBB é uma extensão do Brasil ou o Brasil é uma extensão do BBB? Nem uma coisa nem outra, ao mesmo tempo que uma coisa e outra! É isso e aquilo ao mesmo tempo! Já dizia minha sábia vozinha: “senta na calda para falar da calda dos outros”! Quer ser campeão? Seja você, por mais doloroso que seja!”


(Professor David Heuler (@professorheulerdavid) em conversa com o Blog Cicatriz (@cicatriz.blog) )




Por Christian Maia  |  PUC Minas 

Por Dione Afonso  |  PUC Minas 

Foto: Reprodução / GShow.

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