17 May
17May

O indicado ao Oscar por Me Chame Pelo Seu Nome (2017), o cineasta italiano Luca Guadagnino talvez tenha realizado um dos seus melhores trabalhos até aqui. Os planos detalhes em todo o filme e a única trilha sonora com sua batida crescente em cenas específicas são como as preliminares – estamos falando de tênis – numa relação erótica, envolvente, pulsante e eufórica. O barulho das gotas de suor, os olhos focados, a batida da bolinha verde... isso sem contar naquelas cenas e Guadagnino de baixo para cima como se os jogadores estivessem num campo de vidro, tudo isso faz o filme se tornar tão envolvente. 

Nascido em 1971, em Palermo, capital da Sicília, Itália, o cineasta traz para as telonas um estopim para falar de relacionamentos, juventude e sonhos, triângulo amoroso, casamento, família e o poder de submissão e controle. Claro, este estopim é o esporte! A carreira dos jogadores de tênis serve de âncora, ou, até mesmo, de desculpa para falar do triângulo amoroso que se desenvolve nas telas, nos bastidores, vestiários, saunas... A narrativa calada de Tashi (Zendaya) é um silêncio que manda e controla, mas é a amizade de infância de Art (Mike Faist) e Patrick (Josh O’Connor) que ganha nossa reverência e a partida final do campeonato. 


Narrativa crescente e potente 

A narrativa que Guadagnino faz com o roteiro de Justin Kuritzkes coloca a história numa surpreendente evolução de um único ato: o sexo. Mas, o filme não é sobre jogadores de tênis? Sim, e não. É “só sobre tênis”, como afirma Tashi, mas, por trás de tudo e de todos, é sempre sobre outras coisas, outras relações, outros dramas. Zendaya está no seu melhor papel, desde Euphoria. Mesmo estando nos holofotes por sua atuação em Duna, encontramos aqui uma mulher mais madura, mais convincente, mais centrada e com atuação mais adulta. Entre inocências e perversões, o trio consegue entregar o que poderia acontecer com cada faixa etária da vida. Editado e montado por flashbacks, Guadagnino extrai de cada personagem o melhor e o pior, o belo e o nojento, o prazer e o desprazer de estarem juntos. 

O jogo de tênis é uma figura de linguagem metafórica, em que Tashi funciona como uma pequena vilã safada e sensual, enquanto Art e Patrick são amigos sinceros que se atraem entre si e que se deixam levar pela sensualidade, beleza e as piscadelas de Tashi. A cada raquetada, temos um ato sexual que não precisa ser explícito e que bom que não é. O filme é sim, sensual, mas não é apelativo. Te da prazer, te dá tesão, mas, assim como no sexual nem tudo precisa ser explicado, a trilha sonora nos dá isso como um prazer gratuito e bem feito. Assim como no ato sexual, temos várias camadas de sentimentos, sensações, e atos, também é assim na direção de Guadagnino: os amigos comendo churros; as bolas verdes quicando no chão; os corpos nu no vestiário; a toalha branca... 

Como um bom e forte candidato para o oscar, esta narrativa que cresce assim como cresce do primeiro beijo até o gozar do ato, nada neste filme sobra e nada nele é desnecessário. A libido do filme extrapola os pixels das telas, e nos faz querer também participar da cena. A fotografia é muito bem construída e cuida de cada detalhe brincando com ângulos, com planos de olhar, de corpo e de cada POV (ponto de vista) que altera até mesmo o foco da narrativa, quando necessário. Temos diante de nós um filme visualmente belo, de poucas cores, e de envolvimento. Rivais até mesmo no sexo! Sim, pois a rivalidade dá tensão, prazer e flui tudo muito bem. O ato final é o gozo em seu ápice, o prazer em seu ponto alto. 


Filme de esporte bem feito! 

Ainda um pouco vivo em nossa memória King Richard: Criando Campeãs, de Reinaldo Marcus Green (2021), em Rivais temos a alegria de afirmar que quando um filme sobre esporte, ou que envolva esporte sabe respirar o esporte em si, isso faz toda a diferença. O que não vimos em 2021, aqui é explorado com conhecimento e veracidade. O próprio fato, por exemplo do filme ser demasiado longo, é também uma metáfora a um sexo que pode durar tanto quanto uma partida de tênis dentro de um campeonato. Estamos diante de um esporte que não é admirado por uma grande parcela das pessoas, contudo, o que encontramos em Rivais é mais do que uma partida, é um jogo inteiro, se é que você entendeu a metáfora do filme. 

O diretor de fotografia Sayombhu Mukdeeprom merece ter seu talento reconhecido. É ele que consegue captar as sensações e os pulsos de cada jogada do tênis. É ele que consegue colocar cada partida dentro de um relacionamento intenso e profundo, cheio de prazer e desejos – ainda estamos falando sobre tênis, certo? Rivais é bom, é muito bom e o fato de não revelar muita coisa, ou quase nada das relações íntimas dos homens é o que o faz ficar ainda melhor. Você tem liberdade para pensar e desejar o que quiser nas entrelinhas da vida, do dia a dia, de cada partida ou de cada sexo que praticar com uma garota de aplicativo como deixa para ter uma cama para dormir.



Por Dione Afonso  |  Jornalista

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