20 Jan
20Jan

O lockdown irá acabar eventualmente. E o amor da minha vida terá ido embora. Haverá um enorme buraco em minha vida. 

O lockdown é uma estrada aberta e um coração partido. Por favor, não se mate. 

[HBO Max, Locked Down, 2021].   



Apesar de ter demorado bastante para os esfomeados de Hollywood aproveitarem o tempo inoportuno da pandemia para oferecerem algo inovador, Locked Down tem sido uma aposta de um longa produzido 100% durante a pandemia que assolou o mundo devido ao contágio do coronavírus. De criação de Peaky Blinders (Steven Knight), o longa traz no roteiro um casal que vive uma separação em plena quarentena. Por conta do fechamento da cidade, eles ficam impossibilitados de saírem de casa e seguirem cada um a sua vida. Portanto, continuam dividindo o mesmo teto, bem como, dividindo as opiniões, as desavenças, a loucura, o tédio, as preocupações... 

Claro! Pra um filme sem estúdio, com poucas tecnologias de câmera, praticamente sem personagens relevantes e com cenário limitado, a produção teria que colocar uma figura hollywoodiana para que a ideia fosse vendida, assim como é tudo o que a indústria cinematográfica produz. Vende-se os filmes não pela história, mas, pelo rosto que é impresso nos cartazes. Locked Down apresenta Linda Thurman (Anne Hathaway) e Paxton Riggs (Chiwetel Ejiofor) no foco da quarentena de Londres. Um casal não-casal que tem que lidar com uma crise conjugal sob o mesmo teto. 

A pandemia aflorou tudo o que há de pior entre eles e, sobretudo, em suas relações interpessoais. Com o passar dos dias, tudo o que um escondia do outro foi aparecendo: o cigarro, o vinho, a insônia, o desemprego, foram tornando as coisas insuportáveis. É uma pena que o casal, nesse primeiro ato do longa não tenha tido com mais vivacidade os problemas conjugais com mais brigas, discussões, pois houve espaço e condições para isso. O roteiro de Knight apresentou essa falha de não querer entrar de cabeça numa situação delicada, mas real, como essa. 


O lockdown é uma “prisão de correntes psicológicas” 

É bastante dolorido ver as ruas europeias vazias, sem vida, um grande espaço melancólico, sem cor. Em sua rua, durante as noites, Paxton, seja num momento de loucura, ou numa tentativa de generosidade com os vizinhos, saia na rua e recitava poema para os moradores estranhos de sua rua. Linda, ao contrário, achava tal cena, perda de tempo e enfadonha. Mas, com o passar dos minutos, o roteiro ia nos dando pistas de que no fundo, ela amava esse gesto. 

A quarentena deixará em nós sequelas, tanto psicológicas, quanto físicas para o resto de nossas vidas. Não iremos sair dessa por inteiros. Quem tem essa noção, está se iludindo. Algo em nós será quebrado, será tirado de nós, outras coisas precisarão ser deixadas para trás, abandonadas, para que possamos estar prontos para o novo mundo que se abrirá para nós. Linda e Paxton, por exemplo, tiveram que abandonar certas coisas para que um entendesse o outro. Ela se apaixonou por um poeta. Ele se envolveu com uma aventureira. Ela era CEO de uma importante empresa de joias e diamantes e roupas de grife. Ele era um motorista de van que já teve ficha criminal. 

A cena do piquenique no alto do prédio, minutos antes do ato final é o perfeito quadro do que os casais hoje passam no seu dia a dia. De um jeito até esnobe, Linda pergunta a Paxton: “tudo depende do que você considera essencial num piquenique”. E, com isso, ela pega champagne, caviar, e iguarias que nunca entraram na cesta de compras de Paxton. Por fim, Linda entende o que deveria deixar e Paxton, percebe o que deveria pegar. 


Para sair do lockdown “vendi meu eu antigo” 

Disposto a seguir seu caminho, Paxton inicia o processo de construir sua vida pós-pandemia. Procura emprego, entra num negócio arriscado e segue seu caminho sem Linda. Ao perceber tal ação, e o longa nos permite entender que foi por coincidência, Linda e Paxton se vê na mesma cena e na mesma situação, aquela que irá decidir o futuro de cada um. 

O ousado roubo de um diamante de 3 milhões de libras parecia ser a oportunidade perfeita para cada um construir o seu futuro. Linda e Paxton começam a perceber o que fazia parte deles e o que não era pra ser. Aos poucos eles vão percebendo que não conheciam, de fato, um ao outro. A quarentena os havia afastado, não dialogavam mais, não se viam mais como um casal, mas como um fardo que cada um teria que carregar. Um ato criminoso parece que vem para curar um ato injusto. 

Da mesma forma que o longa começa, ele termina: se arrasta no início e não conclui no final. Mas Hathaway e Ejiofor entregam uma atuação incrível e que nos segura até a conclusão de toda essa história. E, no fim, Linda é apaixonada pelo poeta. 


Locked Down é ousado, mas pouco explorado 

Com direção de Doug Liman, o roteiro de Knight não apresenta personagens para nos envolver melhor na trama. Paxton tem um melhor amigo David (Dulé Hill) que é casado com Maria (Jazmin Simon), mas, quando achávamos que o outro casal iria apresentar um pouco mais de humor, o roteiro se fecha e volta ao primeiro plano. Malcolm (Ben Kingsley) também seria um personagem incrível, mas também só fica no skype. Linda tem seu ciclo de amigos e conhecidos do trabalho como Solomon (Ben Stiller), Kate (Mindy Kaling), entre outros que tiveram que transferir todo o trabalho para as reuniões remotas via Zoom. Linda nos entrega uma preocupação e rixas entre os colegas de trabalho durante uma reunião em que ela é responsável por despedir todos os colegas de trabalho, mas, também, a trama não se segue. 

Locked Down foi lançado dia 15 de janeiro de 2021 no serviço de streaming da HBO Max. 



“Todos os seguranças pareciam ter 12 anos de idade. Ocupados demais jogando Fortnite que nem se deram conta do meu crachá escrito Edgar Allan Poe. Acho que para a geração nova a literatura está morta. Se meu nome fosse William Shakespeare, ninguém iria perceber” 

(Locked Down, Doug Liman. 2021)



Por Dione Afonso Jornalismo PUC-Minas

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