26 Dec
26Dec

Depois da grandiosidade da cinebiografia que Baz Luhrmann dirigiu sobre o Rei do Rock, agora, pelas mãos da talentosa e enigmática cineasta Sofia Coppola, conhecemos o mesmo Elvis sob um novo olhar: o de Priscilla Presley, sua primeira esposa. Priscilla é mais um daqueles trabalhos de Coppola que escancara a sua marca cinematográfica com cenas detalhistas e de poucas cores, mas de muita profundidade. O cinema de Sofia Coppola é “um contar simples e comum” de cada história em que você se dispõe a narrar. Um homem como Elvis que teve uma vida caótica, conturbada e de meteórica ascensão e queda, dar voz à Priscilla, uma jovem cortejada por ele desde seus 15 anos é um gesto de coragem e ousadia que a cineasta se dispôs a realizar. 

Esta é a segunda vez que a obra literária escrita por Priscilla Presley ganha as telonas. O livro, publicado em 1985 ganhou, pelas mãos do diretor Larry Peerce uma primeira adaptação 3 anos depois. Dale Midkiff e Susan Walters deram vida ao casal protagonista. Midkiff não parece ter agradado muito interpretando o astro dos palcos, mas, em “Elvis e Eu”, quem ganha a cena é Walters entregando uma Priscilla convincente, corajosa, sonhadora e submissa. Agora, sob o olhar de uma mulher diretora e talentosa, Sofia Coppola já, no nome da obra, tenta mostrar que nosso olhar se volta para a senhora Presley que, teve sua vida sugada e determinada por um Elvis rancoroso, estranho, maldoso e drogado impecavelmente protagonizado por Jacob Elordi. 


Por trás de um grande homem... 

A grandeza, o sucesso, a fama e a majestade de Elvis Presley é algo incontestado até hoje. O artista ainda ganha o gosto do público, a nova geração, quando ouve sua música tocar, ainda vibra e se sente realizada por ter sua música disponível. O ator que faz sucesso na série Euphoria já vem ganhando o interesse de Hollywood e de produtores por conta de sua capacidade inteligente de interpretar. Seu personagem, Nate, um jovem tóxico, hétero top macho alfa, machista e controlador parece ter transposto todas essas características para construir o Elvis de Coppola (ou seria de Priscilla). Para quem já tinha um ranço dele na série, isso se confirma no filme. Por trás deste grande homem há a confirmação que a mulher que nasce e se torna submissa, obediente e que cumpre com as tarefas de uma sociedade machista – procriar, cuidar da casa, ser mãe e satisfazer os desejos do marido na cama – reafirma o papel social de sobrevivência feminina. 

A atriz Cailee Spaeny, de 25 anos entrega uma jovem (quase adolescente) sonhadora e inocente. Seus pais, mesmo que preocupados com o futuro da filha, cedem aos encantos daquele jovem artista que entre tantas mulheres em todo o mundo caindo aos seus pés, ele escolheu a jovem Priscilla que vive sozinha com a família num campo afastado da cidade e de amigos seguindo seu pai Capitão de Guerra. Priscilla foi casada com Presley entre os anos 1967 a 1973 e deste casamento nasceu uma filha, Lisa Presley. Spaeny faz o público querer seguir a jornada de Priscilla e ver até onde aquela jovem vai conseguir ir ao lado de Presley. 

O Presley de Elordi, de alguma maneira, amava aquela menininha que se encantava com sua beleza e sua fama. A voz baixa, quase que sussurrante de Spaeny como Priscilla nos dava a sensação incômoda de prisão, submissão, repressão e, ao mesmo tempo segurança. Coppola soube administrar o sonho da princesa com (daquela, presa em seu castelo, no alto da torre) a sua coragem, quase tardia, em pegar a carroça e ir em busca de outro príncipe, pois, a sensação aqui, é que Elvis Presley, ao ser beijado, o feitiço funcionou ao contrário (o príncipe parece ter voltado a ser sapo). 


... só existe ele mesmo e seu poder 

São assustadores (e confusos) os momentos de intimidade que o roteiro nos revelou entre o astro do rock e sua menininha. Um homem alegre, comunicativo, com gingado na cintura, cantor e extrovertido, tornava-se alguém espiritualista (essa parte foi surpresa), respeitoso, delicado, de pensamentos ocultos e sombrios e, por vezes arrogante e violento. Era um outro Elvis, totalmente diferente daquele que a cinebiografia estrelada por Austin Butler nos mostrou há um ano. Por trás deste grande homem só há ele mesmo e seu poder, sua solidão, seu fracasso, seus medos e pesadelos e há Priscilla. Longe dos palcos, dos fãs, dos holofotes, uma namorada/esposa que não apareceu em público, era escondida, ou melhor, tratada como um troféu que só podia ser utilizado em seus momentos de intimidade. 

Elvis Presley fez de Priscilla a sua boneca perfeita: as cenas em que ele escolhe sua cor de cabelo, que tom de roupa combina com ela, maquiagem para os olhos, revelam pelo olhar tóxico de Elordi a satisfação em poder “controlar algo que é só dele e que vive só para ele”. Uma questão que entra aqui é o problema da idade de Priscilla quando conheceu o astro do Rock. Muito jovem, inocente, meiga e que pouco conhecia sobre a vida, não foi preciso uma domesticação e nem domá-la. A narrativa fílmica revela que a naturalidade em que as coisas iam acontecendo e se concretizando era como se a história precisasse ser, de fato, do jeito que foi. 

Priscilla é o perfeito (e horrível) retrato da mulher que é silenciada e que serve aos desejos do homem; é a representação real e atual da luta de mulheres que buscam ter voz ativa e participativa na sociedade, mas são sufocadas por um sistema machista que as afogam no lugar de submissão; Priscilla é aqueles dois passos dados para trás ao invés de avançarmos rumo para uma comunidade de gênero mais igual; é a própria realidade que nos mostra, através de dados concretos, que a violência contra a mulher cresce todos os dias, porque elas não aceitaram serem controladas por homens arrogantes e violentos; é aquele grito de socorro que eclode de tantas casas e famílias por mulheres, mães, filhas, jovens que estão sendo maltratadas e impedidas de sonhar. Priscilla sonhou a tempo de deixar tudo e ir construir uma nova vida.




Por Dione Afonso  |   Jornalista

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