“Nós como alunos não conseguimos aprender praticamente nada, porque quando se tem um professor do seu lado para te ensinar é muito mais fácil e, o ambiente escolar ajuda muito. Eu tenho prazer de acordar todos os dias cedo para ir pra escola. Eu tinha o sentimento de alegria em estudar e agora com o ensino remoto eu não sinto muita vontade em estudar. Essa pandemia me afetou bastante em vários sentidos e um dos principais é a falta de ir à escola e ver os professores e colegas”.
[Daniele, 15. Aluna do 1º ano do Ensino Médio, Belo Horizonte. Exclusiva: @cicatriz.blog]
Ansiosos, sobrecarregados, alto nível de stress, descontrole do calendário, atividades remotas que se misturam às do lar, frustração, “ponto cego”, depressão, sentimentos de inutilidade e de incompetência são alguns dos vários sintomas que os profissionais da educação básica relatam ter durante um ano de pandemia e imposição de aulas remotas. Nesse mês quando o país chega a um ano de pandemia – março de 2020 a março de 2021 – o Blog Cicatriz resolveu ouvir educadores nas mais diversas cidades do estado de Minas Gerais. Entre as perguntas centrais da pesquisa, foi perceptível o número de desabafos que recebemos (até mesmo sem esperar por isso).
O número de retorno também foi significativo. Nossas expectativas responderam a 90% do que estávamos estimados a acolher. Esses números registram o tanto que nossos mestres do saber estão precisando jogar pra fora os dramas que estão sentindo durante esse período de pandemia. De acordo com a Pesquisa do Instituto Península encomendada para o Brasil em agosto do ano passado (ou seja, com seis meses de pandemia e restrições sanitárias), 67% dos profissionais da educação estavam apresentando alto índice de ansiedade; os que diziam estar sobrecarregados de atividades contabilizou 53%; cansados (alguns até usaram o termo exaustão) 46%; estressados 42%; frustrados (sentindo-se incapazes) 34%; entediados 26%; depressivos 20% e solitários 18%.
O Instituto ainda relatou que 88% dos professores não tinham experiência com a cultura digital e, portanto, sofreram as adaptações das aulas online. Isso pode implicar decisivamente no número de ansiedade. 83,4% declararam que não estavam prontos para dar aulas de frente um computador. O professor Wellington de Souza, de Caparaó-MG, município do interior do estado, região da Zona da Mata faz uma comparação entre a Rede Privada de Ensino e a Pública dizendo que a primeira, quando veio a decisão do ensino remoto, respondeu mais prontamente às urgências, enquanto que a Rede Pública “se posicionou em seguida, oferecendo um excelente suporte de ensino aos alunos e sua família, o fato é que nos esbarramos nas contraditórias situações de vida de muitos, que não tinham como ter acesso a todos os instrumentos ofertados pelo governo ao mesmo tempo, uma vez que o acesso à internet ainda é muito desigual na realidade dos nossos alunos.
Os desafios foram gigantes para todos os envolvidos, por um lado os professores (de todas as idades e tempos) “tendo” que lidar com a tecnologia e suas nuances, o que para muitos fugiam da realidade da sala de aula até então experimentada. Wellington ainda complementa que a questão das aulas online ainda trouxe um novo agravante: os alunos estudarem em casa, num horário que estariam na escola e os pais trabalhando. Agora, todos estão dividindo o mesmo espaço, “o aluno e sua família, em casa, juntos o tempo todo e com o desafio de continuar o aprendizado, ali, na escola doméstica”.
A família foi sim um fator decisivo – ou pelo menos deveria ser – os professores ainda relataram que foi difícil lidar com essa situação. Pai, mãe, irmãos, todos estavam trancados em casa. Uns em home office, outros nas aulas online. O fator econômico nesses municípios pequenos interioranos ficou ainda mais em evidência. Beatriz Paixão é professora numa cidade vizinha, em Espera Feliz-MG, e ela relata que “o ensino, principalmente no processo de Alfabetização, será muito afetado. Ele é a base da educação. Aí vira uma bola de neve, chegando no Ensino Médio, sem a base necessária. É preciso de muita intervenção e análise de caso a caso, cada aluno tem uma forma de aprender, e suas dificuldades precisam ser trabalhadas após o período. Porém, é um desafio enorme, pois deparamos com salas cheias, alunos já defasados anteriormente antes da pandemia. É um desafio, que todos precisamos abraçar: Escola, família e Estado”.
