28 Jan
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A adaptação de Sir Gawain e o Cavaleiro Verde do Poeta Pearl, um romance do século XIV, escrito em língua inglesa originária da Idade Média, chegou ao Brasil através da plataforma de streaming. Lançado em setembro do ano passado em salas de cinema internacionais, a obra suscitou reflexões e críticas bastante positivas diante do trabalho que o grande cineasta David Lowery realizou. Vemos, nas duas horas de filme, a jornada de um homem que busca cumprir com sua palavra e sua honra, mas, no caminho, seus sentimentos, desejos, necessidades e medo o acovardam e tentam desviar de seu propósito. 

A história tem inúmeras interpretações. Há aqueles que afirmam nem ser uma grande história, e que o filme está aí apenas para o mero entretenimento. Bom, é certo que nem toda arte é ancorada por uma grande história por trás, as vezes pode ser apenas uma intuição momentânea, mas esse fato não desmerece a obra final. Essa literatura medieval de Pearl reúne versos de um manuscrito que parecem ser muito mais antigos que a obra que conhecemos hoje. O autor, mesmo sendo chamado de Poeta Pearl, é considerado anônimo, e a jornada é sobre honra, coragem, poder, religião e os conflitos internos que nos traumatizam e nos impedem de viver. 


O Rei Artur e a Távola Redonda 

A história de Lowery inicia nos apresentando o Rei Artur. Isso mesmo. Aquele Artur que conhecemos. Aqui ele é um Rei que apresenta o peso da missão e da idade. Ao lado de sua rainha, também idosa, Artur apresenta o seu sobrinho, Gauvain (Dev Patel). Diante de um círculo que se assemelha á reunião ao redor da Távola Redonda, em Camelot, o Cavaleiro Verde, uma figura mitológica e rodeada de lendas se apresenta na noite de Natal diante dos cavaleiros e do rei ali presentes. Movido por um ego e pela necessidade de se provar para seu tio, o rei, Gauvain cede ao desejo em duelar com o misterioso cavaleiro que tem o dobro de seu tamanho. 

E aí começa uma jornada que já tem uma motivação inicial não muito correta: Gauvain entra no jogo para se autoafirmar, autoprovar-se, ou ainda, para mostrar aos outros do que ele é capaz. A resposta disso a gente só tem num vislumbre final, lá, na última cena, quando Gauvain, diante do Cavaleiro Verde, não abre mão de suas seguranças, e o filme que passa em sua cabeça é regado de sangue, traições, mortes, vingança, sede de poder, poder e mais poder, e a não continuação do legado de Artur. 

O ritmo lento do filme é próprio para que a história flua com paciência. Quem não dá conta de se encaixar nesse ritmo é porque já perder a primeira fase do jogo do Cavaleiro: paciência. Já que tudo é apenas um jogo. É, talvez, um primeiro valor que a história tenta nos transmitir. Para assumir uma jornada em busca de um projeto de vida, sê paciente. 


A jornada que não é só sobre coragem 

De início, vemos que é o sentimento de coragem que irá percorrer todo o longa de Lowery. Mas, quando o título “A Jornada da Ida” sobe na tela, começamos a perceber que ter coragem não é o suficiente e, em alguns casos, nem é necessário. Apresentando lendas de animais falantes, pessoas gigantes, ladrões da floresta, bruxas, magia etc., Gauvain começa a se perder ao olhar para os seus desejos – seja carnais ou não – e suas fraquezas começam a alterar a rota de seu destino. As cenas enigmáticas que assistimos são representações de toda a distração e dos planos pessoais que um dia sonhamos e que quando colocamos na balança e comparamos com os planos e o projeto de uma nação, uma missão que pode salvar uma cidade, começamos a nos desvencilhar do caminho original. 

Honrar com sua palavra, ser um cavaleiro corajoso e futuro sucessor do Rei Artur da Távola Redonda não é sobre coragem, honra e fé. Mas é sobre alteridade, amor, confiança e família. A maioria das críticas destacaram a beleza da fotografia e da trilha sonora que nos embalam desde a primeira cena. O que é essencial para transmitir a nós um bom olhar sobre as lendas da mitologia. Por fim, toda a obra do cineasta teve a pretensão de nos transmitir uma sabedoria sobre os caminhos do homem: desde seu nascimento até sua morte. Com foco maior no fim da vida, é claro. Não é atoa que o Rei Artur aparece já velho. Igualmente, o melhor diálogo de todo o filme é o diálogo final entre Gauvain e o Cavaleiro Verde. 

O final é dúbio, assim como é o próprio homem: ambíguo, as vezes enigmático, confuso. As vezes, também, por querer caminhar por duas estradas diferentes numa mesma vida, ao mesmo tempo. Não se pode conquistar tudo e nem possuir tudo. A vida é feita de escolhas. A escolha final de Gauvain era entre suas seguranças matérias, sentimentais e a confiança na própria jornada, na sua coragem e na missão que toda a sua vida foi destinada a ser.



Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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