16 Jul
16Jul

Do criador Lin-Manuel Miranda, de Hamilton, Em um bairro de Nova York (“In The Heights”) já havia sido lançado e agora o longa chega ao Brasil através da plataforma da HBO Max. Ambientado em Washington Heights, um bairro de Nova York famoso por sua pluralidade cultural e grande presença de latinos, o musical é uma explosão de cores, cultura, ótimas trilhas sonoras, gingados e também muita confusão e grandes surpresas de elenco. 

A linda (e inicialmente triste) história de família do início, protagonizada e narrada por Usnavi (Anthony Ramos) já nos ganha nos primeiros minutos do longa. A direção de Jon M. Chu foi fundamental nos closes das coreografias de Christopher Scott. Com roteiro de Quiara Alegría Hudes, a adaptação do musical de Lin-Manuel consegue inserir temas sociais e dramas de vida que os personagens vivem dentro de um país que não os enxergam com humanidade. Washington Heights sofre com o desejo insaciável do progresso, do avanço globalizado e, com isso, a urbanização começa a expulsar famílias de suas casas. 

Usnavi, cantor, narrador e protagonista tem o cuidado e o carinho de abrir para nós a porta de sua casa e nos apresentar quem são seus amigos e familiares. Defender a família e seus sonhos, o direito do trabalho e de moradia são diálogos essenciais para que o roteiro desse filme funcionasse. Em um bairro de Nova York é mais do que música, mas é sobre identidade cultural (atenção, tem spoilers a partir daqui).   


O drama da imigração nos EUA e a gentrificação urbana 

Família, sonhos, trabalho, condições de vida digna. Elementos estes que estão presentes tanto na música quanto nos diálogos intensos durante todo o filme. A incrível Abuela Claudia (Olga Merediz), avó de Usnavi exerce a função da grande matriarca do bairro. O significado de família vai além dos laços de sangue, mas é patriótico, é algo maior. Abuela inicia sua jornada na narrativa muito pequena, simples, a ponto de não nos chamar a atenção. Mas, então, eis que ela surge cantando, coreografando numa das cenas mais fortes e emocionantes do longa. 

Usnavi narra uma história saudosista e otimista. Em síntese, Usnavi e sua família saíram do seu país de origem, a Republica Dominicana para ser algo temporário. Não era intenção deles construir uma vida em Nova York. É por isso que as cenas da praia latina funcionam nesse sentido. Mas, então, Abuela percebe que é algo maior. Usnavi construiu uma vida em Nova York e Washington Heights tornou-se sua casa. 

Construir uma vida nesse lugar rendeu boas lutas e manifestações a favor da cultura e da abertura local. O preconceito com os imigrantes, as classes sociais baixas que não são vistas com os mesmos direitos e recursos e também o drama da gentrificação urbana. Temendo serem despejados do pequeno vilarejo que eles viviam afim do lugar tornar-se um grande e luxuoso shopping center, uma galeria esplendorosa. 


Precisamos lutar por nossos sonhos 

Outro destaque separamos para duas mulheres jovens e também sonhadoras. A primeira é Nina (Leslie Grace) que foi a jovem que sonhou em ir para a faculdade. Coisa que para eles era algo inalcançável. Mas ela saiu do pequeno bairro e foi estudar Direito em Stanford. Quando Nina retorna ao bairro, percebe-se como que ela se afastou de suas origens: roupas neutras, sem vida, sem cores, sem as saias rodadas, cabelo alisado, maquiagem pesada no rosto... Nina, aos poucos foi se abrindo como que é difícil uma “jovem como ela” viver fora de sua cultura. Num lugar onde é julgada até pelo jeito de se vestir. 

A outra personalidade feminina é Vanessa (Melissa Barrera), o par perfeito de Usnavi. Vanessa tem personalidade forte. Não se deixa construir sua história amparada em outros. Quer lutar pelo seu próprio sonho, vencer sozinha, mostrar sua força e seu poder. Seus talentos como estilista são sonhos grandiosos. É Vanessa que consegue abrir os olhos e o coração de Usnavi e mostrar a ele que para realizar seus sonhos, ele não precisa partir, voltar, ir embora. Nossos sonhos não dependem do lugar que estamos. Mas o lugar que estamos pode se transformar com a concretização deles. 

Por fim, ainda levantamos o drama de Sonny (Gregory Diaz IV), o adolescente primo de Usnavi que mostrou com poucas palavras o que significa viver clandestinamente num país. Diante de um protesto político claramente assistimos às propostas de governo que valorizam quem é do lugar. Mas quem não é e está ali, está fora de sua casa, vivendo como fugitivo. Essa cena é de cortar o coração. 

O “sonho americano” não é sonhado apenas pelos os de prédios altos, arranha-céus esplendorosos e nem por estrelas de Hollywood. Os “sonhos da América” são sonhos de todos os que nela moram, todos os que nela buscam condições de trabalho, estudo, e oportunidades. Em um bairro de Nova York é um bom musical. Ele se afasta do surrealismo de Moulin Rouge, Amor em Vermelho e também do romancismo de La la land, cantando estações. O musical de Lin-Manuel Miranda é mais natural, caótico, mas maravilhoso, porque é natural, sem tirar os pés do chão. É concreto.



Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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