“A fronteira a ser protegida não é a do meu país, mas a que fica entre o vírus e o homem. Estamos todos juntos”.
[Geraldo Lorenzi Filho, pneumologista, para a VEJA]
Tudo depende da sua luta
“Então vamos lá!!
Trabalho nessa Unidade de Pronto Atendimento desde setembro de 2020. Aqui parece com um lugar que funciona 24hrs como um Posto de Saúde; atendemos muitos casos clínicos; casos de urgência; emergência. Uma boa parte está em reforma e a estrutura precária é um grande empecilho pro nosso trabalho. Temos uma boa estrutura física, mas só Deus saberá quando tudo ficará pronto. Estamos com um quadro de funcionários reduzido, composto por 1 médico, 1 enfermeiro, 2 técnicos, 2 motoristas, 1 recepcionista e 1 auxiliar de limpeza.
É um lugar sem muito recurso sem exames de imagem ou outras especialidades. Trabalhamos com o mínimo. Fazemos os Primeiros Socorros e sempre transferimos para o referencial em Sete Lagoas”.
A Enfermeira Bianca Diniz, é enfermeira numa unidade de Pronto Atendimento no município de Capim Branco, MG. Cidadezinha pequena, de pouco movimento, lugares que também sofrem com a pandemia. Em sua rotina nesse último ano pandêmico, Bianca nos relata que é impossível não sentir medo: “muito medo! Insegurança! Desânimo!”, relata.
“Eu não posso parar pois meu serviço não é para mim...”
“Ao mesmo tempo me vejo com Coragem! Força! E determinação. Eu sei que eu não posso parar porque muita gente depende do meu serviço. As vezes ele se parece inútil, mas quando consigo outras ajudas e vejo satisfação nos pacientes, creio que estou sendo útil. Tem dias que quando chego na Unidade de Atendimento já tem 5 ou mais pessoas na fila esperando pra ser atendido. Nesse meio tempo, já estamos ouvindo reclamações, desacato, choro e desespero. Não é por falta de vontade. Tentamos atender todos. Acolher de forma geral”.
Nessa sexta-feira (15), Belo Horizonte-MG aproximou-se ainda mais de um possível colapso sanitário quando na última semana a ocupação das UTIs atingiram os 100%, segundo dados divulgados pela Prefeitura. Agora, com 94,3% de ocupação um novo recorde é atingido e todos os indicadores da pandemia aumentaram e estão em nível máximo de alerta. Bianca nos conta que essa atual situação não nos é favorável, pois muito pouco respaldo estamos tendo, seja financeiro ou fisicamente. Estamos esgotados. Estamos também com muito medo do que pode acontecer não no dia seguinte, mas nos próximos minutos. “Estou num local que a demanda populacional não é correspondida com o local de atendimento. Temos mais gente e menos leitos. A todo instante estamos correndo para todos os lados tentando reanimar um paciente; na mesma hora chega outro que não pode mais esperar, ou seja, a vida dele está no limite... E, nem sempre o nosso esforço é o suficiente para salvá-lo. As vezes nem ele e nem o que estava sendo socorrido escapam da morte. Nós vamos até o fim. Sua a camisa. Chora com a família, mas não desiste. Ali está alguém que vai além do paciente. Ali está uma pessoa que é muito importante na vida de alguém. Ele pode ser importante pra mim também, pois eu não sou diferente dele”.
A pandemia veio, e o que você fez? Ficou em casa? Cuidou dos seus?
Bianca então relata sobre sua experiência nesse período de março de 2020 a março de 2021. Uma grande lição fica para nós, relata Bianca, e ela afirma que é ruim, sim, ficarmos em casa, trancados, isolados. Sim! É ruim! É péssimo ficar em casa. Mas, “não queira nunca em sua vida estar num hospital e não ter suporte para atender você. Não queira nunca estar em um hospital sem saber se você vai voltar pra casa. Não queira nunca poder beber aquela gelada que é maravilhosa, que faz a gente relaxar e depois você se tornar o corpo gelado, sem vida e que nunca mais vai voltar. A cerveja com os amigos é boa? Sim, ela é ótima! Os amigos? Maravilhosos! É difícil deixar de vê-los constantemente. Mas, amizade que se preza é aquela que protegemos. No momento atual, se você contrai o vírus você pode deixar de beber pro resto de sua vida; pode deixar de ter amigos. Sem saúde, sem cerveja, sem amigos, sem família”.
A experiência de Bianca, essa nossa super-heroína que faz de sua capa, seu jaleco, seu escudo, sua máscara de proteção, calça as botas e vai pra luta, pra “linha de frente”. Ela ainda nos contou com exclusividade que mesmo estando acompanhada de outros 100 pacientes (ou mais, mesmo não tendo espaço), o tratamento nem sempre é carinhoso e de proximidade. Bianca conta que pra quem nunca viu alguém sendo entubado, não sabe o que é lutar pela vida. “As pessoas ficam nuas com um tubo na garganta. Um aparelho passa a respirar por você. Você fica sem falar com ninguém. Sem contato com a família. E então? Ficar em casa ainda é ruim? Pois lhe digo que no hospital, asseguro-lhe que é muito pior”.
Por fim, Bianca faz o alerta para o uso de máscara, para o cuidado, isolamento social. É coisa de gente do bem pensar e preservar a vida de todos ao nosso redor. Isso não é um joguinho de celular. Não. É a vida, e a vida de alguém que você pode até não conhecer, mas não precisa estar “morta em suas mãos”. Não seja o cúmplice desse assassinato!
“Sejam pacientes, – afirma Bianca – tenham empatia. Coloque-se no lugar do quem está cuidado de você. Somos humanos. Temos necessidades básicas como qualquer outra pessoa. O atraso no atendimento pode acontecer porque precisamos comer, ir ao banheiro, tomar água, respirar um pouco... Então, não chegue à Unidade quebrado tudo, pois tem dias que nós saímos de casa sem saber se vamos voltar. Também temos família! O mínimo que pedimos é respeito. Não está fácil pra ninguém!! Que a minha vida dê significado a outras vidas”.
Por Christian Maia | PUC Minas
Por Dione Afonso | PUC Minas
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