05 Mar
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Um elenco impecável; atuações fora do comum; uma temporada que abandona a alegria, as cores, as músicas e adota um anti-clímax, um suspense, um drama pesado. O fenômeno de Euphoria não se importa com a coesão narrativa. Inclusive, a história acontece de modo não-linear, perde-se um pouco com o roteiro, esquece de personagens significativos na trama. Sam Levinson, diretor da obra, deixa claro a sua liberdade criativa e faz escolhas para dar à Rue, personagem de Zendaya a redenção que o jovem precisa para seguir sua vida. 

Com cada temporada durando oito horas fechadas, a diferença do primeiro pro segundo ano é visível. Se antes, Levinson optou em abordar um personagem a cada hora, no segundo ano, a escolha foi diferente. A vida regada a comprimidos, êxtases, drogas e álcool confere ao corpo humano uma condição impotente e puramente de dependência doentia e sugadora. A tentativa de ser mais intimista e menos focal na segunda temporada teve como foco a redenção de cada personagem, mesmo que isso não tenha ficado claro com boa parte do elenco. 


Lexi e sua releitura dentro da leitura 

Lexi (Maude Apatow) foi a personagem que mais cresceu nesse segundo ano. No decorrer dos oito episódios, sua peça teatral “Nossa Vida” foi um belo arco para encerrar esta temporada. Uma releitura partindo de dentro da história. Alguém que não encara o holofote mas vive e relê a própria vida. Os dramas psicossociais e até mesmo a falta de resposta e de conclusão de personagens como Nate (Jacob Elordi); McKay (Algee Smith); Kat (Barbie Ferreira); Fezco (Angus Cloud); Elliot (Dominic Fike) comprometem a qualidade e o hype da série como um todo. 

Fenômeno televisivo e de grande repercussão polêmica, Euphoria é uma série jovial produzida para o público adulto. E isso é confuso, pois trata de dramas adolescentes nos quais os próprios adolescentes são impedidos de assistir. Se você se incomoda com o peso dramático da segunda temporada, perceba que também nessa segunda leva de episódios as interferências dos personagens adultos estão mais presentes. Levinson se ocupou em encerrar a história do pai de Nate, por exemplo, Cal Jacobs (Eric Dane); a mãe de Rue, Leslie Bennett (Nina King) também surge como uma mentora, mulher adulta que decide, mais uma vez, lutar pela vida da filha; Laurie (Martha Kelly) a poderosa contrabandista de drogas na cidade que dá à Rue a chance de se autodestruir. E isso quase mata a nossa protagonista. Entre outros atores que dão pequenas aparições para “colocar as coisas no lugar”. 

A conclusão da temporada com a peça de Lexi representa para nós uma visão daquilo que pode ser real na nossa vida e aquilo que não passa de alucinações provocadas por elementos narcóticos externos ao nosso corpo. A própria dinâmica que mistura os personagens reais com os que a peça trouxe consegue nos incomodar com essa dúbia reflexão. Por fim, o momento de redenção é também um momento de escolhas decisivas e, se, obviamente, optamos por um, outros elementos terão que ser deixados para trás. 


É sempre um drama ter que lidar com os próprios traumas 

Fazer chorar é muito mais fácil que fazer rir. O drama, infelizmente, sempre tem mais destaque e glória do que a comédia. Parece que viver feliz não dá ibope e não rende premiações e nem oscar. Mas, contar uma história feliz, de alegrias, risos e brincadeiras, parece ser coisas “para inglês ver” e não se aproxima da realidade. Se o segundo ano trouxe novos personagens, fica claro que novos problemas teriam que serem introduzidos na trama. Parece-nos que não foi esse o sentido para Elliot, por exemplo, entrar na história. O famoso “fogo no parquinho” pode ser usado aqui como definição objetiva de sua presença no segundo ano da série. Elliot meio que reforça a recaída de Rue que se deu quando foi abandonada no final da primeira temporada por sua namorada Jules (Hunter Schafer). 

Escrita e criada por Sam Levinson, vale lembrar que Euphoria adapta uma versão israelense. Na trama central, a história ronda a vida de Rue e seu luto não superado pela morte do pai. Junto dela, o ambiente apresentado é uma escola onde outros adolescentes também estão na fase de novas descobertas, seja da sexualidade, da profissão, dos sonhos pessoais, do amor e da amizade. Identidade de gênero, sexo, drogas, autoaceitação e superação do luto são temas cruciais e centrais durante esses dois anos da obra de Levinson. 

Por fim, a série continuou pesando em transmitir a nós muitos sentimentos profundos, peados e inquietantes. A paleta de cores – sempre fria, sem tons quentes – passam uma experiência de constante alerta e negação da própria condição humana. Os flashs de luz serviram para nos ludibriar e voltar a sorrir, mesmo se o corpo decai e se autodestrói. Pontos centrais dessa temporada direcionam à Rue, que, no ponto alto da abstinência derruba uma porta com socos e de Cassie (Sydney Sweeney) que aborda um ritual de beleza que evoca uma atmosfera de terror/horror. É insano, assustador. Tudo em busca de chamar a atenção de outra pessoa.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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