19 Mar
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“O terno preto, você pode dizer que no Krypton moderno, quando ele saiu, todos usavam ternos pretos. Então, está meio que ligado, de certa forma, ao velho mundo. Acho que é uma relação mais direta com sua família. De muitas maneiras, o terno azul, para mim, representa seu tipo de lugar na Terra. O terno azul é seu terno de herói, o terno de seu destino, enquanto o terno preto é mais pessoal em muitos aspectos, mais sobre sua família. Um é exterior e o outro é interior”.    

[Zack Snyder, ComicBook, 2021].   



Uma grande ameaça se aproxima da Terra; recruta vilões com a finalidade de destruir cidades e um grupo de meta-humanos resolvem se unir para lutar contra o mal. A premissa para o roteiro não muda. Todo o filme de herói sempre se resume nessa máxima. Não vimos diferente disso com Snyder na Liga da Justiça de 2021. Isso não muda, talvez é até mais enfático ainda. A versão repete cenas e até mesmo diálogos da de 2017, no entanto os diálogos são mais concretos e possuem mais contexto e humor. 

As quatro horas de Liga da Justiça SnyderCut nos apresentam uma elucubração ao redor dos personagens tanto bons quanto os vilões. O longa que está disponível para aluguel e que depois entrará para o catálogo do serviço de streaming da HBO Max tenta recriar um enredo no qual a condição de ser herói envolve muito mais sentimentos e limitações humanas do que se imagina. 

A DC, por exemplo, está investindo num Superman And Lois (Todd Helbing) pela The CW mostrando o Último Filho de Krypton muito mais vulnerável do que jamais vimos. Vemos que o personagem precisa aprender a ser menos Superman e mais Clarck Kent quanto o casal se vê numa berlinda costumeira de qualquer família comum com filhos adolescentes dentro de casa e com os aflorares dos hormônios à flor da pele. 

Liga da Justiça Snyder Cut foi lançado hoje (18 de março) disponível para aluguel em várias plataformas digitais. E, após três semanas ele irá para o catálogo do serviço de streaming da HBO Max que chegará ao Brasil em junho de 2021. ATENÇÃO: texto com spoilers a partir daqui!   


Liga a Justiça destaca o trauma da ausência identitária de cada herói 

Arthur Cury, Bruce Wayne, Diana Prince, Victor Stone e Clarck Kent precisam superar o trauma familiar da figura que sempre os direcionaram e davam, de certa forma, uma segurança de futuro. Aquaman (Jason Momoa), além da revolta pelo “abandono” da mãe, rejeita sua pertença ao grupo social dos Atlantis e ignora o fato de ser que é. Enquanto isso, vemos o Patrão Wayne em constantes diálogos reprimidos com Alfred (Jeremy Irons) revelando a dificuldade do Homem-Morcego de se autoperdoar. O Batman alimenta ódio e culpa e isso eleva seu nível de revolta. No final, no epílogo com o aparecimento do Coringa de Jared Leto, vemos o quanto a ausência dos pais mexe com a fraqueza do herói. 

A grande novidade (não sei se é boa ou ruim) é a remexida geral que Snyder dá ao personagem de Ray Fisher, o Ciborg. Victor Stone, tinha uma versão mais resumida, fragmentada, até, e mais alegre. No entanto, Snyder remexe o roteiro, coloca Stone ainda mais recluso e enojado do pai, Sylas Stone. Aqui, o humano-máquina precisa se reconhecer com o que acabou de se tornar ao mesmo tempo que busca caminhos de se reconectar com o pai. Entretanto, esse “ato de perdão” não parecia cair muito no gosto de Snyder, e o drama e luto pareciam fazer mais sentido nesse caso. Sylas, como um pedido de desculpas, se sacrifica em nome da missão do filho e de sua equipe, a Liga da Justiça. 

Enquanto que o retorno do Superman (Henry Cavill) precisa ser algo mais bem construído e contextualizado, Lois Lane (Amy Adams) e Martha (Lauren Cohan) funcionam como “o gatilho” para trazer de volta à terra a personalidade bondosa e caridosa do Homem de Aço. Os flashs do Superman que voltam nas memórias de seu pai biológico Jor-El (Russell Crowe) o guiam nessa redescoberta após a morte de Jhonathan Kent (Kevin Costner). É interessante percebermos também como que os pais de Clarck não o criaram como sendo alguém responsável por esse planeta, mas tentaram fazê-lo coo um símbolo de esperança para a humanidade. 


O empoderamento de Diana e a coragem e provação de Barry Allen 

É impossível não dar destaque às duas cenas de presença e de poder feminino da Mulher Maravilha (Gal Gadot). É significativo o seu diálogo no início da segunda parte quando ela responde a menina que questiona se “um dia ela poderia ser igual a ela”. Diana simplesmente se aproxima, abaixa-se de igual para igual e diz: “você poderá ser o que quiser ser. Não importa o que quer que seja”. E depois Diana rejeita às provações do Lobo da Estepe (Ciarón Hindas) não permitindo que o vilão a rebaixasse. É implícito, mas vemos a sua presença de mulher, de heroína, de guerreira e até de humana dando harmonia à trama. 

