25 Mar
25Mar

“Foi um momento tenso, tivemos que nos adaptar para uma realidade que nunca imaginamos ter que passar. Foi muito complicado. Não podemos nos acomodar, precisamos sempre estar em sintonia com a realidade. O país não estava e não está. Estamos em trabalho remoto com planejamentos quinzenais onde os pais buscam as atividades na escola. Acompanhamos postando diariamente as aulas em grupos de Whatsapp”.   

[Daniela Lomasso, é professora no município de Lagoa Santa, Região Metropolitana de BH. Exclusiva: @cicatriz.blog] 




“Ah... com a pandemia agora temos mais tempo” 

“Todo dia dentro de casa, não tem nada pra fazer” 

“Faz greve porque não quer trabalhar” 

Essa e outras expressões tem se tornado frequentes depois que o país instaurou o decreto da pandemia e o Ensino Educacional das escolas ficou suspenso eu seu modelo presencial. A política, ou melhor, a ausência de uma política nacional de combate à proliferação e à contaminação do coronavírus fez praticamente desaparecer as políticas das preferencialidades e das condições básicas de sobrevivência a todo e qualquer cidadão brasileiro previsto na Constituição: como saúde, escola, moradia... 

Aglomerações e a descrença das pessoas faz com que a cada dia o país atinja novo recorde de mortos. Hoje (24 de março) atingimos a marca de 3.250 mortos nas últimas 24 horas e o país sofre com os mais de 300.000 mortos pelo vírus. 

No campo educacional, professores, gestores e educadores em geral sofrem com a falta de uma solução eficaz e a ausência de políticas públicas emergenciais que funcionem e priorizem o ensino dos jovens e adolescentes. Medidas foram tomadas como a criação de Apps que facilitem o ensino remoto, no entanto, os professores sentem o peso da sobrecarga das atividades extra-classes e a realidade de inúmeros alunos que não têm conexão com a rede de internet. Mesmo os que migraram o ensino para canais de TV, estes não conseguem atingir todo os municípios. 


Mais trabalho e a exclusão social e tecnológica 

A professora Eldine Oliveira é educanda na Rede Municipal de Belo Horizonte e atua com a educação infantil. No início, “questionários online foram enviados aos pais”, com a finalidade de se fazer um mapeamento sobre o acesso às Redes Sociais dos filhos. Como, quantos acessam, como é o acesso, etc. Logo em seguida, os próprios professores disponibilizaram o número pessoal do WhatsApp afim de entrar em diálogo concreto com as famílias. 

“A desigualdade social e tecnológica é gritante em nosso país. E a pandemia reforçou isso. A transmissão e aquisição de conhecimento ficou estagnada. Não dá pra afirmar que o ensino, que as aulas continuaram. Não. Não continuou”, afirma Eldine. No entanto, ela reforça que “a comunicação com a família podemos dizer que funcionou”. Ou seja, os pais tornaram-se uma porta aberta e acessível pelo menos para uma conversa. A professora ainda lamenta a dificuldade de reaver esse tempo que foi, praticamente perdido, “nem todas as famílias tem tempo e ferramentas suficientes para manter as crianças, jovens e adolescentes estudando. O impacto no ensino será algo muito comprometedor”. 

Já a docente Wisllaine Magela, professora há 14 anos na Rede Estadual de Belo Horizonte, em conversa com o Blog Cicatriz relembrou o susto que foi o início. “Quando foi anunciado a pandemia e as escolas receberam o decreto para que fechassem as portas, o impacto foi grande. Inclusive emocional. Imediatamente os professores recorreram ao WhatsApp, até porque, era, naquele momento, a ferramenta digital mais próxima e de mais rápido acesso que nos veio em mente”. 

Em contraponto, Wisllaine, na entrevista, entrega-nos uma reflexão de um novo olhar e ponto de vista que precisa ser abordado com atenção e sabedoria: “o ensino híbrido está aí pra nos mostrar que pode se tornar o futuro da educação. O ensino EaD já era uma realidade entre nós. A pandemia só escancarou esta porta que estava entreaberta”. A professora ainda acrescentou que não nos falta ferramentas para o trabalho, o que falta é investimento, estruturas digitais e humanidade afim de pensar até mesmo naquele aluno e naquela família lá na periferia que não tem um acesso decente para estudar. A pergunta que fica é: porque ele não tem esse acesso? É falha de quem? De qual parte? 


