“Começaram a falar demais de questões sociais de formas mais exageradas e que não foi bem aceita pelo público. Por um lado, soava muito falso e por outro, essas mesmas pessoas que defendiam tais pautas, tinham comportamentos condenáveis. E é exatamente essa hipocrisia que tem sido apontada. Portanto, as pessoas estão tendo essa aversão, porque têm uma tendência em defender quem é vítima e é injustiçado. Quando temos a soma de todos esses fatores, você tem muito do que é esse BBB21 e o que ele afeta em nós. Então, somado tudo isso, nós temos aquela sensação de criar vilões, criar as vítimas, porque é a forma narrativa de compreendermos o mundo”
[Emanuel Querino (UFMG), psicólogo, neuropsicólogo e cyberpsicólogo]
Quem é Karol Conká? Confesso que esse nome nunca foi pronunciado em minha presença até a edição do reality show Big Brother Brasil 21 transmitido pela Rede Globo ser anunciado. Nunca havia tomado conhecimento dessa pessoa. Não é o tipo de programa que acompanho. Não há nada nesse tipo de programação com que me identifico, então, não sei o rola e nem o que se fala nele. Mas, para quem vive e fala sobre jornalismo é inevitável não se esbarrar na sigla BBB21 por aí. Nas Redes Sociais é o assunto mais comentado. Nos jornais, a coluna de entretenimento e TV tem exclusividade para se falar do programa. No Twitter, 9 em cada 10 assuntos (os chamados tredings) é sobre o BBB. Portanto, o programa provoca grande repercussão nos noticiários.
Vivemos imersos numa sociedade do espetáculo no qual a vida privada de outra pessoa causa o meu interesse e, por vezes admiração ou ranço total. O show é apresentado não em doses homeopáticas, mas é injetado de uma única vez drogando-nos e reagindo como alucinógenos que nos fazem viver intensamente aquele momento único. Esses realitys funcionam assim: são momentâneos. Em poucos meses definham cérebros e causam alienação global.
O nome da confinada Karol Conká está em evidência e estará, provavelmente até o episódio de hoje à noite no qual, provavelmente a participante será eliminada e, para atender o grande interesse do público: com recorde de rejeição. O motivo pelo qual comecei a ler as hashtags que direcionavam ao seu nome e ao que te diz respeito foi por conta de seus discursos que começaram a pulular inúmeros artigos abordando temas como: violência não-verbal; tortura psicológica; homofobia; xenofobia; racismo; seus maus tratos com os participantes; cultura do cancelamento; discurso de ódio e autoritário; uso da imagem desumana dos manicômios que tanto mutilaram a nossa humanidade para importunar um concorrente; e, sempre o uso de um linguajar de nojo e de caráter humilhante com os participantes confinados na mesma casa.
A rejeição mundial deve ser o trunfo de vitória da sociedade de hoje à noite. Parece que Karol, finalmente irá acertar suas contas. Tudo o que ela fez, toda a tortura que fez os participantes passar de forma desumana e cruel estão anotados e finalmente faremos ela pagar pelos crimes que cometeu. Faremos? Será mesmo? Não se preocupe, há muitos jornalistas, influencers, blogueiros, discípulos do Léo Dias, Hugo Gloss, das revistas de fofocas e de sites provocadores que estarão marcando ponto nos turnos de plantão com seus julgamentos prontos para lançar a participante na rua do pecado e na fogueira da condenação.
Não basta para Karol seu alto nível de rejeição pelo público. Toda a sua carreira caiu por terra. Suas chances de reconstruir sua imagem, retomar sua carreira, seu trabalho, profissão serão reduzidas a uma porcentagem nula. Nesse momento lembramos do participante de terça-feira passada, o comediante Nego Di que até então ocupa o rankging de rejeição em mais de uma década de programa. Eliminado com 98,76% de rejeição. O que mudou em sua vida? Sua família está com medo de sair de casa. Seus filhos não podem mais ir à escola. Mas e a Karol? Ela não merece a punição? Não é uma chance para que ele se depare com seus erros e pague pelo que cometeu? Sim. Todos devem pagar pelo que fizeram. Todos precisam e tem o dever de reparar os danos que causaram, sobretudo quando esse mal foi praticado contra outra pessoa.
Condenar a vida de alguém, cancelar alguém sob uma cultura desumana e de morte não é nosso dever. Não temos o poder nas mãos de decidir quem deve existir e quem não deve. E aí, chego ao motivo pelo qual escrevi essa crônica de hoje: vi agora há pouco em meu Instagram inúmeros estabelecimentos, desde lojas de roupas a lanchonetes oferecendo promoção para aquele que conseguir acertar qual será a nota que irá eliminar a Karol hoje a noite. Isso é sujo de sua parte. É desumano, é cruel, mal, antiético e imoral. Você torna-se mais um na lista dos que destilam o ódio nas Redes Sociais e usam do discurso de vingança dos outros para benefício próprio. E pior, oportunismo econômico. Golpe baixo, capitalista vingativo que aproveita da desgraça de alguém para angariar lucro.
A cada dia me assusto mais quando percebo os quão vingativos, rancorosos e maldosos nós somos. E esses sentimentos que alimentamos são péssimos projetos de vida que levamos a diante.
Por Dione Afonso | PUC Minas
Foto: Reprodução / GShow