15 Apr
15Apr

“As pessoas nem sempre são o que revelam ser”.    

[Agatha Christie].   




Quem matou Sara? não é uma adaptação de escritos originais da escritora britânica. Agatha Christia, conhecida como a Rainha do Crime serviu mais de inspiração ao criador. Suas narrativas de investigação que consagram Hercule Poirot como um dos mais aclamados detetives da história servem de grande inspiração para trazer o novo sucesso da Netflix para as telinhas dos brasileiros. 

Claro que por trás da trama há fortemente os elementos bastante clichês de uma novela. Até porque, não tem como julgar, uma vez que o criador José Ignacio Valenzuela, é famoso por escrever novelas mexicanas. Seus clichês processuais são evidentes na temporada de suspense da Netflix, mas não tira o brilhantismo que prende o público até o último episódio. 

Um outro elemento que se deve destacar é a condição de tirar o público da atenção original marcada pela fórmula consagrada de “quem matou?” e direcionar-nos para um novo mistério: até onde a vítima é tão vítima assim? Mais um clichê novelesco que é determinante na série. 


“Quem matou Sara?” 

No início, dois elementos são dignos de aplausos: primeiro, o público fica fascinado com a citação direta de um dos escritos de Agatha Christie o que faz o público criar uma relação com a produção. Ver um nome tão conhecido e lido por muitos numa produção televisiva é algo que gera certa adrenalina. E, segundo, o mistério de toda a trama já começa nas primeiras cenas ao já nos lançar no fatídico dia em que Sara Guzmán (Ximena Lamadrid) morre. E a cena é interessante, pois não pressupõe de antemão, um assassinato, mas um acidente. 

Diante do fato ocorrido, Álex Guzmán (Manolo Cardona), o irmão de Sara, é sentenciado a 18 anos de prisão pela morte de Sara. Considerado o assassino, e manipulado por uma família de magnatas, Álex se vê traído pelos amigos e é conduzido a um cárcere não apenas de crimes, mas de sua própria identidade. Tudo o que ele era até ali poderia não mais existir. 

Por fim, após esse escopo inicial a série dá um salto de 18 anos nos levando ao dia em que Álex deixa a prisão e retorna à vida fora das grades disposto a um recomeço. Outro fator de novela que funciona e leva-nos a querer saber como se dará a sua vida futura após 18 anos de prisão. Álex, durante o tempo na cadeia perde sua mãe, que já era doente, e perde toda a confiança que tinha em seus amigos.   


O verdadeiro culpado 

Bem no estilo de Agatha Christie, conforme a série vai se desenrolando, nós somos levados a elencar os possíveis culpados. E é impecável a maneira na qual nós somos induzidos a apontar para um ou para outro considerando-o como assassino. Tudo o que Álex desempenha foi arquitetado por ele durante o tempo que passou na prisão. Aprendeu as artimanhas das novas tecnologias e começou a perturbar a paz da família Lazcano. 

Sara estava grávida enquanto mantinha uma relação com Rodolfo Lazcano (Alejandro Nones), filho do magnata César Lazcano (Ginés García Millán) e Mariana Lazcano (Claudia Ramírez). No entanto, o senhor Lazcano tem uma vida não tão digna assim e percebemos que seus negócios são baseados no tráfico ilegal de animais silvestres usados para a cultura de moda e de joias e também no tráfico humano de mulheres para a prostituição clandestina nos porões de seu cassino, no qual, seriedade e justiça não são seus valores comerciais. 

Lazcano é o típico vilão cruel e perverso que não evita sujar as mãos para conquistar tudo o que deseja. Envolve-se com Sara sabendo da relação dela com o filho Rodolfo. Lazcano é o protótipo machista que defende a ideologia no qual considera a mulher como objeto de prazer e de submissão no qual ela existe apenas para realizar tudo o que o homem quer. Se ela não o obedece, ela não tem porque continuar respirando. O filho de Sara, portanto, não era de Rodolfo, mas do pai dele. 


