25 Sep
25Sep

Depois de adaptar a Antologia “A Maldição” em duas partes com A Maldição da Residência Hill (“The Haunting of Hill House”, 2018) e A Maldição da Mansão Bly (“The Haunting of Bly Manor”, 2020), o cineasta americano lança a sua terceira minissérie de terror, Missa da Meia Noite (“Midnight Mass”, 2021). Suas duas primeiras minisséries já haviam se consagrado com a inclusão de novos elementos no gênero do horror. Tanto em Hill como em Bly, o terror aliado ao psíquico e ao trauma familiar costurou uma perfeita narrativa ancorada em flashbacks eficazes para a inserção do medo, do susto e do horror. 

Mike Flanagan não se contenta apenas em nos assustar, ele quer nos atemorizar, causar em nós um sentimento de culpa por algo que o medo não se atrele ao fictício ou ao sobrenatural, mas a algo mais do que natural, a algo real. Mantendo firme nesse propósito, Flanagan com muita sutileza e um jogo de câmeras que se aproxima de James Wan, consegue tocar em assuntos delicados como as relações LGBTQIA+, as comunidades negras, ao bullying, preconceito, discriminação por classes... 

Seguindo essa proposta de Flanagan em nos inserir em situações concretas do cotidiano, seu novo trabalho Missa da Meia-Noite, critica veemente o fanatismo religioso. Até onde a sua fé te salva? Até onde a religião segue sem propósito libertador? A nova minissérie de Flanagan utiliza de medos reais para nos perturbar em nossas noites e dizer que, talvez, o horror esteja dentro de nós, e que esteja sendo vociferado por nossos lábios aos quatro cantos. (Atenção: a partir daqui há spoilers).   


Até onde vai a nossa fé? 

Mike Flanagan, 43, é casado com Kate Siegel, que na série faz a personagem Erin Greene. Sua esposa também já havia aparecido em A Maldição da Residência Hill. Com 93% de aprovação no Rotten Tomatoes, Missa da Meia-Noite explora o tema da religião. Ambientada na Ilha de Crockett, a trama segue o jovem Riley (Zach Gilford) que está voltando para ilha após cumprir quatro anos de prisão por ter se envolvido num acidente de carro. Riley dirigia bêbado e no acidente uma jovem morreu. Riley, todas as noites é atormentado com a cena da jovem morta em sua frente. Esse é um dos poucos pulos de susto que a série nos dá. 

Junto dessa trama, seguimos a misteriosa narrativa do padre Paul (Hamish Linklater) que também chega à ilha. Padre Paul é enviado da Diocese do Continente (do outro lado do mar) para substituir o Monsenhor Pruitt que atendia à pequena comunidade St. Patrick, a única capela do lugar. Flanagan insere sem delongas o peso que a religião exerce neste local. Uma fé católica enraizada, bem ancorada nas tradições, hinos litúrgicos na “língua dos anjos”, jovens rapazes coroinhas e, a estranheza dos fieis que “buscam a fé” apenas na Quarta-Feira de Cinzas e na Semana Santa. A personagem “puritana” e muito chata, diga-se de passagem, de Samantha Sloan (a sacristã/secretária do padre, Bev Keane), que destila um discurso de fé moralista, preconceituoso e cruel transmitindo uma imagem de horror, desespero e sacrifícios tudo em honra do Senhor. 

Tudo isso começa a perder valor quando eventos sobrenaturais começam a acontecer na ilha. Esses acontecimentos começam a fazer os fieis a se questionarem sobre o que acreditam e que fé é essa que professam. Nesse contexto, Mike Flanagan insere um discurso a respeito das religiões valendo-se de uma família de mulçumanos: o Xerife e seu filho. Xerife Hassan (Rahul Kohli) e o filho Ali Hassan (Rahul Abburi) sofrem discriminação por serem mulçumanos e sentem na pele como que a imposição de uma religião pode estar presente em pequenas ações do cotidiano, sobretudo quando numa instituição de ensino, as normas não dão conta de abordar as religiões presentes no lugar. 


O terror está no incômodo das nossas relações 

Padre Paul é muito caridoso, atencioso com seu povo, a ponto de não deixar de levar a Santa Missa até aos acamados, sem condições de ir caminhando até à Igreja. Paralelamente, vamos percebendo que sensações estranhas, longe da explicação da ciência vão acontecendo desde o momento em que uma cena de milagre é presenciada em sua missa, quando padre Paul faz uma menina numa cadeira de rodas se levantar e andar até ele afim de tomar a Santa Eucaristia de suas mãos. O que assistimos aqui é uma mistura de crenças e descrenças, culpa e perdão, ciência e fé. Quando os feitos, pra lá de suspeitos, do padre, surgem, todo o tecido social da pequena ilha começa a se descosturar e começamos, desesperadamente a tentar entender onde que tudo isso vai se desaguar. 

Os pais de Riley começam a sentir melhoras físicas como por exemplo não precisar mais dos óculos para a costura e não sentir mais dor nas costas. A própria mulher acamada, Mildred Gunning (Alex Essoe) sai de sua cama e volta a andar. Sua filha Dra. Sarah (Annabeth Gish) não consegue explicar cientificamente o que está acontecendo e milagre não é uma solução para o seu senso religioso. 

O terror, o horror, o medo é mais um sentimento de culpa do que uma ação do maligno sobrenatural. Mesmo quando Mike Flanagan nos mostra o que acontece quando a miséria humana toca um Anjo do Senhor, não conseguimos omitir para sempre aquilo que mais nos assusta. O centro de toda a narrativa de Missa da Meia-Noite não está no medo, no susto, no terror. Tudo se centraliza no diálogo entre Riley e Erin sobre a vida e a morte e qual o sentido de morrer. O que acontece quando a gente morre? E o que vemos é uma das mais belas encenações e reflexões sobre do que se trata morrer. 

Morrer significa selar toda a culpa. Significa que depois, todo o meu medo se transforma em perdão. Significa que o céu e a terra se tornam um. E não é o que eu acredito, não é o fato de ter fé ou não, é o amor. Não é sobre mim, é sobre todos nós!




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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