A cena em Themyscira com as Amazonas também são impecáveis e revelam mulheres fortes, musculosas e guerreiras tentando proteger com a vida a Caixa Materna dos pandemônios. 

Barry Allen é, talvez, o que mais nos surpreende nesse enredo. Para mim, é o que mais demonstrou coragem. Um jovem, novo, físico “fraco”, sem grandes músculos, nada bombado, se comparado ao Aquaman, mostrou ter mais forças que todos os outros da equipe. The Flash (Erza Miller) também vive a sua crise identitária com problemas da ausência paterna. Mas, diferente dos outros, seu pai é “presente”, só que atrás das grades, no qual Barry faz questão de sempre visita-lo. Encorajado pelo pai para que ele fosse sempre em busca de ser o “melhor dos melhores”, o Flash não pensa duas vezes antes de se arriscar totalmente na missão. Seus poderes são grandiosos, inimagináveis. O único personagem que guarda o senso de humor que alivia alguns diálogos e dá um ar carismático em algumas cenas, quebra o protocolo de herói e nos faz sentir confortáveis do lado dele. 

O Flash se revelou corajoso e, se sua intenção era, a qualquer custo, mostrar pro seu pai que ele tinha valor, que ele poderia ser sim, o “melhor dos melhores”, então ele conseguiu. Parar o tempo, até mesmo rebobinar o tempo, impedir a invasão do Darkseid (Ray Porter), salvar o planeta e ainda nos entregar uma das melhores cenas de 4 horas de filme. 

Barry Allen nos deixa um legado, e talvez responde toda a trama de super-heróis: não importa o superpoder que você tenha; não importa se sua pele é feita de aço, ou se você tem super velocidade ou laser nos olhos, ou braceletes de energia. O que importa é até em que ponto você está disposto a se sacrificar? Até onde sua coragem permanecerá como seu maior valor? Porque nessa hora, seu superpoder é o que menos conta.


De Batman a Coringa, Slade Wilson, Lex Luthor e outras surpresas 

O HYPE para o lançamento dessa versão da Liga da Justiça estava lá em cima e a divulgação pesada foi uma das que não víamos desde a produção de Avengers Ultimato. Zack Snyder nos entregou uma verdadeira obra-prima. Feita não para ser assistida, ou consumida, ou para ser objeto de maratonas, mas foi feita para ser apreciada, vangloriada e aclamada. Snyder num longa todo enquadrado no 4:3 conseguiu mostrar planos de profundidade e personagens assustados e afogados numa imensidão de problemas internos e pessoais. O Aquaman não se resolveu com sua marca identitária de príncipe do mar e filho da terra. Arrastou seu heroísmo barato feito criança mimada durante todo o filme. Enquanto isso, Stone não se deu conta de que o perdão o curaria e, por isso, seu egoísmo o afastou de todos que o amava. 

O Homem-Morcego nos entregou muito mais do Wayne do que do Batman. Essa inversão interna de papel realocou a liderança da equipe. Não vimos o Batman liderando a todos e sim, vimos uma equipe debatendo juntos e se entendendo em unidade com todos. O final do longa nos entrega um epílogo emblemático, mas necessário. Fruto de um dos pesadelos do longa, o Coringa, sempre lúcido, esfrega na cara do Batman seu trauma pela perda dos pais. Hera, também não perde a chance afirmando que ele não sabe o que é perder alguém que amava (na cena, ela se refere à morte do Aquaman). Batman rebate ao revelar para o Coringa como foi matar a amada Arlequina.

 Por fim, o gancho que o longa deixa nos traz de volta Lex Luthor de Jesse Eisenberg com a apresentação de Slade Wilson (Joe Manganiello) no qual se afirmam serem os próximos a dar dores de cabeça ao Homem-Morcego. A aparição do Caçador de Marte (Harry Lennix) foi outra surpresa que aqueceu o nosso coração. Primeiro ele na forma da mãe Martha quando vai à casa de Lois Lane e depois em sua figura “normal” ao oferecer apoio e ajuda a Bruce Wayne. Caçador de Marte alerta que Darkseid não desistirá da Terra, por enquanto e que a Liga da Justiça precisa de manter unida e mais forte. 

Esse fim foi recheado de revelações, assim como funcionou o ganho do começo, no qual revelou a triste morte do Superman desencadeando o despertar das Caixas Maternas. Isso foi essencial para que aqueles que não gostaram de Batman vs Superman: a Origem da Justiça (2016), agora viram o significado daquele filme; e aquelas que gostaram fizeram como eu, nos dois primeiros minutos de filmes simplesmente gritou, pulou, chorou e vibrou: É ISSOOOOO!!!! 






“Segundo Snyder, seu filme é sobre luto, e sobre os heróis tentarem ‘encontrar um certo conforto um no outro, encontrar uma família’, tema que certamente ressoa com o cineasta, que deixou o projeto do filme em meio a conflitos com a Warner, mas também, e principalmente, para se dedicar à família depois do suicídio da filha. Para o diretor, a metáfora mais clara para esse tema do luto e do apoio familiar é o Ciborgue, cuja jornada tem como ponto final se sentir ‘completo’.” 

(Marcelo Hessel, Zack Snyder ao Omelete, 2021)



Por Dione Afonso 

Jornalismo PUC-Minas

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