19 Dec
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O criador, roteirista e diretor, Mike White, que roubou a cena na última edição do Emmy Awards de 2022, acerta mais uma vez ao trazer para uma trama semanal diálogos profundos e ao mesmo tempo inúteis quando a vida humana e as situações que rondam as pessoas são mais relevantes. Dessa vez, o hotel hospedeiro é na Sicília, Itália e o clima romântico, sedutor e apaixonado das cenas italianas embalaram a segunda temporada. A inserção da baixaria, da vulgaridade, das personagens “garotas de programa” que vendem sexo ao ricaços que se hospedam no hotel fez dos papeis de coadjuvantes, grandes destaques para o entretenimento e reflexões sobre o corpo, a fidelidade matrimonial e às crises de família que a sociedade num todo enfrenta. 

White reaproveita Tanya McQuoid, a personagem de Jennifer Coolidge, agora casada com Greg (também da primeira temporada), vivido por Jon Gries. Coolidge teve um arco nessas duas temporadas impecáveis. A série repete o convencional ao apresentar uma pequena porção de pessoas milionárias que não sabem o que fazer com tanta riqueza e, por isso, se autojustificam pelas atrocidades que praticam, atos de desumanidade, ambição, infidelidade, hipocrisia e o sentimento burguês sujo. Dentro de um ano em que tivemos Sandman (Netflix); A Casa do Dragão (HBO) e Os Aneis de Poder (Prime Video), The White Lotus consegue conquistar seu lugar e se destaca, mais uma vez, com sua petulância em questionar o que muitos acham inquestionável e dialogar sobre temas “escondidos” nas nossas rodas de conversa. 


O dilema da juventude perdida 

Vamos aos arcos narrativos: primeiro, Tanya está casada com Greg e é acompanhada pela jovem Portia (Haley Lu Richardson), uma moça jovem cheia de sonhos que não vê a hora de se livrar do espírito obsessivo, compulsivo e controlador da patroa. Os casais Cameron (Theo James) e Daphine (Meghann Fahy), amigos de Harper (Aubrey Plaza) e Ethan (Will Sharpe). Ethan e Cameron são antigos amigos de escola e a série deixou a entender que Cameron ajudou Ethan a se enriquecer e apresentou ao casal Harper e Ethan as “maravilhas da vida rica”, que ser pobre não faz mais parte do dia a dia do casal. Neste diálogo, o bullying, a ignorância e os sentimentos vazios de sentimentos ficam muito em evidência. 

Depois conhecemos a família Di Grasso, composto pelo avô Bert Di Grasso (F. Murray Abraham) que é pai de Dominic Di Grasso (Michael Imperioli) e o filho de Dominic, Albie Di Grasso (Adam DiMarco). É com essa família que as “meninas da noite”, Lucia (Simona Tabasco) e Mia (Beatrice Granò), as italianas, se envolvem, revelando um lado da cidade que todos sabem que existem, mas que todos fingem não saber ou nunca terem visto. A gerente do hotel, Valentina (Sabrina Impacciatore) que se destaca como uma mulher misteriosa que nunca aparece numa casa própria, por vezes está num beco tratando de gatos, outras vezes numa padaria tomando um café. 

O que ganha bastante destaque nessa segunda temporada é que a maioria dos personagens se revelam bastante jovens e são jovens se descobrindo, com grandes sonhos, desejos, alegrias e raivas também. Pessoas se descobrindo sexualmente, alguns inocentes, como Albie Di Grasso que desconhecia o universo dos programas de sexo pago, e outros mais inteligentes, espertos e bem conscientes do que querem como Mia. Esta temporada tratou de questões conjugais bem profundas (até mais que a primeira), um marido viciado em sexo que não conseguiu manter sua fidelidade à esposa e um casal que fez a promessa de nunca mentir um pro outro e sempre manter transparente em tudo (em tudo mesmo, sem ressalvas). 


Quem será a “próxima vítima”? 

O que é saboroso nesse tipo de produção audiovisual é sua semelhança com a estrutura novelesca que a série assume sem medo de errar só para manter um certo suspense e aquele ritmo leve e sem pressa de terminar. O irônico é que ela termina rápido, na medida certa. Não é algo para durar. Assim como parecem ser nossos relacionamentos: The White Lotus escancara na nossa frente que a nossa condição humana não suporta algo que perdure mais que a nossa própria existência. Os laços que construímos hoje, no dia a dia, precisam ter data para a seu season finale. O grande choque que fica no telespectador dessa série é exatamente esse: até onde eu vou durar? Até onde meu casamento vai durar? Até onde ser fiel é um valor humano irrenunciável? Até onde a transparência é positiva num relacionamento? Até onde ter relações sexuais por diversão vai me ajudar a descobrir quem eu sou de verdade? Até onde...? 

Mais uma vez, Mike White desenvolve diálogos impecáveis, com roteiro bem costurado e personagens asquerosos que nos faz odiá-los na mesma proporção. O subtexto da “máfia italiana” aparentemente encomendada por Greg para dar fim à Tanya foi algo pouco explorado, mas que não comprometeu a história no seu contexto. Foi uma boa justificativa e muito plausível para encerrar a história da personagem de Coolidge. Assim como as italianas Mia e Lucia, os festeiros das casas de luxo também ficaram alheios à narrativa, mas souberam cumprir com seus papeis quando precisam entrar em cena.





Por Dione Afonso | Jornalista, PUC Minas

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