01 Mar
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“Se ficar preocupado com o passado que não pode mudar, você vai ficar louco. Acho que, às vezes, gostamos de achar que controlamos nosso destino, não é? Mas muitas vezes nossas vidas são moldadas pelas escolhas dos outros. Nunca se sabe tudo sobre uma pessoa. Você enlouqueceria tentando saber”. 

[Steve Lighfoot, “Por trás de seus olhos”, Netflix, 2021].   



A cada semana nos surpreendemos com as táticas que o entretenimento do audiovisual aborda para trazer para as telas aquela história que deu certo nos livros. As adaptações literárias têm ganhado cada vez mais sucesso de audiência conquistando um público diversificado de gosto e de idade. É inegável que aquele que adapta melhor uma trama em enredo e roteiro bem costurado se sai bem nessa onda. 

Foi o que aconteceu com o romance de Sarah Pinborough, Por trás de seus olhos. Lançado há uma semana pelo serviço de streaming da Netflix, a obra de Pinborough ganhou uma minissérie de 6 episódios (pelo menos, por enquanto) partindo do olhar do criador Steve Lightfoot. Sua criação fez da obra literária uma história regada a amor, sexo, traição e muita manipulação, tanto de quem vive a história, quanto de quem a assiste. 

É inegável que em certos eventos, e alguns meio paranormais ou sobrenaturais, se você quiser chama-los assim, não nos sentimos lá dentro da cena, vivendo aqueles sonhos de uma vida tranquila e com tudo o que desejamos ter. E, se algo não nos faz bem, não queremos em nossos sonhos e nem em nossos pesadelos. Lighfoot conduz sua narrativa partindo de momentos casuais e até mesmo de encontros desconectados como esses esbarrões que acontecem sem querer nas calçadas com desconhecidos. Até que coroa com revelações bombásticas e nos deixa boquiabertos nos sentindo até mesmo burros por ter sido manipulados tão facilmente assim. E isso é tudo “por trás de seus olhos”. 


Por trás de seus olhos eu te manipulo 

No início a série se apresenta com o intuito de ir abrindo portas das mais variadas possíveis sem ter o compromisso de nos dar respostas sobre o que elas irão nos ofertar. Nesse emaranhado de caminhos e de histórias desconectadas nos é apresentado os personagens dessa trama: Louise (Simona Brown) é uma jovem mãe, divorciada que vive num apartamento gentil e harmonioso junto de seu filho Adam. Secretária de um consultório psiquiátrico, Louise leva uma vida preenchida com seus afazeres de mãe e dona de casa. Leva o filho na escola, divide ele com o ex-marido nos finais de semana e tenta se divertir em bares e encontros casuais e com suas amigas. Numa dessas distrações prazerosas da vida Louise conhece um homem que a atrai pela beleza e gentileza, trocam um beijo e a cena nos deixa assim, com uma vontade de “eu queria mais”. E nós ganhamos mais! Ao ir para seu trabalho, Louise iria conhecer o novo psiquiatra do consultório e que seria seu novo chefe. Ela descobre que se tratava do cara que ela beijou há algumas noites num bar e, que ele David Ferguson (Tom Bateman), era casado com Adele (Eve Hewson). Uau! Que reviravolta, não é mesmo? 

E está formado o arco que movimentaria toda a trama. Um triângulo amoroso é formado. Adele se aproxima de Louise tornando-se a melhor amiga dela e David volta a se encontrar com Louise e os dois começam a se envolver numa relação apaixonante e envolvente. Em doses homeopáticas a série começa a nos dar gotas de desconfianças sem deixar transparecer que o enredo está nos manipulando a todo instante. Ao mesmo instante que somos induzidos a duvidar do caráter de David, percebemos que a “santidade” e a “sanidade” de Adele não é assim tão perfeitinha. Louise também divide nossas opiniões ao chama-la de vítima ao mesmo tempo de oportunista.

Assim, a trama vai seguindo nos deixando confusos e sem saber onde essa história vai parar. Sabemos que um arco grandioso está para nos ser entregue no final, mas não fazemos ideia do que será e nem como irá acontecer. 


Por trás de seus olhos você pode ser muito mais 

Com pequenos flashbacks no estilo Flanagan (de A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Mansão Bly), começamos a entender a origem de David, Adele e algumas perguntas começam a ser respondidas. As explicações que nos são dadas das cenas de um manicômio para recuperação de viciados, Adele vive uma amizade com Rob Hoyle (Robert Aramayo), viciado em heroína. Rob aos poucos começa a ganhar cena e protagonismo na série e muito da Adele começamos a entender partindo da narrativa dele. 

Louise sofre de um transtorno noturno chamado de “terror noturno” que ela simplifica como sonambulismo. Ao saber desse seu problema Adele se põe à disposição a amiga ajudando-a a superar suas noites de pesadelos. A trama começa a dar pequenas reviravoltas no crescimento dos personagens e também em tudo o que a trama diz respeito. Adele de mocinha torna-se vilã. David de covarde, torna-se vítima e Louise de amante, vira a que salva todo mundo sacrificando-se. 

Rob e Louise vivem uma amizade pura, ímpar, aparentemente sem interesses oportunistas. Rob, ao mesmo tempo que é apresentado com uma sexualidade homoafetivas, ele se sente desconfortável com a relação e Adele e David. Esse desconforto não nos é explicada assim explicitamente, mas a série nos deixa imaginar o que pode ser. Adele luta para não voltar mais à sua vida de viciada enquanto Rob admite não querer nunca abandonar essa vida. 


Por trás de seus olhos o fogo te consome 

Portanto, a série guarda seus maiores segredos para o último episódio. Todos foram vítimas de quem nem imaginávamos ter algum interesse por trás de seus olhos. Os olhos de Rob são ambiciosos, traiçoeiros, olhos de quem não desiste do que quer. Rob, por meio de uma tática não-científica de plano astral ou atividade sobrenatural, toma a vida de Adele e de Louise fazendo de David seu brinquedinho de prazer. 

O arco que se conclui no sexto episódio nos dá pistas de que essa história (se a Netflix quiser) pode ainda nos render muita coisa. 

Por trás de seus olhos é uma minissérie de 6 episódios (até o momento) e está disponível na Netflix. 



“Todo mundo seguindo em frente, e eu sozinha do outro lado dos portões, acenando para pessoas que não estão mais olhando” 

(Sarah Pinborough – Por trás de seus olhos, 2017)



Por Dione Afonso 

Jornalismo PUC-Minas

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