04 Dec
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São inúmeras as adaptações pro audiovisual baseadas nas obras da Rainha do Crime, Agatha Christie. Com mais de 80 obras, peças de teatro e contos policiais, Christie eternizou na história literária mundial um dos mais famosos detetives de Romance Policial: o enigmático baixinho com suas “células cinzentas”, Hercule Poirot. Belga e de aparência sempre muito elegante e impecável, sua criadora faz da personalidade de Poirot algo único e inesquecível. Tanto é que, mesmo com grandes nomes da literatura de mesmo gênero, ninguém deixa de revisitar as peripécias de Hercule Poirot, um homem difícil de amigar-se, impossível de enganar, mas de uma inteligência e memória incomparáveis. Dito em outro artigo, Agatha fez seu personagem com início, meio e fim. Ou seja, ela o apresenta, coloca-o em mais de 30 de seus romances e o mata. Poirot tem, sim, seu final na literatura de sua criadora. 

O que o difere de todos os outros detetives que vieram depois. Entre as mais variadas interpretações no cinema e na TV, 5 se destacam: Austin Trevor (1897-19780 foi o primeiro ator a viver o detetive. Uma trilogia cinematográfica o consagrou, interpretando Poirot duas vezes em 1931 com Alibi e Black Coffee, e, depois em 1934 com o sucesso Treze à Mesa. Depois, em 1965 surge o ator norte-americano Tony Randall (1920-2004) com o sucesso Os Crimes do Alfabeto, adaptação do livro “Os Crimes A.B.C.). Outra trilogia surge a partir de 1978 com Peter Ustinov (1921-2004), interpretando Hercule Poirot em 1978, Morte sobre o Nilo; 1982, Assassinato num dia de sol; e, em 1988, Encontro marcado com a morte. Agora, porém, a nova geração de leitores e espectadores conhecem o enigmático detetive nas mãos de Kenneth Branagh que já deu vida ao personagem em três adaptações cinematográficas. 


O Poirot de Branagh 

Contrariando um grande número de devotos da Rainha do Crime, Branagh, segundo estes críticos da literatura, mancha a imagem de Hercule Poirot por não captar a essência simples do personagem e por apresentar um carisma que se distancia da originalidade da obra de Christie. Tal revolta levantou uma série de artigos, muitos deles colocando o ator irlandês, que também é diretor e roteirista, em comparação aos antecessores que também deram vida ao personagem. Temos diante de nós, uma trilogia para analisarmos: Assassinato no Expresso do Oriente, de 2017, que adapta a obra de mesmo nome lançada em 1934 e que é um dos livros mais vendidos da autora; Morte no Nilo, de 2022 que adapta o livro de 1937 e, o recente A Noite das Bruxas (2023) que traz Branagh adaptando a obra de 1969 e que no cinema ganhou o título em inglês “A Haunting in Venice”. 

A análise aqui, precisa respeitar três critérios: o primeiro é o da liberdade fílmica, uma vez que adaptações sugerem respeito pela obra original o que não é o mesmo que produzir ipsis litteris; o segundo, compreender que uma coisa é o livro e sua autora, outra é o filme e seu diretor, são linguagens diferentes; e, a terceira é respeitar a era de cada obra adaptada e seus atores: Trevor está em 1931, Ustinov interpretou o detetive em 1978 e, Branagh está em 2017. Isso é preciso levar em conta porque a arte é produto da cultura atual, por mais que filmes de época ou de fatos históricos são produzidos, todo o corpo de produção e elenco está situado numa era atual que influencia a obra em sua criação. 

O que percebemos com o Hercule Poirot de Kenneth Branagh? Primeiro que há um crescimento pessoal e profissional nesta cronologia desde o caso do Expresso Oriente, depois, passando pelo Egito, no Nilo até chegar à Itália. Ao assistirmos as três obras como parte de um processo, é perceptível que o ator e, também diretor quis colocar o detetive num processo de amadurecimento. Ressaltamos, com isso, um distanciamento de seu comportamento emocional com o que a autora patenteou em seus livros. Poirot não é muito cômico nas folhas, mas Branagh tentou incorporar este sentimento um pouco nas telonas. Poirot não é muito amigável, mas é uma companhia agradável entre as páginas, nas telonas, ele conquista as pessoas com um carisma diferenciado. Contudo, o que é muito semelhante é seu senso de justiça, humanidade e sua inteligência e fissura com ovos de mesmo diâmetro. 


