20 Nov
20Nov

A adaptação do romance do escritor norte-americano Anthony Doerr comandada por Shawn Levy e Steven Knight não foi muito bem recebida pelos críticos do audiovisual. De fato, a minissérie estrelada por Mark Ruffalo, Louis Hofmann e a novata Aria Mia Loberti ganhou um aspecto bastante arrastado e com um acento ao drama de forma angustiante e medonho. Contudo, quando percebemos que a obra não se preocupa em esmiuçar os impactos da Grande Guerra, mas, sim, em focar num único aspecto entre os escombros, notamos que a narrativa ganha força, emoção, amor e muito protagonismo. 

Loberti é a jovem Marie LeBlanc, filha de Daniel LeBlanc (Ruffalo) e a relação de pai e filha que é construída durante a guerra nazista é algo muito sincero e de muito coração. Marie é cega e apaixonada pelo rádio, pela literatura e pelas histórias. Daniel é um historiador com talentos para a arquitetura e muito apaixonado pela filha. Ele se ocupou em dar à filha a liberdade suficiente para que ela não se sentisse totalmente dependente de alguém e, o fato de construir uma maquete da cidade inteira afim de que a filha memorizasse as ruas já revela a relevância e a beleza de Toda Luz Que Não Podemos Ver.   


A luz podemos até não ver, mas a série podemos 

Há, no início, duas narrativas: uma comandada por Marie, que usa de forma ilegal e escondida as transmissões em ondas curtas do rádio, onde ela narra as histórias de Júlio Verne que, no fundo, são coordenadas para a guerra; a outra é comandada pelo soldado jovem Werner (Hofmann), que consegue sintonizar a frequência de Marie e, ao ouvi-la todas as noites, enche-se de esperança e expressa outros desejos diante da guerra. Com essa premissa, os episódios começam a narrar duas histórias paralelas, levando o telespectador a entender que num determinado ponto da narrativa essas duas histórias irão se encontrar. Tudo, então, gira em torno de um possível encontro entre Marie e Werner que lutam em lados opostos da guerra, mas que, alguma coisa pode mudar o pensamento desses dois jovens. 

De fato, a lentidão da narrativa de cada episódio vai adiando o inevitável. Mas, como afirmamos, o temor que a guerra provoca e os sonhos desesperados de cada cidadão é o que complementa esta narrativa. O soldado alemão Werner é um especialista em rádios enquanto Marie é uma apaixonada por rádios. Em determinado momento, em sua transmissão, ela assume que suas transmissões poderão mata-la por conta da ilegalidade que a ação contém. Enquanto isso, do outro lado, as transmissões da jovem francesa é a “luz que ele insiste em ver”, mas que ninguém mais vê! É a luz de esperança que poderá resgatá-lo do ódio nazista-alemão que a guerra plantou em sua mente, mas que o jovem soldado insiste em afastá-lo do coração. 

A vulnerabilidade da personagem de Loberti não fragiliza o potencial de Marie LeBlanc. A potência que a jovem cega provoca em nós é digna de admiração e de persistência em assistir os episódios até o final. Por outro lado, temos a fortaleza, poder e força de Hofmann, mas, que, também não condiz com a potência do soldado alemão Werner. Ele foi feito para ser forte, sem piedade e poderoso, contudo, é frágil, medroso e sonhador. 


O monstro da guerra 

O roteiro de Knight trata a presença dos nazistas como os verdadeiros monstros contra a humanidade. E isso é um problema que pode ter alimentado a baixa receptividade do público à série. Podemos perceber que o verdadeiro monstro é a Guerra. Não os nazistas. Por mais asquerosos que sejam, nem todos o são. Talvez, se tivesse aproveitado um pouco mais a humanidade que Werner apresentava desde o início da narrativa, essa percepção poderia ter sido alterada e encaixada melhor no texto. O papel de Mark Ruffalo também foi mal aproveitado, contudo, sua presença engrandeceu a narrativa. 

Marie LeBlanc, de fato, é quem rouba toda a cena. Todo o peso da história cai sobre seus ombros e a atuação de Lobarti é impecável, grandiosa e merecida. É ela quem aponta o início, o meio e o fim de todo o roteiro. Mesmo em sua versão infantil, ela sabe indicar para o telespectador o momento da virada. Com suas transmissões e a facilidade em se mover pela cidade graças à maquete que seu pai construiu, marca a virada do segundo para o terceiro ato. O final é marcado exclusivamente por Marie, desde o momento em que Werner se vê obrigado a identificar o endereço de Marie até chegar no ato final que é seu encontro com ela. 

O poder de cada diálogo que a série construiu para a adaptação é magistral. A força da voz de cada personagem garantiu o peso que a história estava disposta a revelar. A Segunda Guerra Mundial aqui é explorada pela emoção e pela particularidade dessas duas vidas: Marie-Laure, uma jovem francesa cega e Werner Pfenning, um jovem órfão com QI alto. Inocência e crueldade são exploradas como os lados da mesma moeda. Entrelaçam-se com os horrores da guerra e as formas criativas de buscar a sobrevivência. No fundo, a série te convida a olhar a humanidade com mais afeto e compaixão e com menos ódio e arrogância.



Por Dione Afonso  |  Jornalista

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