“Eu esperei a minha vida toda para dizer ‘não’. E agora que eu o disse, o que aconteceu? Nada. Não aconteceu nada”.
[Sky Rojo, Netfliz, S01E08, 2021].
Dono de grandes sucessos como La Casa de Papel e Vis a Vis, Álex Pina nos apresenta Sky Rojo, mais uma investida espanhola na Netflix. Pina, aos poucos vai nos consolidando numa indústria do entretenimento com rostos femininos e fortes. A presença feminina confirma, nas obras de Pina, que a mulher pode ser o que quiser e ter a força que quiser ter. Sky Rojo, apesar de ter uma trama meio confusa e nos fazer perder na história, confirma que ser mulher não é uma escolha nesse mundo, é um risco.
Mesmo com uma trama que aborda o tráfico humano, prostituição, violência contra a mulher, mercado negro, sexo e drogas, Sky Rojo é a típica trama de novela brasileira como a Salve Jorge. As protagonistas Gideliv Van Den Brandt, Lali Esposito e Veronica Sanchez são as prostitutas Rubí, Wendy e Coral. Pina parece patinar na vida passada das jovens que saem de situações de pobreza de onde estão com suas famílias e são ameaçadas por gigolôs e cafetinas a alimentarem casas de sexo vendendo seus corpos a bel prazer dos homens. Pina, talvez, erra ao não investir em flashbacks que apelariam ao drama e aprofundaria com intensidade e relevância nas questões sociais que envolvem a vida das meninas.
Nesse caso, o apelo visual é a investida sem economias. Mesmo numa primeira temporada de 8 episódios curtos os figurinos coloridos e reluzentes embalam o público que tem um gosto bem peculiar com obras de cinema que abraçam certa paleta de cores com mais tonalidades.
A série ganha também no protesto feminino que vem em defesa da vida e do corpo da mulher. “Quando ela diz ‘não’, é não. E quando ela diz ‘sim’, é sim. Quando ela não quer transar, o sexo vira estrupo”, diz uma das protagonistas. A questão social também ganha peso quando Rubí descobre que sua mãe sabia que a filha estava sendo recrutada não para trabalhar, mas estava sendo levada por um cafetão. Para sustentar a família na extrema pobreza, vender a filha era o único recurso.
O estupro aqui fica evidente não só em relação ao abuso do corpo através do sexo. Estupra-se as condições humanossociais de famílias inteiras; estupra-se a educação desses jovens que não tiveram a chance de aprender um ofício digno; estupra-se a falta de emprego para que os pais consigam sustentar a casa; estupra-se a falta de humanidade desses que usam o mercado negro afim de traficar pessoas; estupra-se uma economia dirigida pela corrupção e ganância; estupra-se os homens, as mulheres, as crianças quando não damos a eles condições de igualdade humana e social.
Uma fala de Moisés (Miguel Angel Silvestre – um dos capangas do bordel) é bastante emblemática quando, ao se envolver com Coral, ele, num diálogo, aliás, o mais trabalhado diálogo desses 8 episódios com Coral, ele questiona que “o problema dos bordéis não é a prostituição e nem o sexo, mas a pobreza. Ele diz que se quisermos acabar com o tráfico humano e o sexo por dinheiro, não acabe com os bordéis. Acabe com a pobreza e os bordeis desaparecerão”.
Quando a história parecia se perder em sequências mal programadas, como a da perseguição em meio a poeira, por exemplo, Pina nos presenteia com uma paleta de cores mais quente e diversificadas. Wendy empreende cenas de grande tensão misturadas ao horizonte avermelhado. A arma em sua boca nos fez concluir que a mulher nunca venceria, mas, a série ganha mais espaço.
Rubí, que é a que o público, talvez ganha mais simpatia, é a prostituta inocente e gentil que apresenta dificuldades de separar o sexo do amor, o envolvimento do dinheiro. Cria uma relação com um de seus clientes e acaba engravidando. Grávida, ela teme que seu cafetão a obrigue a abortar. Nesse ponto, descobrimos que Rubí já é mãe e que seu filho está sob a proteção dos capangas do bordel.
Quando Rubí tenta uma quitação de sua dívida com Romeo (Asier Etxeandia), este decide ataca-la, Coral e Wendy vão em defesa da amiga e um acidente acontece levando as meninas a acreditarem que mataram o cafetão. A série tem um ponta pé perfeito. Pina já insere o drama e a fuga logo no início. Os primeiros minutos são o suficiente para nos prender à história.
Romeo e os irmãos Moisés (Miguel Angel Silvestre) e Christian (Enric Auquer), seus mais fieis capangas, são a presença masculina em evidência dessa temporada. É curioso o que Pina resolve fazer com “o homem” nessa história: eles são personagens confusos e frágeis. Álex Pina consegue transmitir isso ao público com a sutileza e ingenuidade em algumas ações, mesmo que sutis. Este é outro traço de Pina. Em La Casa de Papel, por exemplo, no qual, a maioria do elenco são homens, percebemos que nenhum deles tem uma personalidade forte e condições emocionais firmes. Todos eles são frágeis social, humana e até relacionalmente. Todos com traumas e traumas de situações nas quais julgam-se as mulheres com um discurso de culpabilidade e machismo, além da superioridade que pode matar.
Romeo sofre a morte prematura da esposa, vítima de um câncer. Moisés é devedor de Romei por tê-lo livrado da prisão no passado por ter matado o próprio pai. Christian é um total apegado à mãe que é doente (parece ser Alzheimer) e um viciado em drogas. São três homens problemáticos, que não apresentem ideias muito inteligentes e a cada reviravolta da série eles estão reféns das mulheres.
Enfim, a primeira temporada de Sky Rojo, mesmo não tendo um final muito promissor e sem muito ritmo, nos deixa milhares de perguntas que podem ser respondidas numa trama ainda mais dramática e social. O passado sofrido das meninas quem sabe, poderá voltar em reviravoltas ainda mais surpreendentes. A fragilidade dos personagens é algo fascinante que, atrelado ao uso excessivo de cores e neons, podem provocar resultados impactantes.
Disponível na Netflix, Sky Rojo foi renovada para a sua segunda temporada que chegará ao serviço de streaming dia 28 de julho deste ano.
“Só morre quem é esquecido. Eu serei LEMBRADA”
(Vis a Vis, Álex Pina, Netflix, 2020)
Por Dione Afonso Jornalismo PUC-Minas