25 Mar
25Mar

“Tem uma afirmação que nos enche os olhos, diz que ‘Educar é uma vocação’. Partimos desse princípio para entender melhor como foi esse tempo desafiador para todos os envolvidos e também entender o que foi possível fazer diante dessa nova realidade. O nosso país é sim, um país de desigualdades gritantes, a realidade dos meus irmãos é muito diferente, ainda que estejam inseridos no mesmo contexto social. Se por um lado, eu tenho um aluno que tem em casa todas as ferramentas necessárias para estudar, por outro lado tenho uma decadência muito grande, falta de materiais satisfatórios o que leva o aluno ao desinteresse ainda maior de permanecer focado no estudo autônomo”.    

[Wellington de Souza Silveira, professor na cidade mineira Caparaó, leste do estado. Exclusiva @cicatriz.blog]




Divido-me em meu ofício de professora em duas cidades: 

Dores do Rio Preto-ES: “as aulas foram encerradas em março e adiantadas as férias de julho. Iniciamos o trabalho remoto no início de abril, fazendo contato com os alunos, adaptando ao Programa Escolar, assistindo aulas online e aplicando atividades via formulário para os que possuíam acesso à internet e entrega de apostila para os alunos que não possuíam”. 

Espera Feliz-MG: “estávamos em greve quando foi decretado a pandemia. Após o recesso do governo, a direção da escola perguntou se continuaríamos em greve ou se retornaríamos. Todos os professores retornaram com o ensino, pois apesar das nossas reivindicações, a educação não poderia ser prejudicada ainda mais. Iniciamos com a entrega do Plano de Estudo Tutorado (PET), em material impresso, em grupos de WhatsApp ou no aplicativo no Conexão Escola. Tiramos as dúvidas e recebíamos as atividades pelo WhatsApp”. 


Segundo o Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil é o 7° país mais desigual do mundo e seu IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) caiu para a 84ª posição, segundo relatório divulgado em dezembro de 2020. Dados como esse colocam em questão o que o Sistema Educacional do país passa durante este ano de pandemia. Segundo pesquisa do Instituto Crescer 46% dos educadores não sabem avaliar se os alunos estão realmente aprendendo com as aulas online. E 57% demonstram frustração por falta de infraestrutura o que gera desânimo e evasão escolar. 


Soluções que surgem na reestruturação do Sistema de Ensino para o formato remoto 

A Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais e seus parceiros, organizou o PET (Plano de Estudos Tutorados). Trata-se de uma apostila que podia ser acessada pelo App Conexão Escola ou poderia ser impresso pela escola do aluno e levado até ele, se o mesmo não tivesse como buscar. Wellington de Souza, professor do município Caparaó-MG, (leste de Minas), relata que todos eles, educadores, “encontraram um desafio muito grande, sabendo que muitos [aluno] que moram longe, na zona rural, não tinham acesso a escola e em tempos a escola não conseguiu uma comunicação com esse aluno”. 

Mesmo que cada município pudesse se reorganizar, adaptar-se, em muitas cidades, houve um empenho hercúleo e pessoal por parte dos professores que, em reunião online através de plataformas digitais, iam se organizando e buscando soluções para que os alunos não ficassem sem aulas. Wellington ainda afirma que “por esses e tantos outros motivos de acordo com a realidade de cada região, podemos afirmar que o retorno foi cansativo, trabalhoso e necessário. Depois de um ano, ainda permanecemos, todos os dias, com a sensação de estarmos começando, afinal, ainda estamos em transição para as aulas remotas”. 

Bianca Paixão, da cidade de Espera Feliz-MG, da mesma região do estado, também menciona o plano da Secretaria de Estado citando os PETs: “na rede estadual de ensino, foram organizados os Planos de Estudos Tutorados (PETs) e disponibilizado um aplicativo para interação entre alunos e professores a quem tinha acesso à internet. Quem não tinha, recebia apenas o PET impresso. Cada escola se organizou de acordo com a sua realidade. Na nossa, por exemplo, os PETs da zona rural foram entregues pelas agentes de saúde e quem morava na cidade, buscava na própria escola. Os alunos com acesso à internet, foram organizados em grupos de uma rede social (WhatsApp) para receberem as orientações e enviarem as atividades para os professores. Essa rede foi escolhida já que a maioria já tinha ou usavam dos pais, e pelo fato também do aplicativo não funcionar bem para todos”. 

Mesmo diante de um cenário de grande desigualdade social, uma facilidade apresentada pelas pequenas cidades interioranas de Minas Gerais foi a movimentação das comunidades locais em se organizarem por conta própria em prol de fazer com que o ensino atingisse o maior número de lares, possível. Bianca menciona o uso das rádios locais: “a rádio local, carros de som na cidade e outras redes sociais (Instagram e Facebook) também foram aliados nessa transição como veículos de informação. Não foi um processo fácil, na verdade ainda não está sendo. De início, muitos alunos acharam que seria um curto período de pandemia e deixaram as atividades acumularem. Outros haviam desistido mesmo, aguardando o retorno. Tivemos que fazer uma ‘busca ativa’ para que retomassem os estudos. Buscamos encorajá-los e ajudá-los a criarem rotinas de estudo dentro do que tínhamos como ferramentas”.   

