26 Feb
26Feb

Sem querer cair na pessoalidade e, querendo manifestar uma opinião pessoal, aceitamos o fato de que a terceira temporada de True Detective, protagonizada pela dupla Mahershala Ali e Stephen Dorff a melhor até agora. Ali e Dorff interpretam os detetives Wayne Hays e Roland West, respectivamente, e apresentam uma história envolvente e muito instigante a respeito de um crime que envolvia uma série de camadas, não somente do ponto criminal, mas humano e social. Agora, a quarta temporada ganha a presença poderosa da vencedora do Oscar Jodie Foster e de Kali Reis. True Detective: Terra Noturna coloca as policiais Liz Danvers (Foster) e Evangeline Navarro (Reis) diante de um mistério – sobrenatural? – macabro, mas com fundamento e esperança de solução e justiça. 

A quarta temporada recupera o fôlego, o dinamismo e a áurea que garantiu o sucesso do streaming desde sua primeira temporada em 2014. Agora, 20 anos depois a série antológica continua conquistando com seu roteiro muito bem trabalhado e produção caprichada e meticulosamente construída. Desta vez, a direção, roteiro e produção estão nas mãos da Issa López que ressignifica o motivo pelo qual True Detective ainda sobrevive e é uma obra de sucesso. López humaniza a história, não que isso não foi feito nas temporadas anteriores, mas agora fica mais óbvio e intenso, graças ao profissionalismo de Foster e da perfeita dinâmica que sua personagem constrói com Reis e com o policial Peter Prior, interpretado pelo jovem talentoso Finn Bennett. Terra Noturna não deixa nada obscuro, pelo contrário, traz à luz o que insiste se esconder nas sombras e na neve. 


Temporalidade, geografia e contexto 

A nova temporada de True Detective nos transporta para o Alasca, na pacata e isolada cidade de Ennis. Várias cidades desta região passam pelo fenômeno chamado “pólo noturno”. Por conta da inclinação do eixo da Terra, o Sol fica impossibilitado de nascer nessas cidades por meses. Em True Detective: Terra Noturna, nós somos inseridos nessa atmosfera sombria e escura, na qual todo dia é noite, é escuro, é frio e é neve. Tudo começa no dia 17 de dezembro, primeiro dia sem sol em que um grupo de cientistas desaparecem de forma misteriosa. A região também guarda – e a roteirista fez questão de mencionar isso – uma ancestralidade forte e nascente de povos originários que ali leem, observam e sentem tudo ao redor, inclusive a presença fantasmagórica. 

A longa noite que o Norte do Alasca passa por meses representa para aquele povo uma longa escuridão espiritual e momento em que tudo pode ter a sua chance de se revelar. É nesta realidade que Danvers e Navarro precisam lidar com escuridões da investigação e também da vida pessoal. Há coisas que se escondem por trás desta escuridão, e estas estão ligadas a não apenas aos mistérios e segredos da investigação, mas também aos segredos e traumas da vida de cada um. Como de praxe, Terra Noturna faz questão de desenterrar aquele mistério não solucionado do passado que, por algum motivo, está ligado ao desaparecimento dos cientistas. No passado, tal investigação “quebrou” os laços pessoais e profissionais que existia entre as policiais. 

Não obstante, a narrativa nos apresenta uma Jodie Foster azeda, mal-humorada, sagaz e inteligente, mas destituída de qualquer relação de proximidade e de romantismo. Para Liz Danvers, nada e ninguém pode se importar com ela, pois ela “odeia todos e tudo ao redor”. São frases como essa que prende o telespectador e faz com que nós queiramos saber o fim dessa história. Em certo episódio, a investigação deixa a sua relevância para dar lugar aos sentimentos e a vida das policiais. E isso não é ruim, dá equilíbrio à narrativa e confere credibilidade a uma história que tem muito a nos revelar. 


Os enigmas da investigação 

Se você acha que as temporadas anteriores apresentaram situações enigmáticas e de difíceis (quase impossíveis) soluções, como, uma horda de armadilhas de galhos secos (1ª temporada), ou a presença de bonecos de palhas como celebração de Halloween (3ª temporada), então é sinal de que não estava pronto para o que estava por vir. Danvers e Navarro agora estão diante de um grupo de cientistas, mortos e congelados num grande bloco de gelo e carne humana entrelaçados, nus e com expressões de pavor. Contudo, o gelo não estava apenas sobre os corpos, mas também entre Danvers e Navarro, que, precivaram superar os entraves do passado, a raiva e a inimizade e, mais uma vez, trabalhar juntas para solucionar um caso (ou pelo menos, tentar). 

A pressão psicológica que as duas enfrentam é sufocante. Assim como falta o ar em lugares remotos daquela cidade congelada, falta-nos também o ar para lidar com as questões familiares. Danvers não sabe como agir com sua enteada Leah (Isabella LaBlanc); Navarro não consegue respeitar a presença de Danvers; Danvers não supera o luto por ter perdido a família num triste acidente e por isso não consegue entender que Peter tem uma; Navarro não consegue salvar sua irmã e nem se amarrar a alguém e por isso sua frieza também explode ao lado dos seus. 

Enfim, podemos afirmar que cada temporada desta antologia não é somente sobre uma dupla de detetives que precisam lidar com casos complicados e de difíceis soluções. True Detective é sobre a nossa constante luta contra as maldades que o ser humano é capaz de realizar com outrem. A cada temporada ficamos assustados no fato de o quanto o ser humano é capaz de se consumir para ver o outro sofrer. A temporada teve que lidar com temas muito mais delicados ao se envolver com crianças. Agora, Terra Noturna aborda temas como o racismo, feminicídio, abuso, luto, depressão, bipolaridade e tantos outros temas muito caros para a sobrevivência e superação humanas. Com louvor, a obra criada por Nic Pizzolatto merece sua continuidade.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

Comentários
* O e-mail não será publicado no site.