25 Nov
25Nov

Tim Burton realiza um trabalho impecável (como é tudo o que ele faz) ao trazer à luz, na verdade, obscurece com suas sombras, a famigerada rotina estudantil e adolescente de Wandinha Addams, ou, como preferimos chama-la, “Quarta-Feira”. A Família Addams é criação magnífica do cartunista Charles Addams, um norte-americano conhecido por seu humor fora do comum, nada convencional. Assim é Addams, protagonizada pela matriarca Mortícia e seu esposo, Goméz. Pais de Wednesday (Wandinha ou Quarta-Feira) e Feioso. A família ainda é composta por Mãozinha, o Tio Chico, Primo Coisa e Tropeço. A franquia original, dos anos 1990 apresentaram essa família disfuncional no qual o contrário é o normal do mundo. 

Amizades, sentimentos carinhosos e amorosos não costumam fazer parte desse núcleo familiar. Wandinha, a adolescente enigmática e pálida, que ama o preto mais do que todos, é a personificação concreta desses sentimentos opostos. Odeia amigos, não suporta relações gratuitas, ama a morte, sentir dor é sua diversão, e atormentar seu irmão é seu esporte favorito. Contudo, em Wandinha, produzida por Burton para a Netflix, a personagem que ganha novas feições pela maravilhosa Jenna Ortega parece se quebrar e ceder a alguma manifestação de gratuidade. O que, infelizmente, quebra o conceito Addams de viver. 


Ser Família Addams é um estilo inquebrantável de vida 

Reconhecemos que a nova série revisita a franquia original com muito respeito, mas, perde na originalidade. Quebra o que é inquebrantável e peca, subvertendo alguns conceitos memoráveis. Contudo, ela atualiza a linguagem para uma nova geração, o que revigora a franquia e renova o estilo das produções teens, tão esgotadas nos tempos atuais. Wandinha, segue a jovem integrante da Família Addams em sua temporada estudantil. Claro, expulsa de inúmeros colégios, Mortícia e Gomez (Catherine Zeta-Jones e Luis Guzmán) decidem levar a adolescente cruel para o internato “Escola Nunca Mais”, uma instituição que acolhe os esquecidos e rejeitados socialmente. Vampiros, medusas, sereias, lobisomens, metamorfose e outras criaturas das sombras aparecem na narrativa para dar escopo à história. 

Os oitos episódios, rapidamente se resolvem em contar a história de Wandinha nesse internato. A jovem é sensitiva, tem visões do futuro, e assemelha-se a uma bruxa que pode prever coisas e situações. Ortega é uma atriz impecável e sua Wandinha é tão boa quanto foi Christina Ricci em 1991 e que volta à séria no papel da vilã Marilyn Thornhill. Wandinha torna-se uma detetive diante de um mistério que ronda “Nunca Mais” e toda a cidade, a partir do momento em que pessoas começam a ser mortas por algum tipo de monstro e que ela própria começa a ser ameaçada, também de morte. 

A narrativa é boa. A história é boa. É uma pena que, pra isso, a produção decidiu conferir à Addams algo que não é da originalidade deles: serem gentis e ter bons sentimentos. É impensável Wandinha abraçar alguém em sinal de gratidão. Isso revira o estômago. É inaceitável Wandinha sentir apreço, admiração e até (amor?) por garotos. Que nojo! Isso não é ser Addams. Isso não é ser Wandinha! Completamente perdida, a série, reconhece que Wandinha tem muita coisa pra contar, mas, a produção não soube bem que narrativa deveriam explorar mais.


Orgulho em ser diferente 

Não podemos aqui comparar a franquia dos anos 1990 com a produção de 2022. Até porque são produtos diferentes, o primeiro são longas-metragens, o segundo é uma série limitada de TV. Não é profissional e nem inteligente realizar tal façanha. Mas, o que não pode ser perdido de vista é a essência do que é a criação do cartunista. A Família Addams data de 1938, quando surgiram em pequenas tirinhas de jornal elaboradas pelo Charles. Ela surgiu com o propósito de ser diferentes, incomuns, estranhos, mas, de serem quem são, sem se importar com o que os outros pensam. Se a sociedade está afundando em brilho demais, cores demais, sufocando-se em tecnologias avançadas demais, sorrisos escancarados em demasia, porque não descolorir tudo e viver no preto e no branco? Entendeu a referência? 

Na série, quando Wandinha abraça um diálogo sobre os perigos tecnológicos explicitando o porquê não possui um celular e que tem aversão a ele, a série perdeu a chance de tocar em temáticas sociais importantíssimas hoje. Enquanto tantos são escravos desses aparelhos viciantes, Wandinha prefere não se prender a artefatos que podem tirar dela as oportunidades de crescer e aprender coisas mais essenciais à vida. A originalidade dos Addams é exatamente o de se recusarem de se encaixar no que tabularam como “família tradicional”. Por que sermos todos iguais se temos o dom de sermos diferentes? 

Não há uma completa ignorância em Wandinha. Quando olhamos para esses quase 80 anos de Família Addams, ainda percebe-se que muitos aspectos foram embebidos da fonte. Mas, faltou coragem de bebericar um pouco mais para não perder originalidade. A série ganha em trilha sonora, visual e fotografia impecáveis. Figurinos esplêndidos. Mas perde em roteiro. Com medo de ser Addams, preferiram não ousar em ser diferentes. Talvez, hoje ainda erramos muito em temer o diferente. Em temer sermos diferentes!




Por Dione Afonso, Jornalista PUC Minas.

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.