Quando a ficção denuncia os problemas reais 

Quando a primeira temporada se conclui, mas sem concluir, ela se revela, no decorrer desses 10 primeiros episódios que a fórmula “quem matou?” vai ficando em segundo plano na medida em que outros problemas mais sérios e mais reais ainda vão se afirmando. Mesmo Álex com sua atitude obcecada em destruir o império Lazcano, as narrativas que vão surgindo conduzem os personagens a novos contextos de grande violência e violações humanas. 

O fato de Álex se relacionar sexual e depois amorosamente com Elisa Lazcano (Carolina Miranda) mexe com seus pensamentos, mas não o tira do foco. Aos poucos Elisa vai percebendo quem é seu pai, e em que família está inserida. Os crimes sanguinários com os animais, por exemplo, a faz desafiar e enfrentar a figura masculina, autoritária e machista do pai. Claro que o senhor Lazcano a ameaça usando sua conta bancária e cartões de crédito ilimitados. 

O poder de um autoritarismo perverso é como uma corrente sem fim que prende milhares de pessoas sem deixar pontas ou cadeados capazes de as soltar. É assim que César age e é assim que ele age até mesmo com sua família. A figura feminina na série mexicana é objetificada e massacrada pelo poder capitalista e desumano. Não existe mulher, existe um sexo que é capaz de me satisfazer enquanto eu quero e me é útil. Depois, eu posso jogar fora, mata-la, porque não me é útil mais. 

Esse discurso nojento ainda é mais repugnante quando o adolescente Bruno (Iñaki Godoy), filho do primeiro casamento de Sofía (Ana Lúcia Dominguez), atual esposa de Rodolfo, é apresentado a esse caminho perverso de luxúria e prazer e é induzido por César a também usufruir do corpo objeto feminino e se tornar homem. Claro que Bruno tem outros princípios e ideais e não concorda com o que vê nos porões do cassino. 


“Quem matou Sara?” ou, quem era Sara Guzmán?

Confirmada para a segunda temporada ainda no primeiro semestre de 2021, a série não se contenta em colocar a senhora Lazcano como culpada do crime. Uma religiosa sadomasoquista que acredita que o sacrifício do corpo a purificará de seus erros pecaminosos a coloca como assassina. Ajudada pelo fiel empregado Elroy (Héctor Jimenez), adulteram a segurança do paraquedas que lançam a jovem Sara no lago causando a sua morte. 

O episódio final, no entanto, provoca uma reviravolta e confusão em nossas cabeças quando Álex Guzmán descobre, no quintal de sua casa o esqueleto de um corpo com uma marca de tiro no crânio. Elisa, Rodolfo e José Maria Lazcano (Eugenio Siller), agora, juntos, novamente, são tomados por expressões faciais apavoradas. Afinal, quem mesmo era Sara Guzmán? De quem é aquele corpo? Quem o matou e enterrou justamente no quintal da família Guzmán? Ademais, só a segunda temporada para nos ajudar a descobrir. 

Álex parece perdoar Rodolfo de tudo o que ocorreu no passado quando o melhor amigo foi conivente com a sua condenação. A reaproximação de José Maria ainda pode querer demorar um pouco mais. Afinal, sua relação com o marido Lorenzo (Luis Roberto Guzmán) e a jovem como barriga de aluguel do casal gay ainda pode nos render uma boa história. 


A primeira temporada de Quem matou Sara? tem 10 episódios e está disponível na Netflix. A segunda temporada tem data marcada para 19 de maio na plataforma. 





“Somos uns filhos da puta que ferem a quem amam, e a todos em volta. É a única coisa que sabemos fazer. Somos pessoas boas e cometemos um erro. Quero ensinar ao meu filho a não ferir as pessoas que ama. Tudo no devido tempo.” 

(Valenzuela, “Quem matou Sara?”, 2021, Netflix, S01.)




Por Dione Afonso Jornalismo PUC-Minas

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