15 Dec
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O cinema do indiano Shyamalan é reconhecível através de sua irreverência ao desconhecido. Ele faz a conhecer e explora ao máximo aquilo que mais amedronta a humanidade e assusta-nos, a ponto de nos imergir numa reflexão sobre o tempo, a vida, a morte, o futuro, a doença, o medo. O estilo cinematográfico de enquadramento que Shyamalan utiliza é perspicaz e acaba se tornando sua principal marca nas telonas. A técnica é um suporte para que nem tudo o que precisa ser mostrado é, de fato, revelado. Desde O Sexto Sentido (1999), Shyamalan decide trabalhar com um terror conceitual; depois vem os grandes sucessos: Corpo Fechado (2000), Fragmentado (2016), Vidro (2019) e Tempo, de 2021. Não nos esqueçamos de Batem à Porta (2023) que, com narrativa apocalíptica coloca no centro da discussão o grande dilema da escolha: salvar o mundo ou a vida de quem mais ama? 

Baseado na HQ Castelo de Areia, de Pierre Oscar Levy e Frederik Peeters, no seu trabalho de 2021, Shyamalan nos coloca junto a turistas e suas famílias que decidem tirar férias numa ilha paradisíaca. Contudo, a estadia de um dia nesta ilha provoca o envelhecimento super rápido das células do corpo. Portanto, em horas, você envelhece anos. O tempo, neste caso é o inexplorável que se concretiza no maior medo de cada um que está naquela ilha. Protagonizando a história, temos a família Cappa: o pai Guy Cappa (Gabriel García Bernal); a mãe Prisca Cappa (Vicky Krieps) e os filhos Trent e Maddox (Nolan River e Alexa Swinton). As crianças são as primeiras a sentirem no corpo a mudança repentina da idade, o que causa desconforto e angústia dos adultos. 


Em “Tempo”, o tempo não é nada favorável 

Nesta narrativa temos o tempo como o grande vilão dessas pessoas presas na ilha. É ele quem assusta, ameaça, prende, tortura e mata. Shyamalan assina o roteiro em parceria com Lévy e Peeters. O trio trabalha numa narrativa linear em que subverte a sequência dos fatos e acelera seu processo. Por trás de todo este enigma temos uma espécie de “vilão humano” na qual a gerência do hotel resort em que essas famílias foram hospedadas possuem um laboratório tecnológico super avançado que realiza testes científicos com elementos minerais que podem curar as doenças mais graves do mundo. Para tanto, sacrifícios são realizados, como escolher a dedo quem será sorteado para passar um dia incrível numa ilha incrível com tudo pago pelo hotel. 

Nota-se que, quem vai para a ilha possui algum tipo de problema de saúde. O casal formado pela psicóloga e um enfermeiro, Patricia e Jarin (Nikki Amuka-Bird e Ken Leung), por exemplo. Patricia sofre de epilepsia e precisa de seus medicamentos de hora em hora. O teste cobaia que, às escondidas o laboratório realizou deu a Patricia uma bebida extraída da ilha que fez com que ficasse por quase 10 horas sem uma crise. Na outra família, um dos integrantes possui problemas de cálcio nos ossos e outro sofre de coagulação sanguínea. Ou seja, cada escolha ali, naquela ilha tem um propósito: o que se destaca é que não só a doença corporal é relevante como também a doença sentimental. Todos estão esgotados. Todos possuem um problema familiar e relacional que um descanso poderia servir para “curar as coisas”.  

A história feita de um único cenário é outra marca do cineasta. E isso favorece a história sufocante e angustiante que Shyamalan sempre está determinado a nos contar. É paradoxal estarmos diante de uma praia paradisíaca e ao mesmo tempo sentirmos presos, claustrofóbicos e sem ar neste mesmo plano. Isso parte da engenhosidade que o diretor tem em concentrar nossos medos e sustos todos num único lugar. Este mérito é dividido também com o Diretor de Fotografia Mike Gioulakis, que precisa captar as simetrias que há no ambiente e as cenas em plano aberto e fechado que, de uma hora pra outra, tira-nos o fôlego. 


Quando é que vamos parar? 

Ou, talvez, avançarmos para consertar o que se quebrou com o tempo? A reflexão que Tempo nos provoca tem o potencial de nos recolocarmos naquele lugar que escolher ocupar no mundo. A famosa pausa de férias que constantemente buscamos não pode servir apenas para nos desligar do mundo, mas precisa contribuir com um religar com as pessoas, com a família, com os dilemas e dramas conjugais e extraconjugais. Só assim é que o merecido descanso virá. Foi preciso viver um drama de horror psicológico para compreender que a vida passa diante de nossos olhos em questão de segundos e que, mesmo assim, não aprendemos a agarrá-la com as duas mãos e aproveitar o que ela tem pra nos ofertar. 

É impecável a maneira que o cineasta consegue fazer a transição de personagem, trocando os atores por outros mais adultos, acrescentando uma ruga aqui, alterando a maquiagem ali. Tirando a audição de um a visão de outro... Toda vez que tentamos insistir num passado que não funciona mais, forçar a saída da ilha, seja pelas rochas, seja pelo mar ou escalando a pedra, tudo se apaga, desmaiamos e voltamos do mesmo ponto em que estávamos. Estamos diante de um cineasta, de um artista do audiovisual mais originais da contemporaneidade. M. Night Shyamalan não se contenta em apresentar o que já se é conhecido e explorado. Ele fura a bolha, tange o intangível e avança para um desconhecido que precisa tornar conhecido. 

Portanto, lidar com a falta de espaço ou o limite de espaço-tempo em que a humanidade insiste em ultrapassar é uma técnica que sempre estará presente em Shyamalan. É preciso aprender a sobreviver com aquilo que nos limita. As vezes é uma doença, as vezes é um emprego, a família, as escolhas trabalhistas, as vezes é o tempo, a idade, a velhice. Mas, seres humanos insistem em extrapolar os limites da própria vida e tentam, a todo instante, mostrar-se superiores, mais fortes e resistentes. Não é bem assim que funciona. Tempo nos mostra que, pelo bem, ou por caminhos não tão agradáveis assim, o fim chega até nós, e, ou o acolhamos, ou ele nos devora.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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