10 Jun
10Jun

“O relógio parou de girar para a humanidade” – ouvir esta conclusão da voz do narrador, por James Brolin no último episódio da última temporada foi a conclusão de tudo o que a série construiu e tentou nos ensinar. Os primeiros episódios desta história chegaram um pouco tímidos e sorrateiros. Muitos ficaram confusos com o que ela pretendia, alguns optavam em seguir em frente, outros a abandonaram no meio do caminho. Para este segundo grupo que não foi até o final, não os julgamos, de fato, Sweet Tooth precisa de certa persistência e curiosidade, mas, se puderem dar mais uma chance, verão que a história é sobre uma humanidade que precisa corrigir seu curso e rever suas ações, sobretudo com os outros e com a própria vida. 

As três temporadas da série não funcionam isoladas. Na verdade, o que confere grandiosidade à Sweet Tooth é o conjunto total da obra, o seu todo. A série é baseadas nas HQs originais de Jeff Lemire que foram publicados entre 2009 e 2013 pela DC Comics. Sua adaptação recebeu os comandos de Jim Mickle que, por escolha, decidiu “aliviar” o tom sombrio e violento que as HQs possuem para a versão do streaming. Guiados pelo narrador off, a história acompanha Gus / Bico Doce (Christian Convery), um adolescente meio cervo, meio humano e Tommy Jepperd / Grandão (Nonso Anozie) numa jornada de busca e salvação. A humanidade enfrenta duas transformações: o surgimento de um flagelo, um vírus que mata 80% dos humanos e o nascimento de bebês híbridos, metado humano, metade animal. E toda a série se propõe a nos explicar onde tudo isso começou e se tem como pôr um fim, enquanto trabalha o desenvolvimento dos personagens. 


Roteiro fechadinho, redondinho, história bem construída 

O ponto mais alto e bem avaliado da série é seu roteiro. Com uma primeira temporada brilhante, o trabalho de Mickle junto à showrunner Beth Schwartz, a obra de Lemire ganhou no audiovisual um novo ponto de vista sem perder sua originalidade. Podemos afirmar com firmeza que a série ganha independência e funciona isoladamente da obra inspiradora sem afetá-la. Isso nos falta em muitas adaptações, sobretudo quando o público sente que houve uma forma de desrespeito quando uma distorce o sentido da outra. Isso não encontramos aqui, inclusive, Sweet Tooth é uma ótima dica para se assistir com filhos, com os adolescentes, por conter uma linguagem tão própria e acessível. Enquanto Bico Doce e Grandão iniciam uma jornada de busca, os outros contextos da obra também vão ganhando personalidade e desenvolvimento próprios. 

Ganham fortes destaques os vilões que cada ano a série vai desenvolvendo. Primeiro nos deparamos com o General Abbot (Neil Sandilands) que deu vida aos dois primeiros anos da série. Podemos afirmar que ao mesmo tempo que ele se tornou uma fonte de humor para a narrativa, ele dá tom e cor à temporada. O segundo ano da série que apresenta episódios mais mornos e até mesmo cansativos, foi assegurado pelo brilhantismo do ator Sandilands e sua perspicácia ao nos apresentar um vilão sério, mal e perigoso diante de crianças que estão lutando para sobreviverem num mundo violento. Claro que tudo isso vai se desembocar num final ainda maior quando conhecermos Helen Zhang (Rosalind Chao), uma mulher perversa, egoísta e mandatária de tudo desde o começo. 

Assim como a química da dupla principal é muito boa; vamos acompanhando outras construções narrativas muito emocionantes: as irmãs Wendy (Naledi Murray) e Ursa (Stefania LaVie Owen) que precisam se reconectar como família; as próprias filhas de Zhang também precisam se entender; no terceiro ano, a conexão entre a menina loba com sua mãe também é uma dupla que dura pouco, mas nos ganha em muitos aspectos; o doutor Aditya Singh (Adeel Akhtar) que desde o começo nos deixa aquele ar de “agente duplo”, nunca sabe de que lado ficar..., sobretudo quando não consegue salvar a esposa Rani (Aliza Vellani) do flagelo. Os três anos são muito bons quando nos prepara para um grand finale, aquele clímax final que entrega tudo, amarra tudo, conclui tudo. 


Três grandiosos atos 

As três temporadas juntas, formam um grande filme: primeiro ato consolidando personagens e nos introduzindo à história; segundo ato dando poder ao vilão e concentrando as grandes disputas e rebeliões; ato final solucionando o problema, dando fim ao flagelo e resolvendo como que a humanidade vai seguir em frente. Nesse conjunto, conseguimos responder à pergunta que originou esta nossa crítica. Sweet Tooth, afinal, é sobre o quê? Pois bem, acompanhem conosco: 

Tudo começa com o nascimento de bebês híbridos. Sem entender como que isso está acontecendo, os especialistas começam a estudar esta nova condição entre humanos. Nisso, começamos a conhecer pessoas que amam incondicionalmente seus filhos, independente da aparência deles, enquanto conhecemos outros que os veem como uma aberração da humanidade e que precisa ser erradicado. Ao mesmo tempo que os bebês híbridos começam a nascer, surge uma doença provocada por um vírus mortal, sem cura, chamado de O Flagelo. Quem se contamina, a certeza da morte é fato consolidado. Nisso, uma gigante das pesquisas também começa sua jornada em busca da cura que, a série revela ser sem sucesso. 

No fim de tudo, Sweet Tooth nos provoca a um questionamento: somos nós, humanos, capazes de conviver com o diferente? Somos nós, humanos, desejosos de generosidade a ponto de salvar o maior número de pessoas que estiverem ao nosso alcance? De forma muito original a série esfregou estas perguntas em nossa cara e nos testou, colocando seres completamente diferentes de nós convivendo conosco e pior (ou melhor), nascendo de nós! Ou seja: ou aceitamos o diferente, ou vamos nos consumir a acabar com nossa existência nos matando uns aos outros. Quando a grande vilã Zhang percebe que o futuro dos humanos depende do extirpar dos híbridos, ela não pensa duas vezes antes de afirmar que faria o que fosse possível para que os humanos continuassem existindo. Nesse sentido, a fala final de Gus é esplêndida: “Deixei que a natureza decidisse!”, e assim foi feito.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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