29 Jan
29Jan

É com sucessos como Tô De Graça; Suburbanos; A Sogra Que Te Pariu e agora o recente Ponto Final, que o ator, humorista e roteirista Rodrigo Sant’Anna se destaca no gênero do humor brasileiro com requinte e bom gosto. A série é o segundo trabalho que emplaca no streaming da Netflix e Rodrigo consegue encantar o público com boa piada e uma história cômica que se aproxima do perfil brasileiro. Ponto Final é uma sitcom brasileira de comédia que conta a história de Ivan e Sandra, personagens de Rodrigo e a atriz Roberta Rodrigues que vivem um casamento às avessas e com muito bom humor levam seus trabalhos, (ele, um motorista irregular numa van de passageiros, e ela uma motorista de ônibus numa empresa regularizada como transporte público). 

Ivan e Sandra rendem boas risadas somadas aos dramas da família brasileira e os perrengues do trabalho de quem vive em periferia e precisa trabalhar duramente para se sustentar. O elenco ainda conta com Nany People, que faz a cobradora do ônibus, Thaynara OG, uma vendedora de muambas e Tuca Andrada. A série traz uma produção de alto nível, elevando, assim, ainda mais a qualidade do trabalho narrativo. O talento de Rodrigo já havia sido confirmado pelo público quando Tô De Graça tornou-se grande sucesso na TV. Agora, assistimos uma mesma versão da sitcom, contudo, enquanto aquela traz o retrato fidedigno de uma família que vive na favela brasileira, agora é a favela que assiste os dramas de uma família que tenta sobreviver no dia a dia do país tropical. 


De “Valéria” a “Ivan” 

O rosto do artista ganhou popularidade quando Sant’Anna deu vida a Valéria, na sitcom da TV aberta Zorra Total. Este não foi o único personagem do ator até o momento. Inclusive, em um de seus longas-metragens, Rodrigo Sant’Anna chegou a entregar uma cena em que ele próprio colocou em cena mais de 5 personagens de sua própria criação. Não se trata de compará-lo a Chico Anysio, por conta do número de personagens, mas Sant’Anna, atualmente, se junta a artistas como Paulo Gustavo (in memoriam); Tatá Werneck e Fábio Porchat, que protagonizam esta seara do humor brasileiro, em que, “tudo o que eles tocam” é certeza de sucesso garantido. 

A personagem Valéria eternizou-se em nossas lembranças e até hoje seus recortes fazem sucesso na rede social. A Dona Graça, do seriado Tô De Graça, também é uma personagem que caiu nas graças do público e que rendeu 6 temporadas. Rodrigo nos apresentou uma mulher que sobrevive de pedinte no sinal, e, que apesar de ser uma mulher sofrida, é valente e guerreira e luta para dar de comer para seus 13 filhos. Moradora do morro, não se intimida em dizer que é feliz no lugar em que mora e defende sua comunidade com unhas e dentes. Não muito diferente, enxergamos no personagem Ivan. Ivan, Sandra e o filho Ivandro (Faiska Alves) protagonizam a vida sofrida de quem mora no morro e precisa fazer de tudo um pouco para sobreviverem, pagar as contas no fim do mês e terem um teto para morar. 

A criatividade, inteligência e engenhosidade de construir tantas personagens que refletem a realidade brasileira com tanta fidelidade, constrói com seu público um vínculo social difícil de se quebrar. Sant’Anna consegue beber da fonte de chão em que pisa. Transmite com seriedade e honestidade a vida e a luta de quem não tem muito com que viver, mas esse pouco que possuem se torna o muito, pois é tudo o que têm. Ponto Final não é a comédia pela comédia e nem o riso pelo riso, mas é a alegria que brota de um ônibus lotado, das condições precárias do transporte público, da negligência da prefeitura com quem vive distante dos centros urbanos, das condições insalubres de trabalho, das ilegalidades do comércio de quem tenta sobreviver... mas, no meio de tudo isso, brota o riso, a gargalhada e o riso, pois, é a vida sofrida que rende boas lembranças e memória. 


O papel da comédia 

Ponto Final pode não estar recebendo seu mérito e reconhecimento de órgãos do audiovisual – nacionais e internacionais –, mas a série entrega boa atuação, elenco muito bem selecionado, roteiro magnífico, diálogos redondinhos e narrativa que entrega história, humor e carisma. Já é algo consumado que fazer rir não é um serviço coletivo, assim como fazer chorar é. É mais fácil você provocar o choro e extrair lágrimas do público do que você provocar risadas. O riso não é coletivo, e, portanto, ele é um ato de resistência. Acreditamos que o papel da comédia não é o da leveza, simplesmente, e nem, muito menos o de “cobrir” uma falha do sistema. A comédia precisa ser enxergada de igual para igual com o drama, o terror... É obra, é audiovisual, é TV, é cinema. 

O papel da comédia reflete-se numa ação em que a humanidade precisa se reconhecer mais cômica e mais feliz. A comédia também é capaz de fazer chorar e quando ela consegue, ela cumpre com o seu papel de transformar a sociedade. Mas o riso também transforma. Muitos sorrisos por aí não estão só revelando alegria e diversão, mas estão nos contando que a vida precisa de sorrisos, precisa de emoções, precisa de felicidade. Rodrigo Sant’Anna parece ter entendido isso quando soube colocar a vida pobre e sofrida do brasileiro nas nossas casas, nas telas, na TV (e no cinema). Sant’Anna não provoca o riso pelo riso; ele provoca a alegria que se manifesta numa vida sofrida, mas vitoriosa, capaz de enxergar longe e ver o belo no meio dos entulhos e do asfalto esburacado. 

A vida suburbana é o clímax de todas as suas obras até aqui. A filmografia de Sant’Anna acaba se tornando esse referencial. Portanto, sua obra conquista uma identificação popular honesta e representativa de um público que não estava acostumado se enxergar na televisão. “Ponto Final” não é só o lugar onde a van de Ivan e o ônibus de Sandra estacionam, mas é também o fim e o começo da rotina dura de quem madruga para trabalhar e anoitece no ponto para ir para casa. A metáfora funciona muito bem, pois o nosso ponto final nem sempre é de onde descemos do veículo, mas de onde a cabeça reclina para o descanso noturno, porque no dia seguinte começa tudo de novo.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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