19 Aug
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E não só. Além de ser um dos trabalhos de maior credibilidade dos estúdios, a série entrega uma das versões mais humanas do Homem de Aço e uma versão de Lois Lane mais heroica que jamais vimos. O Universo da DC há tempos vem sofrendo mudança de pautas e investindo em novas histórias afim de deslanchar com a história de seus super-heróis. O grande sucesso do Arrowverse deu uma nova roupagem ao DCEU inserindo Arrow, Supergirl, Canário Negro e outros que foram surgindo e fazendo parte do crossover. 

O estigma deixado com a sequência de Snyder ainda está resvalando comentários e algumas chamas de esperança crepitam entre o público. No entanto, enquanto o tempo passa, a saga dos heróis vai ficando sem ter um novo capítulo. No cinema, Mulher Maravilha e Aquaman parecem estar mantendo esta chama acesa. Ademais, é preciso de algo a mais para consolidar a trajetória heroica dos estúdios DC. O casal que protagoniza a série já havia sido apresentado no arrowverse. O potencial deles era imenso para ser explorado numa série. 

Lançado em fevereiro e transmitido inicialmente pelo canal CW, Superman and Lois nas versões de Tyler Hoechlin (Clark Kant/Superman) e de Elizabeth Tulloch (Lois Lane) foi nome de grande sucesso de audiência. Um clássico episódio de mais de uma hora apresentando o homem mais forte da terra ao lado da sua destemida jornalista Lois Lane. Antes mesmo do início da temporada e com o projeto cancelado, grande foi a surpresa do estúdio quando viu a grande audiência levando, com isso, a ser confirmada uma segunda temporada. O famoso “não conheço, mas já considero”. 


Superman and Lois: spoilers da primeira temporada a partir daqui 

Diante de tantas representações e algumas, diga-se de passagem, que fizeram história do Último Filho de Kripton, como que a versão de Hoechlin iria emplacar e oferecer ao público uma nova roupagem, algo inovador de um personagem que já tem tantas representações no cinema e nas pequenas telas sem soar como estilo remake? E a resposta veio dos criadores Greg Berlani e Todd Helbing. 

O ponta pé inicial é sempre o mesmo e clássico: “um planeta destruído; um bebê enviado pra terra afim de se salvar; uma vida normal em Smallville; conhece e conquista o coração de uma Lois Lane numa redação de jornal; vive o luto da morte do pai...”. Mas qual é o diferencial? Hoechlin nos dá uma atuação mais humana e desafiadora do herói. Vemos uma família que enfrenta os dilemas normais de qualquer outra que tem adolescentes em casa. Os gêmeos Jonathan (Jordan Elsass) e Jordan (Alexander Garfin) estão confusos e cheios de indecisões próprios da faixa etária. O Superman precisa equilibrar sua identidade entre o herói Kal-El (o Superman) e o pai Clark Kent. Em meio ao trabalho de salvar o mundo e ser presente na vida dos filhos, o novo carro chefe da DC terá essa nova trama em buscar equilíbrio entre a humanidade e fraqueza e o poder e identidade. 

O herói mais poderoso da terra vive o dilema de dar atenção ao mundo e dar atenção aos filhos e à família, ao mesmo tempo em que o arco do vilão Morgan Edge (Adam Rayner) vai se consolidando. Berlani e Helbing são muito sagaz também com esse segundo arco. Não basta entregar um vilão assim, de bandeja. Isso também tinha que ser diferente de tudo o que o Superman já havia enfrentado. Não. O vilão tinha que ir nos enganando aos poucos, passar por outros caminhos, talvez até por caminhos carismáticos, gentis, até se rebelar entregando seu propósito final. 


Em Superman and Lois, a jornalista foi mais heroína que Clark Kent

A repaginada que houve com Tulloch para construir a sua Lois Lane foi fantástica. Lois Lane também reconstrói a sua vida. Quando a família deixa Metrópolis e volta ao interior, em Smalville, Lane se desafia abandonando um emprego de um grande jornal e aposta numa redação pequena, jornalismo de pouca relevância e conhecimento e recomeça do zero. Seu faro jornalístico prima pela ética e repudia uma fake news. A briga que compra será grande e sua nova missão será reconstruir um jornal entregue à corrupção e a uma política suja da informação. 

Essa Lane é mãe. Mãe de gêmeos. E um dos filhos herda os mesmos poderes do pai. São dois adolescentes tendo que viver e enfrentar os desafios típicos da adolescência de qualquer um, com um grau de perigo maior. Jordan (Alexander Garfin) não sabe lidar com as mudanças heroicas que seu corpo apresenta. Vivendo experiências confusas e poucos creditadas isso foi o suficiente para “ativar o gatilho” do adolescente problemático, mimado, confuso e sem amparo. “Eu sou uma aberração”; “vocês estão me escondendo do mundo”; “eu sempre fui um problema”, são expressões costumeiras da vida de um adolescente. O mesmo acontece com o gêmeo Jonathan (Jordan Elsass) que sofre bullying na escola e no time de futebol por conta do irmão “diferente” e também por conta do “dono do time” que se classifica como o macho alfa e hétero, corpo atlético e “dono do pedaço”. 

