29 Jun
29Jun

Final da primeira temporada de Ruptura da AppleTV+ é um soco no estômago e uma verdadeira viagem ao mundo de um dos mais profundos desejos do homem: impedir que os interesses da vida profissional não se afetem pelos mais fortes sentimentos e paixões da vida pessoal. Criada, roteirizada, dirigida e produzida por Dan Erickson, Ruptura nos encanta mais por escancarar em nossa cara o que cada um de nós desejaríamos que acontecesse durante a nossa vida toda. Com fotografia em tons frios e amenos, a série nos angustia com um ambiente, na maioria das vezes, filmado de cima para baixo, colocando-nos como espectadores de nossa própria história, meio que nos questionando: “veja o que aconteceria contigo se seu desejo se realizasse, você estaria feliz?” 

Protagonizada por Adam Scott que dá vida a Mark S., o roteiro inicia uma história intimista, mas bastante tímida e vai elevando o nível como se estivéssemos num jogo no qual cada episódio estaríamos experimentando um novo grau de dificuldade. Mark é um daqueles muitos que opta por realizar o que a empresa Lumon chama de “ruptura”, uma intervenção médica que, ao implantar um chip no cérebro permite que a pessoa tenha uma vida separada em duas: enquanto está no trabalho, vive as preocupações do trabalho, mas, ao retornar para casa, ele volta a viver sua experiência pessoal de onde parou no dia anterior, não se lembrando de nada do que aconteceu no trabalho. 


Quem é você? 

Com essa leva de produções que se aprofundam cada vez mais em questões mais filosóficas e narrativas existenciais, Ruptura se destaca como uma das mais importantes séries de drama de 2022. A pergunta que abre o primeiro episódio já desestabiliza o espectador e o lance da câmera de cima pra baixo o coloca como um “deus” inquisidor meio que mostrando a nós o que nós seríamos se tudo o que sonhamos tornasse realidade. A cena abre com uma mulher, Helly R., interpretada por Britt Lower, estirada sobre uma mesa, sozinha, desorientada. Com uma voz, que inicialmente não sabíamos de quem era, Helly é conduzida ao que chamam de “orientação”. 

E se sua vida pessoal pudesse ser separada da profissional? E se seus sentimentos diários não interferissem com os perrengues e estresses do trabalho e vice-versa? Se pudéssemos separar seu cérebro em dois a ponto dos acontecimentos da vida cotidiana não influenciassem com os do mundo do trabalho e profissional? Tentador, não é mesmo!? A Lumon tem a solução! O processo de “ruptura” te proporciona o seu mais profundo desejo. A vida familiar está estressante? A esposa não te atrai mais? O casamento está a um fio? Ou ainda, precisa superar uma perda? Separação conjugal? Luto? Solidão? Venha para a ruptura e se torne um novo você! 


Vidas Coadjuvantes 

Seria muito simples se toda essa trajetória fosse brilhante sem nenhuma complicação. Contudo, Ruptura nos coloca em xeque com questões internas e externas. A Lumon, empresa que realiza o procedimento é quem, também, te contrata, quer dizer, emprega o seu novo eu, rompido dos compromissos sociais no dia a dia. Já que esse novo você não faz ideia do que aconteceu, isso parece ser algo simples de se controlar. Contudo, eventos no desenrolar dos episódios vão tornando as coisas mais complicadas de se explicar. A filosofia aplicada em vista do: “você está desorientado e, portanto, precisa de orientação”, critica a nossa vida comum, como uma vida desorientada, descontrolada e que nós, antes da ruptura, não éramos capazes de manter as coisas no controle, orientadas. 

Os personagens coadjuvantes também crescem e se desenvolvem narrativamente de uma forma espetacular: Dylan (Zach Cherry), numa das intervenções se debate com os seus dois eus (a vida interna e a externa) e descobre que fora do trabalho tem uma família, três filhos e se fascina com a vida que tinha antes e percebe que o “mundo do trabalho” não era o suficiente para o satisfazer e ser um homem feliz; Irving (John Tuturro) nos emocionava todas as vezes que aparecia em cena. A sua solidão não era somente interna, era externa também (parecia ser um homem machucado lá fora e aqui dentro), quer dizer, seus dois eus sempre lutaram por um amor que nunca deu certo. 

Por mais difícil que seja a nossa vida, com todos os setores nos sugando, com todas as responsabilidade sufocando-nos e com todos os compromissos diários; separar isso tudo, quer dizer, tirar de nós essas incumbências não nos faria mais felizes, e, talvez, não resolveria os nossos problemas de estresse, de solidão, de superação, de cansaço mental e físico. Precisamos lidar com nossas lutas diárias. Liderar nossos problemas e responsabilidades e não deixar que eles se tornem monstros e nos liderem. Papel esse que é desenvolvido por Harmony Corbel (Patricia Arquette) e Milchick (Tramell Tillman), fazendo de nós, vidas coadjuvantes de nós mesmos, quando, na verdade, devemos ser os nossos próprios protagonistas.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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