É um período de muitas incertezas e adaptações. Toda a sociedade foi muito impactada pela pandemia, na educação seria diferente. Mas, fomos aprendendo a cada dia e procurando juntos, vencer as dificuldades. Tem dias que são mais frustrantes, outros de alegria por conseguir atender a demanda. O ensino remoto tem imposto muitos desafios para alunos, professores, pais, enfim, a todos envolvidos na educação. 


#1AnoDePandemia: tempo de espera nas escolas; play nas aulas no celular 

Uma pandemia, uma guerra e uma revolução aceleram qualquer processo que já estava em andamento em uma sociedade, o ensino híbrido era uma realidade de muitas discussões no meio educacional, o home office já estava ganhando espaço no meio profissional e uma realidade voltado ao ensino online já estava sendo pensado. Os passos para que o EaD fosse se tornando real não era novidade. A coisa funcionava numa esfera pequena e local. No entanto, a pandemia nos fez abrir essa esfera do dia para a noite, no entanto, Wellington de Souza afirma que “se fazia necessário uma estruturação final e/ou um aprimoramento para que aos poucos fossem sendo encaixados nas rotinas das pessoas. Com a pandemia, o processo acelerou e ‘cá’ estamos nós, totalmente online e em home office”. Em primeiro momento foi um choque muito grande saber que ficaríamos distantes da sala de aula e dos alunos, - confirma Wellington -, “por um tempo que não saberíamos ao certo qual seria. A princípio sem uma resposta concreta para as infindáveis perguntas, uma vez que todos estavam tentando se localizar em um ambiente completamente perdido pelo momento”

A professora Beatriz Paixão que se desdobra em duas instituições de ensino em estados diferentes (a sua cidade, Espera Feliz, localiza-se nas fronteiras de estado entre MG e ES, possibilitando esse tráfego de fácil acesso), afirma para nós do Blog Cicatriz “que toda realidade precisa ser estudada. Talvez uma forma de ensino atinja um grupo, mas nunca a todos”. E, em sua rotina de grande esforço diário Beatriz nos conta que “dentro da realidade da maioria das escolas públicas muitos alunos não tinham material. Foi difícil ter a orientação, pois não havíamos um contato da realidade de acesso de cada aluno. O vínculo do aluno com a escola, funcionou na medida do possível, porém, muitos alunos não levaram a sério a situação e acreditavam que o momento passaria rápido, não realizando as atividades conforme o esperado, dessa forma, o conteúdo daquele ano, ficou defasado”.  

Portanto, diante do quadro atual, Beatriz Paixão nos conta que foi preciso realizar uma “busca ativa”: ligando para cada aluno; dividindo as turmas em responsabilidade dos professores e direção; no Estado do Espírito Santo esse serviço de busca era repetido três vezes; atividades por App; em apostila impressa, e; em outubro houve a tentativa do presencial. E, no Estado de Minas Gerais, os alunos tinham o “Se Liga na Educação”, onde tinham acesso a vídeosaulas; tinham os PETs; e o WhatsApp tornou-se o caminho de mais fácil acesso onde os alunos iam enviando suas dúvidas. E, portanto, tornou-se o caminho onde os professores cobravam as atividades das aulas. 

Para encerrar, Beatriz acredita no esforço pessoal e na curiosidade atrelada na busca por conhecimento, “independente da forma que chegue o ensino até você, dê o seu melhor. Cuide de sua saúde física e mental, esse tempo de distanciamento irá passar, por isso, faça desse momento um aprendizado, e não desanime! Estamos juntos!”   




“O ensino com certeza não será mais o mesmo. Sabemos que haverá defasagem da aprendizagem e diferenças ainda maiores entre o ensino público e particular até o fim da pandemia. Por isso estratégias de ensino e intervenções pedagógicas deverão ser aplicadas com maior intensidade. Mas, levando para o lado positivo, acredito que muitas ferramentas tecnológicas que estamos usando agora, continuarão sendo usadas no ensino presencial e poderão ser expandidas ainda mais. O ensino híbrido e o EAD também ganharão mais espaço. Uma vantagem que esperamos também, é uma valorização da educação no geral, principalmente no reconhecimento do papel do professor. Enquanto professores, vemos que os alunos estão desenvolvendo mais autonomia e ampliando sua visão do conhecimento. Temas novos estão surgindo também para discussão no ambiente escolar. Com certeza, isso muda o rumo da educação.” 

(Bianca Paixão, professora de matemática há 8 anos no município de Espera Feliz-MG)     




Por Christian Maia 

Por Dione Afonso   

Jornalismo PUC-Minas

Foto: Imagem de Alexandra_Koch (@alexandra_koch) por Pixabay  

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