07 Sep
07Sep

Antes de entrarmos no tema de Respira, novo sucesso espanhol da Netflix, é oportuno exaltar tantos de nós que nos formamos assistindo aos infindáveis episódios de Grey’s Anatomy (2005 - ), que já na sua 21ª temporada, parece que não termina nunca; ou, ainda, mencionarmos House, M.D. (2004-2012), que chegou ainda antes da obra de Shonda Rhimes; ou, os mais recentes que encontraram lugar no carismático Freddie Highmore em The Good Doctor (2017-2024). A nova obra é criação de Carlos Montero, um roteirista espanhol que ganhou nome com Elite (2018-2024), e que assina trabalhos como A Desordem Que Ficou (2020); Apaixonados Outra Vez (2023 - ); Física ou Química (2008-2011), Montero também é diretor de cinema e produtor. Respira é ambientada num hospital da rede pública de saúde, na Espanha e a trama segue funcionários e pacientes tendo que lidar com situações de vida ou morte entre conflitos políticos e familiares. Vale lembrar que o sistema de saúde pública na Espanha é autônomo e não de responsabilidade do governo. 

Nós temos dois motivos pra te convencer a dar uma chance em dar play na primeira temporada: Manu Rios e Najwa Nimri. Dois nomes de peso num elenco maravilhoso que ainda conta com a ingenuidade de Xoan Forneas; o agouro de Borja Luna; a inteligência de Aitana Sánchez-Gijón; as incertezas de Blanca Suárez; os segredos de Alfonso Bassave e muito mais. A história segue Biel De Felipe (Rios), um residente que ama a profissão e trabalha sem medir esforços num hospital público que está prestes a experimentar um colapso devido a cortes de financiamento, superlotação e desgaste profissional de seus colegas de trabalho. Tendo que decidir de que lado ficar numa greve – se dos profissionais ou do juramento da medicina – Biel assume seu lugar. 


Narrativas ruins, mas com boas atuações 

Entre um episódio e outro, um conflito e outro, a série tenta consolidar como um novo sucesso no gênero. Contudo, perde-se entre as histórias pessoais de cada personagem e não sabe muito bem como lidar e para onde deve ir. Há muita coisa boa que se salva e a chegada da Presidente da Comunidade responsável pelo hospital, Patricia Segura (Nimri) é um acerto que vale ouro. Primeiro porque esta atriz é formidável e Najwa Nimri nunca entrega uma nota mais ou menos. Ou ela é, ou ela não é, e a política Segura possui uma postura firme, aviltante, valente e que não esmorece nunca, nem mesmo diante da descoberta de um câncer de mama já em estado crítico. Segura é aquela personagem que se durar muito poderá nos render boas oportunidades de roteiro. Sua conexão com Biel poderia ter rendido um pouco mais, contudo, Manu Rios também mostra que não veio para brincar e entrega tudo de si. 

Por outro lado, há outras narrativas que não obtiveram sucesso e se perderam no meio do caminho. A cena em que um residente tira a própria vida, atirando-se do terraço do hospital é chocante, contudo, pouco explorada. Para começo de conversa, Rodri Donoso (Víctor Sáinz), irmão de Jéssica Donoso (Blanca Suárez) é um ótimo ator e que foi pouco aproveitado. A decisão do roteiro em tirá-lo de cena pode ter sido um ato de coragem, mas o público sentiu que a boa lição faltou sobre temas tão pertinentes como o suicídio e a falta de tato para lidar com a pressão em ambiente profissional e colapsado. Sáinz durou pouco com seu personagem, mas entregou tudo. O que faltou com Suarez, que dá vida à Jéssica. Uma médica que mostra ser muito boa no que faz, mas que se encontra perdida na vida, no amor, e, parece que até no trabalho. 

Jéssica ainda mantém um namoro com o Diretor do Hospital, o Dr. Lluís Bonet que aparece uma vez ou outra tornando seu personagem irrelevante e esquecível. A obra de Montero tem até boas intenções, mas quando ela se perde no meio do caminho, deixa muitas narrativas sem soluções, ou, se as solucionam, as câmeras não registram. O núcleo central de toda a trama acaba se perdendo de seu protagonista o que deixa Biel comprometido. Outro acerto é com a Dra. Pilas Amaro, personagem de Sánchez-Gijón. Mulher de presença, firme e que também tem um drama familiar pesado e não muito tranquilo de se conviver. Um filho viciado, perdido, jovem e que precisa de 100% de atenção. Ao lado de Sánchez-Gijón, o personagem de Xóan Fórneas, o residente, Quique acaba encontrando uma âncora para salvar sua narrativa dentro da série. 


Para onde vamos? 

Para concluir, o episódio final é a soma de desespero mais a falta de novidade. Encerrar uma primeira temporada com uma cena que tentou nos chocar, mas que escolheu o personagem errado numa situação esquecível e irrelevante foi o mesmo que jogar a única oportunidade de vencer uma partida fora. O tema central da série é o estresse diário num sistema colapsado na qual o ambiente que deveria ser saudável e de vida tem se tornado uma tormenta e lugar de morte. Contudo, até este núcleo vai se perdendo a cada episódio. Limites éticos são postos à prova e até mesmo aquele Juramento de Hipócrates é desafiado e posto à prova. Se o sistema está em crise, que se explore isso com mais afinco e ousadia. 

Se a primeira temporada tivesse investido num final focado em Patricia Segura, ou na própria Dra. Pilar com suas questões desafiadoras da política ou da família, o impacto e a ansiedade por uma segunda temporada teriam sido maiores e mais bem aproveitados. Até mesmo na falta de humanidade e na arrogância do Dr. Moa (Borja Luna), se tivesse investido um pouco mais em sua falta de credibilidade ou até mesmo numa dúbia interpretação de seu futuro, talvez, a série ganharia mais uma vez a nossa atenção. Desperdiçar um roteiro com um final focado numa personagem esquecível e pouco carismática é o mesmo que dizer adeus a algo que nem precisou acontecer.



Por Dione Afonso  |  Jornalista

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