Os pais não estavam se preparando para um futuro (talvez) próximo. Estabilizar o ensino à distância e híbrido. Nós, professores, - relata Wellington – “não estávamos preparados para receber de uma única vez essa dose forte e exaustiva de trabalho”. Acelerar o processo, traz desvantagens e enormes prejuízos que levam anos para se recuperar. “No caso da educação, tememos muito que essa perda seja irreparável e nunca mais consigamos nos recuperar de um prejuízo”, reafirma o docente.
Na rede pública de ensino, embora com um sistema muito bem estruturado, na prática, grande parte dos nossos alunos, não têm acesso à internet e não estão (nem de longe) preparados para um ensino autônomo e sem acesso e ajuda de profissionais, isso ainda causa um prejuízo maior.
Essa pandemia nos trouxe uma possibilidade de enxergar ainda mais de perto a realidade dos nossos alunos e com isso podemos desenhar um mapa da defasagem que antes já acontecia e entender melhor o que se apresenta aos nossos olhos. Acreditamos também que esse momento nos ensinou que responde Wellington, “as políticas públicas de caráter emergencial, devem atender a esses alunos sem nenhum acesso à educação, garantindo esse direito tão fundamental na vida do indivíduo”.
Sem dúvidas os impactos serão gigantescos no meio acadêmico. É preciso saber avaliar e entender a verdadeira necessidade da população pós pandemia e investir em políticas públicas que atendam a essa demanda. Em sua mensagem final, Wellington diz que “acredita que só a educação liberta, só a educação pode transformar o mundo e que sempre é tempo de lutar por essa liberdade, sempre é tempo de sair da caverna. Esperança, as coisas vão se ajeitar e tudo vai dar certo!”
De Espera Feliz-MG a professora de matemática, Bianca Paixão ressalta que desde as secretarias, passando pelos professores, chegando as famílias, percebeu-se que ninguém estava preparado para esse momento longe do contato presencial e no uso total das tecnologias na educação em tão pouco espaço de tempo. Porém, não era a hora de desistir. E ainda complementa, “sabemos que as tecnologias quando são direcionadas, podem contribuir muito para o processo de ensino-aprendizagem. De certa forma, podemos dizer que a pandemia ‘acelerou’ o uso das mesmas. Porém, ainda são necessárias políticas que garantam o acesso a elas de forma efetiva”.
E, para confirmar sua fala, a professora esperafeliscense confirma que tendo disponibilizado o serviço de um aplicativo para a rede de ensino, “todos nós, professores, tivemos orientações e cursos ensinando o manuseio do App. Porém, muitos alunos estão com dificuldade de acesso e tem professores que ainda estão aprendendo a usar. Teremos aí uma fase de transição até que todos se adaptem, mas paralelamente, o ano letivo está em curso”.
Por isso, continuaremos com o uso das redes sociais para auxiliar nessa transição para o aplicativo. Com as ferramentas citadas, acontecem o envio de material didático e links de aulas assíncronas, orientações gerais, os alunos podem enviar suas dúvidas e respostas, e quando possível, terão as aulas online síncronas. Segundo Bianca, “o objetivo é tentar manter o contato com os nossos alunos e ajudá-los a manter um ritmo de estudo. Mas, infelizmente, os alunos que não tem aparelho ou rede, acompanharão apenas pela apostila impressa”.
“A ciência é uma joia rara e que precisa ser bem guardada. O investimento na educação é sem dúvidas um ponto primordial desde sempre e que no período pós pandemia deve se tornar a prioridade. O excesso de informações que já temos hoje, e, que não significa formação, tem confundido muito a cabeça dos indivíduos. A escola tem a oportunidade de mostrar o caminho para o filtro dessas informações, mas se ela não está em pleno funcionamento, uma cachoeira desenfreada de informações chegará e, sem filtro, farão de alguns, não estudiosos, ‘especialistas’ em determinados assuntos”.
(Wellington de Souza Silveira, professor no município do Caparaó-MG, região leste do estado)
Por Christian Maia
Por Dione Afonso
Jornalismo PUC-Minas
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