Enfim, a vida complicada, confusa e conturbada dos gêmeos coloca Clark Kent numa encruzilhada entre salvar sua família e salvar o mundo. Lane é firme e amorosa; jornalista e mãe; raivosa e calma; forte por fora e por dentro; tem seus traumas, mas tem seus poderes também. E seu poder é ser humana, é amar humanamente. E Lois Lane, não nos resta dúvida, salva seus filhos, salva sua família, salva o jornalismo, salva o Superman... “Eu sei o que é ser vulnerável. Eu conheço o medo de ser vulnerável. E vou te ensinar algumas maneiras de lidar com isso. Mas agora, eu só quero que você saiba que estamos na mesma equipe. Nós somos humanos extraordinários em uma família de superpessoas. E nós temos que ficar juntos”. O diálogo entre Lois e o filho Jonathan coloca a personagem de Tulloch onde nós queremos vê-la nessa série. Com toda a sua vulnerabilidade e seu medo, seu profissionalismo e seus traumas, ela se destaca como uma mulher forte e que enfrenta todos os dias o drama de ter construído uma família ao lado do Superman. 


Superman and Lois é para a DC o que WandaVision é para a Marvel em 2021

Portanto, o Clark Kent e a Lois Lane que conhecemos neste ano é ideal para o tempo que vivemos. Se hoje estamos num país dilacerado pela dor, pelo luto, pela doença e pelos males sociais que a cada dia destrói um lar; o que Wanda e Visão enfrentaram após o estalo de Thanos compara-se perfeitamente com o Clark e Lois de Hoechlin e Tulloch. Todos nós precisando reencontrar dentro de nós mesmos forças que nem imaginávamos que tínhamos; capacidades que nem sabíamos que éramos capazes de alimentar a ponto de nos reconstruir como pessoas, homens e mulheres de bem e com condições pessoais e íntimas de recomeçar. 

Um recomeço. Tudo se resume a isso. Recomeço. Os coadjuvantes da série, sem interromper o crescimento dos protagonistas também merecem nossa admiração: o Capitão Luthor (Wolé Parls) que inicialmente seria o vilão, torna-se um apoio. Sarah (Inde Navarette) que tem um papel emblemático, mas muito eficaz ao se revelar uma adolescente cheia de problemas e que foi capaz de inserir entre nós narrativas pesadas como o suicídio, a depressão na adolescência, os sentimentos de incapacidade de forma leve e perfeita. 

A série de Greg Berlanti é eficaz ao mostrar um outro viés do Homem de Aço nunca visto antes nas telas. E o que tem funcionado muito bem é que mesmo a série sendo sobre o super-herói mais poderoso da terra e sua esposa, a jornalista que investiga tudo até desenterrar todas as atrocidades, Berlanti consegue inserir no roteiro os dramas preocupantes e muito emblemáticos de Sarah e dos gêmeos Jordan e Jonathan. Além de inverter – de certa forma – os papeis dos heróis, no qual, quem acaba nos salvando é uma mulher, mão, jornalista e humana. 


O verdadeiro vilão da série 

Se teve um arrowverse é possível que as vidas de outras terras teriam seu impacto no UEDC – Universo Extendido da DC. As ameaças de uma guerra que se aproxima vão ficando mais claras e Capitão Luthor vai nos dando mais pistas de como essas outras Terras (experiência que tivemos com o arrowverso) vão se interferindo na realidade terrena atual. O multiverso é complicado. Enigmático. Traiçoeiro e cruel. É preciso compreender o que move cada planeta e cada realidade e ir entendendo que o que vivemos aqui é único. 

O que nos separa dos kryptonianos é a nossa humanidade. E esta não é nossa maior fraqueza, mas é a nossa maior arma contra a guerra. Morgan Edge revelou a que veio ao mundo, ou melhor, a Smalville. Um kryptoniano e, aparentemente, irmão de Kal-El, o real vilão da história se revela. Edge quer provocar uma guerra cruel e sanguinária na terra. Recuperar seu povo kryptoniano fazendo dos humanos receptáculos de sua desumanidade. 

Aqui entrou o grande ato heroico de Lois Lane. Através de seu compromisso ético com a sua profissão, Lane desmascara o plano do vilão comunicando a verdade. Diante de uma grande ameaça a caminho com a promessa capitalista e desonesta de que todos serão reiniciados numa vida nova. O discurso da prosperidade e da garantia de que tudo será renascido por uma nova era é tentador. Tudo o que os homens desejam é recuperar o controle de suas vidas. Nada mais fácil que o caminho das finanças. Propostas de salários gordos e uma cadeira de sucesso na seara trabalhista. 

No entanto, sua personagem também se afunda numa escuridão. Desamparada, mas firme e forte. Lois Lane nos entrega uma atuação sofrida, doída, mas muito real, perspicaz, forte e firme no que acredita ter que ser feito. Ainda temos um diferencial: o nosso Superman é humano. Mais humano que muitos homens em Smalville. A humanidade ama e tem esperança e isso faz toda a diferença. Unir-se enquanto humanidade para combater o mal. 

Temos um grande presente ao nos reencontrarmos com John Diggle (David Ramsey) e suas referências a ARGOS, sua esposa Laila e ao Arqueiro Verde, Oliver Queen, série que deu o ponta pé inicial a todo esse universo. A gente fica agradecido ao ouvir e ver essas referências em tela. A primeira temporada chega ao final com o seu 15º episódio. Agora, você também pode conferir a temporada completa no serviço de streaming da HBO Max.




Por Dione Afonso  |  Jornalista PUC Minas

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