13 Jul
13Jul

A adaptação da HQ de Garth Ennis chega em seu terceiro ano com uma pergunta preocupante: até quando a paródia poderá nos entreter sem perder a essência ao mesmo tempo que explora a novidade? Enquanto a primeira temporada escancarou a corrupção benfazeja e político-utilitarista das celebridades, status e holofotes, a segunda temporada explorou os benefícios que uma política branca pode fazer em detrimento da diversidade cultural e racista de toda a população. A terceira temporada, portanto, não poderia deixar de explorar contextos mais internos e familiares colocando no centro da trama personagens mais novos trazendo o tema que envolve pais e filhos, herança genética e amor familiar. 

Heróis e vilões se machucam e sangram conjuntamente de ambos os lados. A sátira aqui é a de que não existem heróis de um lado e vilões do outro. Se há mortes de ambos os lados, todo herói é vilão, e se alguém sobrevive de ambos os lados, todo vilão pode ser visto como herói. Confuso? Não muito se formos olhar com mais afinco os sistemas que costuram nossa sociedade atualmente. Na política, assistimos líderes mundiais defendendo leis que permitem matar; outros sustentam uma guerra e não se esforçam em pôr nela um fim; na religião, pessoas que detém “o poder da fé”, ludibria o povo e, ao invés de esperança e misericórdia, usa o sagrado para enganar e extorquir; na economia, vence o mais forte, o mais rico, massacrando o pobre e sem dinheiro... 


Explorar a fragilidade do outro 

Se há uma coisa coerente em The Boys, desde seu primeiro episódio é o fio condutor narrativo: a fragilidade do outro. Toda a história se inicia com o super Trem Bala (Jessie Usher) destroçando a namorada de Hughie (Jack Quaid) enquanto ele fazia uma demonstração divertida e prazerosa. Hughie termina com os braços de sua namorada em suas mãos enquanto o resto de seu corpo virou poeira. O sentimento de Hughie desde esse momento é o ódio, dor, remorso, vingança, e sede de sangue em fazer com que o mundo pague pela dor que ele sente até a terceira temporada. Num dos episódios mais exagerados da terceira temporada o Herogasm, Hughie, ao se deparar com Trem Bala, é possível ver em seus olhos a sede de vingança e ódio pelo o que ele fez. 

Hughie cede à tentação de tomar o Composto-V temporário para se sentir mais forte, afim de que sua fraqueza não seja um impedimento para que ele viva melhor, mais satisfeito e feliz. No dia a dia, quem não gostaria de se ver livre daquilo que te torna fraco, incapaz, impotente? Até mesmo o ponto alto da temporada que é a aparição de Soldier Boy (Jensen Ackles) revela, no personagem e no contexto, uma fragilidade. Soldier Boy é aprisionado por sua incapacidade de se controlar, seu poder não seleciona o que destruir e quem matar. Tudo morre por onde ele passa. Tanto poder assim é demais, é sedutor, é ambicioso. E isso é uma fraqueza. 


A loucura em detrimento da moral 

Soldier Boy, após ser descongelado pela equipe de Billy Butcher (Karl Urban), enfrenta um Estados Unidos diferente daquele lá dos tempos da guerra. O que é assustador é que o personagem não estranha muito a nova atmosfera apresentada. Outra sátira ao sistema governamental atual. Butcher enxerga em Soldier Boy uma oportunidade poderosa de aniquilar o líder dos Sete que, a esse ponto se entrega à loucura revelando estar disposto a qualquer coisa para dominar as pessoas e o mundo, fuzilando com seus olhos qualquer um que se colocar em seu caminho. 

Capitão Pátria (Antony Starr), aos poucos, subtrai as ameaças que lhe apresentam: faz de Luz Estrela (Erin Moriarty) sua prisioneira, abusando-a e ameaçando. Luz Estrela, no entanto, diante de sua fraqueza, reprimida desde a infância, aprende que quanto mais dor, maior é sua capacidade de dar a volta por cima e se torna uma mulher heroína capaz de enfrentar as ameaçar do Capitão Pátria. Black Noir (Nathan Mitchell) não tem um final muito grandioso, mas a loucura do personagem também foi algo bem explorado. Tomado pelo medo, seu inconsciente se revelou assustado e infantil, através das cenas com personagens de desenho animado. Resultado de alguém que não tinha ninguém, nem uma companhia, nem um amor... 


De pai para filho... 

Por fim, a temporada termina com um importante gancho para o futuro. Os pequenos, como por exemplo, o filho de Becca com o Capitão Pátria poderão ter um arco grandioso no quarto ano. Uma sátira perspicaz nesse caso, uma vez que valores que desafiam a moral, a ética e os bons costumes permanecerão presentes em nossa sociedade sendo transmitidos de pai pra filho, corrompendo cada um e todo sistema responsável em reger nosso mundo. Fake news, o movimento black lives matter e o desmantelamento de uma grande empresa como a Vought dão ao terceiro ano da série de Erick Kripke um arcabouço atual e que se sustenta até o último episódio. Ambas as equipes se desmancham, a desunião é o primeiro resultado do que lições desumanas podem fazer com uma comunidade. 

É preciso se deparar com o fundo do poço para que a redenção se dê por completa. São nos momentos em que as equipes se reúnem que The Boys entrega a sua verdadeira essência: são os amigos que nos salvam e nos fortalecem; impedem-nos de cometer erros e nos orienta no caminho certo. Essa é a verdadeira lição da terceira temporada e que deveria ser transmitida entre as gerações, passando de pai para filho. Também o machismo e as relações tóxicas protagonizadas por homens não perdeu seu potencial e sua relevância narrativa nas três temporadas. Mesmo o segundo ano tendo a espetacular cena de luta entre Tempesta, Kimiko, Luz Estrela e Maeve, nesta temporada as mulheres também protagonizam diálogos poderosos desconstruindo a masculinidade tóxica protagonizada por Capitão Pátria e pelo Soldier Boy, já que as que com eles se envolvem, “envolvem ou por medo ou por submissão”

Portanto, The Boys entrega, talvez, seu ano mais difícil. Complexo em sua narrativa, mas essencial em seu contexto. Pois o mundo atual está difícil, complexo e confuso, e a série faz jus aos tempos atuais e modernos. Se hoje ainda revigora a brutalidade policial contra a comunidade negra; a falta de política econômica capaz de inserir mulheres no mercado de trabalho com direitos iguais aos homens; presença ativa e participativa da comunidade LGBTQIA+ nos grupos sociais, The Boys está de olho nisso, e não vai deixar passar em branco.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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