17 Nov
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Foi digna de respeito e admiração a homenagem a Chadwick Boseman feita por Ryan Coogler e toda a equipe de produção. A sequência do herói líder de Wakanda e o primeiro negro a representar uma legião de fãs pelo mundo num universo hollywoodiano, infelizmente não fez tanto assim por merecer o que, em 2018, foi uma quebra de paradigmas e uma forte representatividade. O legado de Boseman foi respeitado na franquia, o do seu herói, nem tanto. O filme de Coogler respeito vida, amor, respeito, carinho e esperança. No roteiro, ficou faltando compreender que o título “Pantera Negra” ultrapassa o ator (ou atriz) que o adapta a outras linguagens. 

Pantera Negra: Wakanda Pra Sempre chegou aos cinemas com uma árdua missão, que era ter que lidar com a partida repentina de seu protagonista e de encerrar a Fase 4 do MCU já deixando porta abertas para o futuro que vai se iniciar em fevereiro de 2023 com Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania. Ambas as tarefas foram cumpridas. A homenagem foi muito bem tratada e o coroamento da Fase 4 também. Contudo, esse “tempo de promessas” que permeou todas as produções desses anos – foram 16 ao total entre séries limitadas e filmes – resultou num certo cansaço e desinteresse. A Marvel poderia ter entendido que depois de Thanos, precisaria de um tempo e respiro para recomeçar um novo tempo, contudo, o mercado nunca respira, sobretudo, por tanto tempo assim. Nesse sentido, quem melhor soube fugir desse clima de promessas foi Doutor Estranho no Multiverso da Loucura que conseguiu abrir e fechar sua narrativa. 


As implicações de Pantera Negra 

O filme de 2018 – e estamos tentando não comparar os dois aqui – foi um grande marco no cinema de heróis quando teve inteligência e perspicácia para tratar de assuntos sociais e políticos muito atuais. Os temas do preconceito, do poder político, da representatividade feminina, da colonização, da divisão de classes foram traduzidos para as telas com muito tato e seriedade. Quando chegamos em 2022, quatro anos depois, com o novo filme, esperaríamos um crescimento nessas pautas afim de não desmerecer e nem diminuir as lutas de um povo de minorias que sempre tiveram que sofrer para conquistar seu espaço – o tempo de luto por Boseman poderia ter sido bem mais aproveitado aqui. 

Há a apresentação de Namor e seu povo de Talokan, que vive no fundo do mar. Um ponto positivo é do filme ter trazido uma história de um povo originário e ter conseguido passar para as telonas as implicações que povos como esses sofrem diante da escravidão, exploração, colonização. Falar de uma cultura originária, de um povo tradicional é um desafio e, ao mesmo tempo um ato de coragem de pessoas que podem e devem agir em prol de outras culturas afim de preservar a origem de cada uma delas. Contudo, na narrativa de Namor, a Marvel perdeu grande chance de tocar em assuntos ecológicos e ambientes, como por exemplo a alta das poluições dos mares, a exploração da água e dos nutrientes e minérios que há no fundo do mar. Coisas que o roteiro não soube explorar. 

Mas há uma implicação fortemente positiva: a presença firme e corajosa das mulheres de todo o filme: as personagens de Letitia Wright, Angela Basset, Dominique Thorne, Mabel Cadena, Michaela Coel, Danai Gurira, Lupita Nyong’o entre outras, roubaram a cena e ditaram o ritmo de Wakanda Pra Sempre. São as mulheres guerreiras, fortes e rainhas que controlaram toda a narrativa do filme. Para tratar de tanta sensibilidade, dor, luto, e espírito de vingança, a presença de cada uma delas foi essencial para o roteiro. Basset como a Rainha Ramonda roubou todas as cenas em que apareceu e Gurira, como a General Okoyo tornou-se centro das atenções, roubando até mesmo o brilhantismo de Wright. Okoyo, tendo que lidar, até mesmo de seu abandono do posto em Wakanda demonstrou muita força e poder de atuação. 


A nova Pantera Negra e a fraca motivação para a passagem de manto 

Como já sabemos, Shuri (Letitia Wright) teve que lidar com a responsabilidade de assumir o manto do novo Pantera Negra. A atriz é impecável, Shuri é animada, carismática e uma mulher de atitude. Contudo, sua presença, em todas as cenas, foi ofuscada por qualquer que fosse o personagem que estivesse ao seu lado. Até mesmo quando visita Talokan, Shuri parece ficar sempre em segundo plano, por conta da força de atuação e presença dos outros personagens. Namor (Tenoch Huerta) é grandioso, e carecia de um oponente com maior espírito de presença. Espírito esse que Wright se esforçou ao máximo para cumprir, mas não conseguiu. 

Infelizmente, toda a obra de Coogler perde quando não sabe o que fazer depois de vencer o luto por Boseman, na vida real, e pelo Pantera Negra e sua mãe, no filme. Shuri chora a morte do irmão e da mãe e alimenta dentro de si um espírito de vingança que se embasa em clichês de inúmeros filmes que já conhecemos. Para justificar uma guerra, Namor e Talokan bebem dessa mesma vingança quando se sentem diminuídos e afastados do resto da humanidade e enfrentar Wakanda não passa de uma dor de cotovelo ou um choro de criança mimada só porque não teve o apoio que pediu. A motivação para as justificativas de Namor entrar em guerra e Shuri assumir o manto são fracas e injustificáveis. Resultado de um roteiro que não se permitiu ousar mais e tocar em assuntos mais contundentes da nossa sociedade atual.





Por Dione Afonso | Jornalista PUC Minas

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