07 Jun
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Dom, lançado pelo serviço de streaming da Amazon Prime Video se inspira do fato real que chocou o país nos anos 2000. Com perfeita narrativa e contextualização que busca desde o tempo da Ditadura Militar com cenas de violência contra estudantes de sociologia e de história, o trabalho de Breno Silveira tenta ir um pouco mais além do que a mídia focou. O protagonista, Pedro Dom (interpretado por vários atores percorrendo as faixas etárias do personagem) juntamente com seu pai Victor Dantas estabelecem uma relação de pai e filho doída e de muita insistência. O amor familiar que sustenta os dois entrega-nos uma história impactante. 

Muito além do “bandido gato”, do assalto de glamour, como o jovem fica conhecido pela mídia, Pedro Dom e seu “bonde”, investem num “trabalho” audacioso de roubos a prédios de Copacabana e condomínios de luxo do Rio de Janeiro. Como pano de fundo dessa narrativa temos o início do tráfico de drogas no país em larga escala. Um esquema de propina que corrompe o sistema policial, segurança pública, ordem social e abala a paz humana e instaura um novo sentido de segurança e proteção nas favelas do morro carioca. (atenção, há spoilers da primeira temporada


Narrativa e suas nuances 

Victor Dantas (Flávio Tolezani) se apresenta como o narrador da história. Ou, pelo menos, de parte dela. Há duas linhas temporais: uma, é essa que Victor narra, nos levando ao passado, seu contexto familiar. Nele nos deparamos com Victor tendo que lidar com o desgosto do pai que não aceitava o fato do filho se tornar um mero mergulhador. E depois, policial. A outra, é claro, nos remete aos anos 2000 apresentando o jovem Pedro Dom (Gabriel Leone) curtindo um baile funk no alto do morro. Pai e filho das duas gerações movimentam essa história. 

A Cidade Maravilhosa é o cenário. Entre o luxo de Copacabana e a violência e pobreza do Morro dos Tabalaras, a primeira temporada revela as nuances inserindo elementos no decorrer dos oito episódios de uma hora cada um. Primeiro há a abordagem do racismo estrutural. Este se comunica da maneira mais simples, que é a forma que ele “começa”: Pedro é branco, loiro, olhos azuis, morador da área nobre do Rio; seu amigo de infância, filho da empregada, é negro, morador da favela, vive entre armas de fogo e pacotes de cocaína a cada dia. A lógica estrutural se apresenta no lógico: “enquanto o segundo tem todos os elementos para se tornar um criminoso e cheirador, o que justifica Pedro Dom, que sempre teve tudo, nunca passou fome, tornar-se um viciado?”. 

Vemos, contudo um paralelo nas duas narrativas: ambos, pai e filho, tentam romper com o tradicional estilo de vida. Romper com a família, romper com o contexto, ousar num novo estilo de vida, e lutar por independência social e financeira. Victor Dantas rompe com a linha de sucesso e status profissional do pai. Torna-se tudo o que ele não sonhou para o filho. Pedro Dom, por sua vez, engrena num estilo de vida “libertador”. Experimentar cocaína aos 9 anos de idade conferiu a ele um mundo aberto e um futuro promissor. Pelo menos, era assim que ele pensava e sonhava. 


Comportamentos e a naturalização do crime organizado 

A perspectiva comunicacional que o trabalho da Conspiração Filmes e a direção de Breno Silveira resolvem trazer um outro lado da história que foi midiatizada. Mesmo apostando no codinome “bandido gato”, “loirinho”, a série vai além. O ator Fábio Lago (Curupira em Cidade Invisível) protagoniza o bandido chefe do morro, o Ribeiro. Sua atuação e presença traz pontos fortes de análises contextuais: primeiro, a máxima “o crime não compensa”, aqui é derrubada, pois, o morro existe por causa das ações violentas. O medo põe ordem e a dor põe limites. A narrativa encontra em Ribeiro comandos estruturais que sustentam e mantém vivos os moradores do morro. Violência por violência, quem não se encaixa nesse esquema é eliminado, pois sinaliza desordem local. A boca (venda de cocaína) torna-se o sistema econômico eficaz capaz de garantir o sustento e a escola das crianças da favela. 

O sistema é visto, narrado e comunicado e forma que se apresente como justo, eficaz e leal. Não precisa ser honesto, mas que seja preciso e que salvaguarde o povo. A cena em que Ribeiro é preso provoca nos moradores do morro indignação, pois viam nele um herói, um homem que era capaz de manter a ordem e a paz; garantir estudo e alimento. 

Crime organizado, propina, corrupção do sistema policial, agente infiltrado no morro, tráfico de drogas, gangue de luxo, roubos, são contextualizados no Rio de Janeiro. A série não se preocupa em encerrar a temporada como um conto de fadas. Mas, revela que o crime e a corrupção de autoridades, generais, políticos é real, acontece a cada dia e envolve cada vez mais novos nomes em busca de grana fácil e vida aventureira. O sistema é perigoso, desumano, controlador e imperdoável. Quem entra pro sistema só sai morto. Não há outras formas possíveis de se libertar. 


Família e trabalho: narrativas humanas 

Por fim, o que dá o ritmo de toda a temporada é a luta insistente de Victor com o filho Pedro Dom. As várias internações em clínicas de recuperação e as seguidas recaídas do adolescente e depois jovem e, o ponto alto que é a experiência de Pedro na FEBEM marca a narrativa central da obra. O trabalho ainda ressalta o sistema falho de correção que a política penitenciária se propunha a realizar. Dom sai de trás das grades aos 18 anos e, a relação familiar só piora. O jogo de cenas, os poucos diálogos são recursos que revelam que recorrer a ferramentas comunitárias em busca de salvação não é a garantia de total sucesso, nem de melhora. 

O vilão de toda essa história é a cocaína. Ela é a criminosa. Silveira humaniza os personagens e demoniza o vilão maior que corrompe toda as relações e destrói toda e qualquer tentativa de comunicação. A droga entra no país assim como entra na série: como uma grande ameaça à humanidade. Seria fácil ver as narrativas de polícia contra ladrão, pai contra filho, criminosos sendo julgados, contudo, não é tão claro assim. Há famílias por trás do crime, há trabalho (justo ou não, mas é forma de trabalho), há seres humanos... com suas falhas, mas, humanos. 


Dom está com sua primeira temporada disponível no Amazon Prime Video. Dirigida por Breno Silveira tendo no elenco principal: Raquel Villar, Isabella Santoni, Ramon Francisco, Digão Ribeiro, Laila Garin, Mariana Cerrone e Fábio Lago. 




Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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