As voltas às aulas ainda é uma incerteza: para onde iremos? 

O ensino à distância, ead, formato remoto das aulas evidenciou uma precarização do ensino. Não estar pronto não é uma falha social e política. Não se preparar e não providenciar ações emergenciais é que é. O mapa da exclusão, da desigualdade e da segregação social ficou muito mais em evidência. Com seis anos de educadora, Juliene Gonçalves, também da Rede Municipal de ensino infantil de BH nos conta que “durante a pandemia foi possível perceber a grande porcentagem de crianças que tiveram zero por cento de atendimento devido a condição social e financeira. Não sabíamos, ou pelo menos, não tínhamos tomado nota o quanto nosso país exclui”. 

Segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, em 2018, apenas 69,1% dos municípios nordestinos possuíam acesso a internet, ficando abaixo da média nacional que é de 79,1%. Ainda não temos esses dados atualizados, mas, a pandemia, provavelmente impactou ainda mais essa realidade. Esse número é ainda mais baixo na zona rural, onde menos da metade dos domicílios nordestinos estão conectados. “A transição foi muito complicada. Nos professores tivemos que nos reinventar, criar possibilidade de atendimento que pudesse atender a maior parte das crianças sem exclusão. Claramente nosso país ainda está longe de conseguir viabilizar este estudo. Existem regiões ainda que o básico do ensino remoto, a internet, ainda não existe, inviabilizando essa prática. Na escola que trabalho tentamos de todas as formas atender o máximo de famílias somente da forma remota, porém, tivemos que criar alternativas de entrega de material físico para garantir a participação da criança”, completa Juliene. 


#1AnoDePandemia: criar estratégias e olhar o novo com novas perspectivas 

Muitos professores, afim de que os alunos não ficassem sem o mínimo do ensino básico foram se recriando e se esforçando continuamente para que as aulas acontecessem. Á distância a coisa exige novas formas de abordagem, mas não é impossível que aconteça. É necessário contar com as ferramentas que já temos em mãos e ir se aprimorando às novidades que vão nos aparecendo. A maiorias dos professores relataram que as Secretaria de Educação tentou apresentar soluções como aulas pela TV, disponibilizaram aplicativos para os alunos, mas não proveram o sinal de internet, por exemplo. Sendo ou não de competência da secretaria, nenhum comunicado foi-nos transmitido a respeito. 

A professora Luciana Cristina, com 12 anos de profissão, em Belo Horizonte nos contou que “os professores se reuniram para buscar estratégias que pudessem colaborar para a continuidade do processo ensino aprendizagem mesmo a distância”. A maioria das iniciativas, ou quase todas elas, foram partindo dessas reuniões independentes, nos quais os próprios educadores tomaram a iniciativa e foram desenvolvendo ideias simples de abordagem dos alunos durante a pandemia. 

“A Pandemia nos trouxe grandes desafios, pois escancarou os problemas e a necessidade de investimentos na educação”, relata Luciana. Muitas crianças são arredias à internet. Em vídeo aulas quase não abrem a câmera e muitas delas não conseguem se expressar atrás de uma tela. O diálogo parece contraditório partindo de estudos que indicam que 98% de crianças e adolescentes, com a pandemia, são usuários da internet. Talvez, a questão a ser levantada aqui é: o que será que os atrai? Qual o segredo que fica atrás dessa telinha? Juliene Gonçalves acredita no potencial do trabalho em equipe e tem esperança de que essa fase vai passar: “está difícil porém precisamos nos unir, e por dificuldades e seguir o lema: Ninguém solta a mão de ninguém”. 



“Espero que as famílias colaborem e incentivem suas crianças a estudarem neste longo período de Pandemia em que as atividades escolares precisam acontecer exclusivamente no ambiente em que cada uma vive”. 

(Luciana Cristina Gotelip Teixeira, professora há 12 anos da Rede Municipal de Belo Horizonte)



Por Christian Maia  |  PUC Minas 

Por Dione Afonso  |  PUC Minas 

Foto: Imagem de Marc Thele por Pixabay.

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