“Sabemos que o número de casos notificados subestima a magnitude da doença. As taxas de transmissão refletem uma realidade mais precisa da epidemia. Vemos um movimento de duas ondas, embora nunca tenhamos baixado próximo de zero. O restante do mundo agora vê um franco declínio de mortes enquanto o Brasil está em franca ascensão. Aqui no Brasil, por agosto ou setembro a população decretou o fim da pandemia. Com ajuda de dirigentes mal informados ou mal-intencionados. Estamos apenas 5% mais em casa do que antes da pandemia”.
[Cesar Victora, epidemiologista da Universidade Federal de Pelotas para a Rede Brasil].
Foi no dia 12 de março de 2020 que o Brasil registrou o primeiro óbito causado pelo coronavírus. Nessa semana, o país completa um ano de pandemia causada pelo vírus da covid-19. Hoje, vivemos como numa cena de guerra no qual o país bate a triste marca de mais de 2.000 mortes por dia.
Assistimos estarrecidos ao colapso sanitário do estado do Amazonas, onde a falta de oxigênio provocou desespero e a transferência de pacientes para outros estados, e outros que não resistiram à situação de emergência. Até hoje o Brasil enfrenta dificuldades de se realizar um lockdown. Nas diversas tentativas dos governos dos estados brasileiros, tudo o que assistimos um grande número de civis que não conseguem se trancar em suas próprias casas afim de cumprir com o que a lei sanitária pede. Outros tantos brasileiros que vivem na faixa da extrema pobreza sofrem o desamparo social em que muitos nem tem “uma casa para se proteger” do vírus letal.
Hoje, o país vive um alerta amedrontador de uma catástrofe iminente caso o Brasil não entre para uma fase de total prevenção e de políticas de auxílio e proteção da população brasileira. Mesmo a vacina sendo uma realidade entre nós, sua aplicação precisa acelerar. As ordens sanitárias de ficar em casa, fechar as cidades, sair só no necessário, precisam receber de nós atenções mais respeitosas, senão, nós não sobreviveremos.
Na “linha de frente”, profissionais dão vida para salvar vidas
O Blog Cicatriz quer trazer nessa data relatos de pessoas que se destacam em nossa vida como verdadeiros super-heróis nessa luta diária. Enfermeiros, médicos, socorristas, técnicos espalhados por todo o nosso país não medem esforços para fazer o que está no alcance afim de salvar a vida de quem passa pela porta do consultório. Muitos até fazem o que não está na faixa do “possível” e se arriscam no nível do impossível.
Esses heróis substituem suas capas pelos jalecos; seus escudos pelas máscaras e suas armas pela palavra acolhedora afim de dizer que tudo ficará bem. São verdadeiros guerreiros que não recuam frente à doença e às catástrofes. Pessoas que estão atentas a tudo o que põe a vida em risco e que se dispõe a proteger e cuidar de quem está desamparado.
No momento, o Brasil está enfrentando o seu pior momento no combate à covid-19. O número de mortos só está sendo superado pelos Estados Unidos. Nos últimos dias, justamente em que completávamos um ano de pandemia, o país passou a bater os recordes de mais de 2.000 mortes a cada 24 horas. No dia 10 (quarta-feira) foram 2.286 mortes, ultrapassando a casa dos 11 milhões de infectados.
Nossas super-heroínas espalhadas nas mais diversas instalações de BH e região deixa mensagens para todos nós:
Márcia Gonçalves, 26, do Hospital Belo Horizonte:
O que tenho a dizer é que foi um ano de cansaço, estresse, tristeza ao ver uma pessoa chegar no Pronto Atendimento e já identificar que ela irá ser intubada, tristeza ao perceber o quanto nós não temos empatia, respeito ao próximo e responsabilidade.
Marcella Serra, 25, do Hospital Odilon Behrens (HOB):
Não trabalhei durante todo o último ano. E o período em que trabalhei foi dividido em 3 hospitais. O que é comum entre todos os lugares em que passei é que a discrepância entre pessoas com extremo medo e pessoas que não tem responsabilidade coletiva e ao não se cuidarem acabam afetando o outro. Há também a grande rotatividade de leitos com pacientes vindos de todas as instituições do estado e uma política sem dar muito apoio, seja ele financeiro, estrutural ou através de orientações.
Viviane Fonseca, 31, CTI COVID do HOB:
Estar na linha de frente, diante de uma pandemia não tem sido fácil. Há pouco mais de um ano, temos trabalhado de forma incansável (mas estamos sim cansados!) em prol da vida. Que Deus continue a nos dar forças e que não percamos nossa fé diante das adversidades diárias.
