24 May
24May

Quando a primeira temporada de Quem matou Sara? chegou no streaming, o público foi com grande expectativa, pois havia a promessa da série ser uma releitura atualizada do estilo Agatha Christie, a Rainha do Crime. Contudo, o estilo novelesco mexicano de José Ignácio Valenzuela de introduzir a trama e o crime que a movimenta começou a não agradar muito o seu público. Para quem curte uma novela apaixonante cheia de jovens, sexo, corrupção e porões sujos de esquemas antissociais e assassinos, a história até poderá agradar. Para quem esperava algo mais sério e de suspense, a decepção veio sem freio. 

Chega, então, a segunda temporada. Os clichês retornam e dessa vez, sem economizar. Fica nítido que a obscuridade do futuro dos personagens começa a se tornar um problema. De “quem matou Sara?”, a narrativa nos leva a pensar quem era, de fato, Sara. A sua morte começa a se tornar dúvida e sua integridade é colocada em xeque. Será que Sara era mesmo a vítima de toda essa história? Valenzuela abandona o estilo “Agatha Christie” – que na nossa opinião, ele nem chegou a ter – para adotar um estilo mais de segredinhos românticos o que pecou no ritmo de toda a história. (Há spoilers a partir daqui).   


De volta ao início 

Três temporadas de um triller que começou com um crime/assassinato embebido de muito sangue e corrupção chega ao final com dramas sociais graves e roteiro simples e direto. Quem matou Sara? Não é mais a pergunta central – inclusive desde a segunda temporada, onde era mais urgente descobrir onde Sara estava – e objetivo da narrativa consiste mais em desvendar que segredos nojentos e antissociais estão por trás de toda uma narrativa que se concentrava numa garota inicialmente sem elementos para segurar uma história. 

O criador, José Ignácio Valenzuela já havia alterado seu caminho na temporada anterior. Agora, ele parece ter se preocupado mais em dar a cada personagem um fim que fosse condizente com a trajetória que fizeram em pouco mais de 30 episódios. Ao protagonista, por exemplo, Álex Guzmán (Manolo Cardona), irmão de Sara Guzmán (Ximena Lamadrid), Valenzuela precisou dar motivos suficientes para que segurasse toda a história. Vamos relembrar: Quem matou Sara? Segue Álex Guzmán, que, depois de ser preso e cumprir pena pela suposta morte da irmã, sai da cadeia disposto a descobrir quem foi o verdadeiro assassino de Sara. Em sua jornada, Álex descobre que o magnata da família Lazcano além de traficar garotas para prostituição tem todo o seu império ancorado por dinheiro sujo de roubos, assassinatos e corrupção. 

O protagonista de toda a história de Valenzuela precisa encontrar o caminho da justiça e abandonar o da vingança. Dar redenção ao seu personagem pode se tornar difícil tarefa quando o pensamento dele está mergulhado em um profundo ódio que só quer ver todos os culpados pagando caro pelo crime que cometeram. A temporada final tenta se desvencilhar dos clichês usados em demasiado nos episódios anteriores, entrega uma rápida conclusão e cumpre com a missão de finalizar a história de cada personagem. 


O que aconteceu com Sara Guzmán? 

É a pergunta, de fato, que mais nos importa agora. Álex tem indícios de que a irmão não morreu naquele acidente numa colônia de férias com seus amigos. Mas, para onde ela foi e o que fizeram com ela é que guiou toda a temporada. Valenzuela consegue entregar só no último ano qual é o verdadeiro foco de sua história: todo girou para inserir um programa científico que trata de forma desumana e não aceita pela saúde pública a esquizofrenia e a homossexualidade como distúrbio mental. Os médicos encaram essas duas condições humanas como desvio de consciência e o Projeto Medusa é um centro de experimentos científicos que estuda jovens “voluntariamente”. 

Já no início da história Valenzuela dava indícios de que a relação homossexual em personagens como José Maria (Eugenio Siller), filho Lazcano e de Daniela que é filha do médico cientista responsável pelo centro de pesquisas. Mas não parecia que esse tema iria ser tocado de forma tão desumana e cruel como foi. A série não se preocupa em debater o tema, mas mostra uma intolerância à diversidade levada ao extremo quando os próprios pais, alguns idolatrados pela religião masoquista que enxerga isso como pecado mortal, é quem interna os filhos na esperança de uma cura. 

Mas é nesse contexto que surge o destino final de Sara Guzmán. Sua morte foi forjada para que os pais não interferissem num tratamento esquizofrênico. A jovem foi internada no centro de pesquisas no qual a esquizofrenia era tratada por um método rude, através de choques e um procedimento que sugeria uma abertura no crânio. Esse procedimento levava à morte diversos pacientes. O mesmo era sugerido com pacientes gays: tratamentos de choque, inclusive choques nas partes íntimas; mergulho em banheiras cheias de gelo etc. 


A jornada final 

Valenzuela, claramente decidiu que cada personagem vivia numa bolha e numa narrativa que funcionava sozinho. A cada um ele deu a redenção que mereciam. A família Lazcano terminou sem nada com o pai mangnata doente e preso, onde, provavelmente faleceria antes de terminar a pena de 40 anos; a mãe, louca num convento; José Maria, traumatizado, mas amparado pela irmã e Álex. Este, por sua vez, termina a sua jornada vitorioso depois de garantir o descanso eterno à sua irmã Sara, que se suicidou na clínica não suportando o tratamento desumano a que era submetida. 

O estilo novelesco mexicano se manteve nas três temporadas. Sem eventos grandiosos ou cenas impactantes, a série termina como começou: a clássica cena de novela sobre o horizonte, a mesma que introduz seus personagens, conclui a vida deles... A série perdeu o seu interesse na segunda temporada quando as histórias não se sustentavam mais, talvez seja por isso, a decisão de cada personagem ter seu final na tela, separadamente. 

O que era pra se tornar um suspense estilo Agatha Christie, tornou-se um romance estilo Machado de Assis que, quando se aproxima do final, não sabe o que fazer com os personagens e começa a matar todo mundo. Cada família envolvida no sequestro de Sara Guzmán terminou a saga incompleta. Não sobra quase ninguém e os poucos que sobram enlouquecem e tentam seguir a vida sozinhos, abandonados, pobres e sem perspectivas de futuro.




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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