27 Nov
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Duna, longa adaptado pelo cineasta franco-canadense Denis Villeneuve chega à plataforma da HBO Max nessa semana. Sendo um dos longas que tem uma história bastante emblemática, essa nova roupagem dada às páginas de Herbert (pelo menos às primeiras páginas do primeiro volume) é um vislumbre grandioso e uma fotografia impecável para quem quis viver essa experiência diante das telas (tanto do cinema, quanto do streaming). Não existe filme para tela grande e filme para tela pequena. Existe o filme. O suporte midiático pelo qual você irá experimentá-lo é o que menos importa. Há sim um elemento de foro social e comunitário que é o de ir ao cinema e viver uma experiência em conjunto, com outras pessoas numa mesma sala. Essa experiência altera-se, e drasticamente. Ir ao cinema é um ato social e nos ajuda a aprender sobre alteridade, empatia e comunidade. Quando essa prática começa a se extinguir, o isolamento, o fechamento e a antipatia começam a ganhar forças. Contudo, o produto comunicacional sempre está ali, em sua essência, ele não se altera nunca. 

Depois daquela empreitada grandiosa e sem precedentes de uma adaptação de Alejandro Jodorowsky que nunca saiu do papel, David Lynch assumiu a tarefa de tornar Duna conhecido pelo público do audiovisual. Villeneuve aparece com uma nova versão quase 40 anos depois trazendo um elenco de peso e uma mudança narrativa que foi o ponto central para que o novo Duna se fizesse presente entre nós. Os planos abertos do cineasta nos inserem numa cena central enquanto outros eventos conseguem se desenrolar no plano de fundo dando ainda mais grandiosidade e diversidade à Duna. Villeneuve ainda usou uma paleta de cores bastante opaca, bem próxima a um deserto futurista dando foco fotográfico a tons de destoam de tudo o que é bege e amarelo apagado. (Atenção: há spoilers a partir daqui).   


Narrativas e a jornada do protagonista 

Diferente de Lynch e até mesmo do livro de Frank Herbert, Villeneuve optou em diminuir a quantidade de narrações em off para introduzir o universo de Duna às telas. Há apenas uma narrativa ocultada que aparece já na abertura e nas primeiras cenas. Quem narra é a fremen Chani (Zendaya) que logo já é introduzida nos sonhos messiânicos de Paul Artreides (Timothée Chalamet). Paul desperta de seu sonho e a partir daí a jornada desse herói que se assemelha, muitas vezes ao salvador da humanidade, uma espécie de enviado messiânico. Villeneuve decide, portanto, conectar todas as narrativas voltadas para Paul, fazendo dele, o protagonista e o dono da história. 

Paul Artreides tem uma relação pouco amigável com os pais Leto Artreides (Oscar Isaac) e Lady Jessica (Rebecca Ferguson), mas não ao ponto de se revelar rebelde e desobediente. Muito pelo contrário, as poucas cenas de Paul com a família são muito profundas e emblemáticas ao mesmo tempo. O livro de Herbert (ou os livros) apresenta um futuro bastante distante de nós, são mais de 10 mil anos depois, no qual a iminente guerra dividiu os povos e fez uns tornarem-se escravos de outros; fez uns mais poderosos e ricos que outros; fez uns ter casa, ao contrário de outros que vivem com a providência do deserto perigoso e mortal. A Casa Artreides, liderada por Leto, foi alvo de um golpe político que tinha o objetivo da erradicação do nome Artreides. Contudo, com a sobrevivência de Paul e de uma filha a caminho, Villeneuve precisa decidir se o herói/messias irá vingar sua Casa ou se vai promover o encontro das culturas. 

Paul Artreides nos deixa, portanto, diante de uma encruzilhada: ou ele, continuará sua jornada e suas visões; ou ele se deixará sua missão (ou o que ele acha que é) para viver junto dos fremen (claro que aqui não daremos spoilers dos livros). Resolver essa questão será essencial para o sucesso de uma franquia futurística que pode tornar Duna ícone do universo científico-fictício de um futuro distópico. 


Conflitos e a corrupção de organizações 

A obra de 1965 é sobrecarregada de conflitos políticos que influenciam e exortam discussões sociais, ecológicas, religiosas, econômicas, ambientais, sócio humanas... e traduzir tudo isso para as telas foi um trabalho hercúleo de Villeneuve. O cineasta consegue apresentar até com certo horror, o que a corrupção de um sistema pode provocar dentro de uma organização e de uma estrutura humana de sobrevivência. O barão Harkonnen (Stellan Skarsgard) é repugnante, canibal e representa a pior espécie política que já existiu. Capaz de dizimar até um planeta, se preciso for, em nome de poder e vingança. 

A morte de Duncan (Jason Momoa) representa, por outro lado, aquele líder (político ou não) que ainda tem esperança e acredita que a guerra pode ter um fim com menos sangue e menos conflitos. Seu sacrifício exalta mais uma vez o discurso religioso de alguém que se sacrifica por seu messias (Paul). A amizade que Villeneuve colocou entre Paul e Duncan entregou uma das melhores cenas de sua obra. A maior guerra que Duna enfrente é de poder. Isso se assemelha muito a Game Of Thrones, enquanto os povos buscam eleger alguém para o trono de ferro, Herbert busca libertar aqueles que usam da extração de especiarias de um planeta afim de sustentar até com certa cobiça e ganância, outros planetas. É tirar de um, matando-o, dizimando-o para a sobrevivência de outro. 

Por isso os sonhos e visões sobrenaturais de Paul Artreides que o coloca no caminho desses outros planetas em busca de unidade e aliados para derrubar quem quer destruir e matar. Duna de Denis Villeneuve traz menos da metade da história do primeiro volume. Por mais que temos mais de duas horas e meia de tela, a nova adaptação é mais um prólogo daquilo que está por vir. Duna, parte 2, tem, com isso, uma grande responsabilidade em começar a responder e a fechar arcos inconclusivos do longa de 2021. O que faz ser um filme grandioso é a sua pretensão em querer responder tudo o que Paul Artreides sonhou... e aí? É o maior filme de ficção científica de todos os tempos?




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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