Marianna Roberta, 26, SAMU (Muro de contenção VALE), de Itabirito-MG:
Em meu ambiente de trabalho, tivemos muitos casos de COVID, onde tínhamos que transferir o paciente pro hospital mais próximo, permanecendo ao lado do mesmo na ambulância! Nós da área da saúde estamos cada vez mais vulneráveis nessa pandemia, sofrendo com a questão de sair do trabalho e ir ao encontro de nossas famílias sem poder abraçar pois não sabemos se adquirimos a doença! É importantíssimo que vocês permaneçam em casa, para acabar com isso logo.
Valéria França, 42, UPA no HOB:
A experiência... Tenho trabalhado na pandemia desde o início... e tem sido uma experiência cheia de desafios. no princípio toda a insegurança e expectativa sobre uma doença que ninguém sabia como agia nas pessoas, só se sabia que era grave, que matava, e que era altamente contagiosa... poder ajudar quem sofre com esse desespero é algo que emociona, usar o pouco que sabemos em prol de quem sofre é amor puro... essa é a minha concepção diante da pandemia, minha visão, de que tem que amar o próximo e querer estar junto, fazer diferença, usar também da fé de que tudo vai dar certo, vai passar e vamos sair dessa mais forte do que entramos...
Dra. Juliana Montijo Vasques, geriatra, preceptora da residência de geriatria do HOB:
Sinto pelas perdas de muitos, pelo adoecimento de tantos outros e pelo cansaço dos meus colegas de profissão. Sinto por não poder fazer mais nada além de orientar as pessoas da importância da prevenção e da vacina contra a Covid-19, pois são as nossas ferramentas para conter a disseminação do coronavírus e suas novas cepas. Que em breve todos os brasileiros estejam vacinados e que possamos respirar aliviados.
Dra. Giselle Girodo, MaterDei-BH:
O trabalho em equipe multidisciplinar é fundamental para proporcionar a melhora do quadro clínico do paciente. Aprendemos também que para cuidar do outro, temos que nos cuidar. Esforçar para ter um estilo de vida saudável, procurar momentos para contemplação e meditação para acalmar a mente. Entramos juntos e vamos sair dessa, juntos. Estamos de mãos dadas. Cada um dando o seu conhecimento. Trocando experiências, estudando novos artigos todos os dias, drogas novas em teste... Respeito a todas as áreas. E a certeza de que isso tudo vai passar! Fazendo um comparativo com o nome do seu blog: “A Covid também deixou uma cicatriz em todos nós”!
Bianca Costa Diniz, Unidade de Atendimento, Capim Branco, MG:
Eu sei que eu não posso parar porque muita gente depende do meu serviço. Estou muito medo! Insegurança! Desânimo! Ao mesmo tempo me vejo com Coragem! Força! E determinação. E, nem sempre o nosso esforço é o suficiente para salvá-lo. As vezes nem ele e nem o que estava sendo socorrido escapam da morte. Nós vamos até o fim. Sua a camisa. Chora com a família, mas não desiste. Ali está alguém que vai além do paciente. Ali está uma pessoa que é muito importante na vida de alguém. Ele pode ser importante pra mim também, pois eu não sou diferente dele.
Não podemos recuar! Não devemos abaixar a guarda! A vida é mais que isso!
Conversando por e-mail com o Blog Cicatriz, a Dra. Juliana Vasques, Docente na graduação de Medicina da UniBH nos conta que “o aumento da transmissão do coronavírus, a evolução rápida da doença para casos graves com necessidades de hospitalização, o crescente número de casos na população mais jovem, reflete a gravidade do momento da pandemia em todo o país”. Um dado muito preocupante partindo da situação em que vemos que o isolamento social, como afirmou o doutor Victora não atinge 5% de obrigação entre os brasileiros para o jornal Rede Brasil. “Quando me falam que lockdown não adianta, eu pergunto: o que é lockdown? Por que no Brasil não existe isso”, afirma Victora.
Dra. Juliana confirma que “Belo Horizonte atingiu, neste mês de março, a maior taxa de transmissão por infectados de coronavírus nos últimos 9 meses, onde o número médio alcançou 1,20, nos colocando em alerta vermelho. O que significa isso? Significa que cada 100 pessoas contaminadas transmitem o vírus a outras 120. Além disso, a taxa de ocupação de leitos em UTI também aumentou, e hoje ultrapassa 80% de ocupação em hospitais públicos e privados”.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS) voltou a falar que a situação da pandemia de Covid-19 no Brasil é “muito preocupante” e defendeu a necessidade de uma mensagem clara das autoridades brasileiras sobre a gravidade do cenário no país, já que que os números de contágio só podem diminuir com a adoção de medidas mais restritivas. Dra. Juliana conclui dizendo que “paralelamente ao aumento das taxas de hospitalizações, os profissionais de saúde se exaurem em atendimentos, não tendo mais vagas para pacientes internar por Covid ou mesmo outras doenças”.
Por Christian Maia | PUC Minas
Por Dione Afonso | PUC Minas
Foto: Imagem de @NonLacerda / Twitter.