10 Sep
10Sep

Querido amigo,

Estou escrevendo porque ela me disse que você me ouviria e me entenderia, e não tentou dormir com aquela pessoa na festa, embora pudesse ter feito isso. Por favor, não tente descobrir quem ela é, porque você poderá descobrir quem eu sou. Não estou mandando um endereço para resposta pela mesma razão. E não há nada de ruim nisso. É sério. Só preciso saber que existe alguém que me ouve e me entende, e não tenta dormir com as pessoas, mesmo que tenha oportunidade. Preciso saber que essas pessoas existem.

[CHBOSKY, 1999, As Vantagens de Ser Invisível].


 

Quais são as chances de uma produção ter no elenco Emma Watson, Erza Miller e Logan Lerman ser ruim? Bom! Só de ouvir esses nomes já ficamos super ansiosos para conferir o resultado final numa confortável poltrona do cinema, não é mesmo? Pois é um clássico desse trio que decidimos resgatar hoje. Porque histórias surgem para serem contadas. E, mesmo que tenham passado, elas sempre se tornam atuais quando trazidas de uma nova perspectiva.

A obra de Stephen Chbosky do final da década de 90 conta uma história triste. Mas de uma surpreendente superação. Contudo, quando se tem algo a ser superado, a história começa a receber percalços que funcionam como cofres devidamente trancados em que a procura da chave engloba o assumir uma jornada. Muitas das vezes uma jornada de desconstrução para reconstruir. Iniciar um novo capítulo de uma história que nos machucou no passado e que agora o que resta são apenas cicatrizes.

Estamos no Cicatriz, não é mesmo? Estamos no lugar certo para ouvir esse tipo de histórias. O romance de Chbosky ganhou uma adaptação produzida pela Paris Filmes e dirigida pelo próprio autor. A história narra a vida de Charlie (Lerman) que sofre com a solidão e tenta lidar com “as vantagens de ser invisível” no seu dia a dia. Mas, para ele, parece ser melhor assim...


“Acabei de descobrir que ele não tem amigos”

O primeiro indício do filme coloca Charlie num drama psicossocial. O jovem é solitário, parece sofrer de alguma doença visto a quantidade de medicamentos que toma. E ficar sozinho, de fato, é uma doença. Com o desenrolar do filme, percebemos que seus problemas são traumáticos e, aos poucos o público começa a sentir com Charlie tudo o que o dificulta a viver e conviver com aqueles que surgem ao seu redor.

Há aqui um detalhe crucial: o relato inicial do livro nos entrega de bandeja o trauma mais profundo de Charlie. No filme, isso só é revelado nas últimas cenas e é como que um choque para quem já se envolveu na história. Quais são as vantagens de ser invisível? Simples: sendo invisível ninguém olha pra mim com pena; sendo invisível ninguém me ataca com bullying, sendo invisível, ninguém ri da minha cara por eu ser um ser esquisito; sendo invisível ninguém me empurra no chão ou numa poça de lama; sendo invisível ninguém se sente obrigado em sentar comigo na mesma mesa quando todas as outras cadeiras estão ocupadas; sendo invisível ninguém se sente na responsabilidade de iniciar um diálogo comigo.

Quando Patrick (Miller) e Sam (Watson) convidam Charlie para uma festa, Sam descobre uma das piores dores que um adolescente poderia ter: ele não tem amigos e está tentando superar um luto recente. Essa história deixou Sam incrédula. A atriz, perfeitamente esboçou no rosto aquela expressão: “como que é possível viver sem amigos?”. Isso fez ela e Patrick se aproximarem de Charlie. Dessa aproximação Charlie conseguiu até um “namorico” de adolescente com a jovem Mary Elizabeth (Mae Whitman).


O melhor amigo se matou

“Esta é a minha vida. E quero que você saiba que sou feliz e triste ao mesmo tempo, e ainda estou tentando entender como posso ser assim”. Michael, era o nome dele. Segundo relatos, ele tirou a própria vida.

Era uma manhã de segunda-feira, não me recordo a data e nem o mês, mas era o ano de 2019. Segundo período da faculdade. O celular sobre a mesa vibra e uma mensagem nas notificações dizia: “estou com um frasco de veneno em casa. Eu estou com vontade de tomar”. Esse não é o relato de alguém que estava invisível. Ou, talvez estava. Estava invisível para mim, talvez estivesse invisível para a família, para os que se diziam amigos, para todos. A dor estava invisível.

Por isso eu lhes pergunto: quais as vantagens de ser invisível?

Bom. No início isso gera paz. Uma paz momentânea. Mas a vida efêmera só funciona nas Redes Sociais. Os stories do Instagram mantêm a publicação só por 24h. Depois eu volto a ficar invisível. Mas, enquanto o post está no ar, a vida está ótima. Todos estão sorrindo. Mas, depois, o frasco de veneno sob o armário me chama a experimentá-lo.

E assim foi, um amigo tentou tirar a própria vida. Não sei se era porque estava invisível. Pelo menos a vida dele não. Mas a dor sim. A dor que ninguém quis parar para ouvir. Que ninguém se preocupou em ajudar a curar.

Volto à pergunta, ou melhor, a uma nova pergunta: quais são as DESVANTAGENS  de ser VISÍVEL? Simples: quando eu sou visível, sou obrigado a ser produtivo, porque quem não produz, não é útil pra sociedade; sendo visível, eu revelo meu rosto e meu corpo ao mundo, e ele vai ser julgado, criticado por estar fora dos padrões de beleza; sendo visível eu sou mais um na multidão tentando vencer na vida; sendo visível eu sou mais um jovem lutando pra sobreviver num emprego que não me realiza; sendo visível, meus fracassos ficam expostos e todos irão me criticar por ser um perdedor; sendo visível eu sou humano...


Com amor, Charlie

“Sam me deu um abraço. E eu achei estranho porque minha família nunca me abraçou. Exceto minha tia Helen. Depois de alguns segundos eu comecei a sentir o perfume da Sam, e pude sentir o seu corpo contra o meu. Aí eu me afastei” (CHBOSKY, 1999). A desvantagem é que passamos como pessoas felizes e sem problemas aos olhos até mesmo de quem convive conosco.

As desvantagens de sermos visíveis é que ninguém para pra nos dar um “bom dia” ou para perguntar se estamos bem. Se queremos conversar, partilhar coisas triviais da vida ou simplesmente ter alguém para tomar um café com a gente. Abraçar.

Traumas podem nos perseguir por falta de abraço; tristezas podem ser alimentadas por falta de um ouvido. Coisas simples. Ações generosas e saudáveis.

Quando meu amigo me mandou mensagem naquela manhã, eu havia acabado de ve-lo no dia anterior. E ele estava feliz, sorrindo, contanto piada e aparentemente bem. Mas ali dentro morava uma dor que eu nunca imaginei e nem ele fazia noção do tamanho dela. Fomos conversar... e... descobrimos que...

...

... “nós somos infinitos!”.


“Porque as pessoas legais sempre escolhem pessoas erradas para se relacionarem? Porque elas imaginam ter o amor que acham que merecem”

(CHBOSKY, 1999)



Por Dione Afonso

Jornalismo PUC-Minas

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