01 Feb
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“Essa é uma fábula sobre a tragédia real”, finalmente o filme que foi aplaudido de pé por quase 10 minutos na abertura do Festival de Cannes do ano passado chegou às salas dos cinemas brasileiros. Mais uma vez a Família Real recebe uma releitura focando a figura controvérsia e polêmica de Lady Di. A Princesa Daiana Spencer tornou-se uma figura pública problemática por conta de sua trajetória conturbada e confusa dentro dos trejeitos e protocolos na realeza. Dessa vez quem dá vida à sua personalidade é Kristen Stewart. A atriz incorpora com muita eficácia cada gesto enigmático e contido da princesa, revelando ser ela uma mulher que viveu triste e submissa diante de seus dilemas internos. Nunca precisou de que a alguém a colocasse pra baixo, sua própria dor fez de Diana uma pessoa curvada, para sentir o peso daquilo que a machucava. 

Como a própria narrativa inicial nos diz, essa é uma fábula, logo, fique preparado para assistir a uma trama que pesa nos exageros do sofrimento claustrofóbico e de expressões também elevadas ao máximo. A história reimagina o que poderia ter acontecido num período de três dias na mansão de Sandringham House, lugar onde a Família Real mantém a tradição das festividades natalinas. Não assista procurando algo que se conecte fielmente com a realidade, para isso, há outras produções mais fidedignas. Spencer é uma experiência traumática vivida num ambiente sufocante regado a protocolos que não dão conta de sustentar uma vida feliz e próspera. 


Vale o oscar? 

A primeira pergunta que surge ao assistir esse filme é se ele emplacaria na nova temporada de premiações de 2022. No dia 08 de fevereiro iremos conhecer a lista completa de indicados e Spencer pode emplacar como Melhor Atriz a Stewart, pois a sua interpretação da princesa Diana foi impecável. O que nos incomoda nesse trabalho é, talvez, a sua atitude sussurrante. Algo que nos incomodou. Mas, quando a gente olha para o conjunto completo da obra, percebemos que os sussurros lançados pela Lady Di fazem todo o sentido, olhando do ponto de vista psicológico e sofredor: uma mulher que teve sérios dilemas em se encaixar numa “moldura familiar” rígida, imposta, rigorosa, onde havia regras até mesmo para dormir. 

Além dessa Categoria, apostamos que o longa ainda emplaque em Melhor Fotografia, pois o trabalho de Claire Mathon conseguiu nos fazer mergulhar numa atmosfera doentia de tal forma que nós nos sentimos sufocados a cada cena e plano aberto que a câmera nos oferecia. Há uma hipercomplexidade do mergulho que se faz dos sentimentos internos de Diana. E Mathon nos fez sentir sozinhos, perdidos e abandonados naqueles planos abertos que, de tão vasta é a imensidão, é algo que nos deixa desesperados. Percebe-se que Lady Diana fala pouco, mas todo o resto fala por ela e por nós. Jacqueline Durran é a figurinista que está por trás de trabalhos como The Batman, 1917, A Bela e a Fera, e agora, em Spencer. Seu trabalho também poderá ser reconhecido na premiação do Oscar na Categoria de Melhor Figurino. 

Nas Categorias principais, talvez o filme não apareça. Pablo Narraín é um ótimo cineasta e fez um trabalho impecável com Spencer. Contudo, temos que afirmar que o seu caminho é uma escolha bastante específica. É uma narrativa que explora não o exterior e a realidade concreta de uma pessoa, mas Narraín, junto do roteiro de Steven Knight, explora, com intensidade e exageros, o interior de uma pessoa e explora ainda mais seus olhares. Assistimos, assustados, uma pessoa sendo deteriorada aos poucos, perdendo até mesmo a capacidade de falar alto e em bom tom. 


Spencer é um aglomerado de incômodos e prisões 

Quando pesquisamos sobre a vida real de Diana Spencer, vamos descobrindo o quão perturbadora foi a sua passagem pela família real. Casada com o Príncipe Charles, aqui interpretado por Jack Farthing, viveram um casamento de fachada afim de manter firme a figura de uma família modelo e perfeita. Na frente dos fotógrafos e em público o casal e seus filhos vivem uma moldura feliz e posam para fotos esboçando o mais falso sorriso. A princesa desenvolveu distúrbios que não foram levados a sério – isso, partindo da releitura do filme de Narraín – começou a se cortar afim de transferir a dor que sentia. Há, no filme, também uma conexão familiar muito forte entre ela e seus filhos. Uma mulher que entre obedecer os protocolos da Rainha e brincar com seus filhos, sair e comer hamburguer, Diana, escolhe a segunda parte. 

Na releitura de Narraín, afirmamos que, mesmo sendo uma fábula, sem ter o compromisso de transmitir algo real e verdadeiro, a infinidade de normas, regras, protocolos, quando postas na frente dos nossos sentimentos, ferem profundamente a nossa humanidade. Quando a gente olha para os figurinos da princesa, na qual, cada hora, cronometrada no relógio, ela é obrigada a vestir isso ou aquilo, vemos que até mesmo as roupas estão gritando a dor dela. O figurino, nesse filme, também narra a história e revela os distúrbios comportamentais. Por mais que o foco seja a princesa Diana, Farthing entrega um Charles que é assustador, mas que sofre também ao ver o estado da esposa; Stella Gonet traz uma Rainha Elizabeth II rígida, má e cruel que consegue nos calar com um sorriso. 

Portanto, Spencer é um filme para experimentar disposto a olhar com outros sentimentos. Abandonar um pouco, talvez, o que vimos em obras mais reais, e admirar Stewart e sua interpretação de uma mulher que sofreu, viveu sob protocolos rigorosos e tudo o que ela queria era ser livre e viver como qualquer outra mulher normal de sua idade. Tudo o que Diana queria era fugir afim de buscar um pouco de felicidade. Ao coloca-la em busca da casa de sua infância, vemos o quanto ela foi feliz um dia e que aos poucos, tudo desmoronou, transformando seu conto de realiza numa cena de terror sem fim.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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