“A Noite das Bruxas” e o futuro incerto de Branagh 

Até então, não temos anúncios de próximos trabalhos de Branagh adaptando as obras de Agatha Christie. Seu último trabalho teve uma soma razoável nas bilheterias, ultrapassando os US$ 100 mil, mas permaneceu em boa pontuação, aproximando-se de A Freira 2, do universo de Invocação do Mal. O que é um ponto positivo e digno de consideração. Infelizmente as críticas negativas e as opiniões contrárias às escolhas do diretor para a adaptação mancham um pouco o seguimento de seu trabalho, caso queira continuar com a saga criando uma sequência com novas produções dando seguimento aos trabalhos de Poirot. 

Dos três filmes de Kenneth Branagh, o de 2023 é o que mais agrada aos olhos no quesito Poirot – Branagh, digamos que vemos um pouco mais do detetive original das páginas da escritora ali. Vemos um Poirot mais isolado, bravo, certo de que está no caminho certo e sempre sem uma metodologia. Seus interrogatórios também são mais fieis comparados com os interrogatórios dos dois primeiros filmes. Entretanto, A Noite das Bruxas é o que mais se distanciou da originalidade de Agatha Christie, muito pouco do livro é possível ver nas telonas. Nesse quesito, o trabalho de 2017 é mais fiel. Morte no Nilo fica no meio-termo por conta de uma tentativa hollywoodiana em sensualizar mais, apostar mais em grandiosidade, talvez por conta do elenco com grandes títulos, Branagh também entrega um Poirot pouco atrativo e difícil de convencer. 

Nos livros, Hercule Poirot nunca está perdido em sua investigação. Desprovido de métodos, ele confia apenas em suas “células cinzentas” que nunca enganam e não traem sua intuição. Por isso que o trabalho de 2023 é excelente: Branagh entrega um Poirot seguro de suas convicções, mesmo drogado por um chá, ele não se entrega e convence tanto os personagens como quem está assistindo que ele vai chegar ao final daquela narrativa e entregar o verdadeiro assassino. O filme também foi o que recebeu melhor avaliação no Rotten Tomatoes, com 75% de aprovação dos críticos de cinema. Repetindo: mesmo o filme se distanciando bastante da obra de Agatha, é o que mais entregou um Hercule Poirot mais original e fiel. 


“Morte na Mesopotâmia” vai acontecer? 

Com um vasto catálogo de possibilidades para Branagh, caso a ideia agrade, o diretor pretende ir para a Mesopotâmia e adaptar a obra de 1936. Do Oriente para o Nilo; do Nilo para Veneza, por que não, agora, ir para o início das civilizações? A obra já conta com uma adaptação de 2001 para TV na qual David Suchet interpreta o detetive. Aliás, é o mais elogiado no papel de Hercule Poirot. O livro de Christie conta a história de Amy Leatheran, uma enfermeira que aceita cuidar de Louise, esposa do arqueólogo Dr. Leidner. Tudo isso acontece numa escavação nos arredores do Irã, onde, a paciente começa a receber cartas ameaçadoras de seu ex-marido, um Agente Secreto Alemão. 

A história supõe que, Poirot, enquanto está de féria, a passeio nas proximidades se vê envolvido neste mistério e começa a investigar a origem de tudo isso. Mistérios, mortes cruéis, leitores afirmam que neste livro, Agatha Christie consegue descrever uma das piores cenas de assassinato, uma das mais cruéis que ela escreveu. “Acho que o segredo dessa franquia está em levar Poirot pelo mundo afora, visitando lugares exóticos e inusitado”, afirma Branagh em entrevista após o lançamento de A Noite das Bruxas. Levar Hercule Poirot a Israel desvendando um misterioso assassinato e lidando com ameaças durante toda a narrativa pode ser, quem sabe, o próximo passo para a franquia liderada por Kenneth Branagh. 


Concorda com este palpite? E o que você acha da franquia de adaptações empreendida pelo cineasta?





Por Dione Afonso  |  Jornalista

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