07 Apr
07Apr

Muitos questionam o terceiro ano da série criada por Mike White. O público achou os episódios arrastados demais e com roteiro que custou se decidir qual era o propósito da nova empreitada. Enquanto o primeiro ano se concentrou numa narrativa sobre ganância e segregação e com personagens aporofóbicos; a segunda temporada versou sobre racismo, preconceito e apresentou uma realidade da classe alta que não se preocupa com quem está à sua volta. Por mais que encaramos episódios mais concentrados na terceira leva de episódios, novo ano engrandeceu um discurso sobre amizades verdadeiras que, mesmo sofrendo as dicotomias religiosas e geracionais, o desfecho que White nos deu é magnífico o que exalta ainda mais a qualidade da obra. 

Somos apresentados ao núcleo da família Ratfliff: o pai Timothy Ratfliff [Jason Isaacs] e o filho mais velho Saxon Ratfliff [Patrick Schwarzenegger] ganham a vida num escritório de empreendimentos comerciais e de advocacia. A esposa Victoria Ratfliff [Parker Posey] é uma madame de luxo que esbanja o dinheiro que o marido ganha. Um detalhe para Victoria é que, mesmo tendo tudo na mão, ela é prisioneira dos comprimidos contra insônia, ansiedade, estresse, depressão. Os filhos mais novos, Loke Ratfliff [Sam Nivola] e Piper Ratfliff [Sarah Catherine Hook] completam a família. O segundo núcleo da narrativa apresenta a três amigas inseparáveis: Laurie [Carrie Coon], Daphne [Meghann Fahy] e Kate [Leslie Bibb]. 


Novos personagens, antigas histórias 

Vale destacar os retornos de Belinda [Natasha Rothwell] e Greg [Jon Gries]. Rothwell já é uma personagem que aparece desde a primeira temporada. Gries trouxe a sua história no segundo ano, quando se aproximou de Tanya [Jennifer Coolidge]. A narrativa de Belinda serviu de alavanca para que a história do terceiro ano ganhasse direção. Podemos chama-la de fio condutor que conectou cada episódio até nos entregar o desfecho da história. Quando olhamos a família Ratfliff, percebemos que o peso que cada membro dará à história é algo que vai ultrapassar os limites das instalações “White Lotus”, contudo, o roteiro consegue nos surpreender ao nos transportar para fora da Tailândia com um personagem que pouco demos relevância. A luta de Piper para se desvincular do luxo e do dinheiro exacerbado da família e da futilidade da mãe nos toca, e nos assusta quando a personagem não consegue levar seu plano adiante. 

A vida fútil de Victoria também é presente em alto grau no filho Saxon. Machista, um jovem viril e com pensamentos arrogantes em relação à sua posição de “macho alfa” reverbera numa sociedade que lê que o homem é quem manda e o sexo feminino é sim, o sexo frágil e ele existe simplesmente para a satisfação deles. Saxon é nojento. Sua personalidade é vazia e insegura, uma vez que se ancora totalmente nos negócios e no escritório do pai. Como o próprio personagem afirma: “eu apostei tudo na sua cesta, pai. Se você cair, eu caio também”. Piper sonha em viver por um ano no templo budista. Uma jovem que se sente tocada a viver uma vida sem luxos, que valoriza o espiritual e não se apega a dinheiro e outros prazeres sociais. Ludibriada pela mãe, Piper se sente vulnerável e impotente. 

Por mais que sentimos que Belinda encerrou seu ciclo nesta temporada, ficaríamos felizes se ela retornasse para o quarto ano. Greg, por sua vez deixou um gancho para que possamos desfrutar no futuro. Ele, depois de Tanya ter sido vítima de um acidente naval, desfruta de toda a fortuna bilionária que ela deixou e, junto de sua parceira, a jovem Chloe [Charlotte Le Bon], Greg vive seus fetiches sexuais. Totalmente contrária à Chloe, conhecemos Chelsea [Aime Lou Wood], uma jovem espiritualista que, por conta de sua inocência e infantilidade, acaba se tornando vítima de um romance interesseiro. 


Amizade acima de tudo 

Estamos na Tailândia, numa das instalações de hotéis da rede White Lotus. Mike White encharcou a história com as culturas locais. Comidas típicas, músicas, danças, vestuários e até a religião ele abordou com seriedade. O núcleo das amigas Laurie, Daphne e Kate, foi o mais complicado da gente acompanhar. Num episódio as mulheres eram fúteis demais, noutro eram apenas grandes amigas querendo passar por um tempo juntas, noutro ainda eram mulheres com dores profundas que só uma companhia sincera poderia ajuda-las a curar. Comecemos com Kate: a atuação de Bibb está na medida certa. Ela entrega uma mulher profundamente religiosa, norte-americana e de direita. Defende Donald Trump e pratica sua religião com os seus iguais. Depois, Daphne: uma apresentadora de TV mundialmente reconhecida, uma mulher versátil, a única do grupo que tem um relacionamento sério. Fahy, no entanto, entrega uma atuação tímida, ou seja, de uma mulher que não parece ter toda essa fama. E, por fim, Laurie: aquela amiga que só fez escolhas erradas no amor, no trabalho, na vida. Coon é intensa e nos assusta com o seu poder de atuação. 

White também conseguiu nos “enganar” aqui. O desfecho desta tripla narrativa nos surpreendeu quando as mulheres amigas não foram outra coisa, senão sinceras uma com as outras e sinceras com os próprios sentimentos. A frase final de Laurie às amigas, “eu fico feliz por seu rosto bonito e fico feliz por sua vida bonita” nos dói na alma. De um lado, a fala sincera revela uma carência, e uma dor da vida de alguém que não conquistou nada; por outro, é uma expressão carregada de sentimento e de amor. The White Lotus atinge seu ápice com esta terceira temporada se revelando essencial para as nossas vidas. Agora a família Ratfliff precisa voltar pra realidade e tentar sobreviver ganhando pouco; Belinda e o filho vão viver uma vida de bilionários; Greg e Chloe continuarão explorando vossos desejos e... pra termos mais, vamos aguardar o que o quarto ano nos revelará.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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