Em 2002, pelas mãos do cineasta Kevin Reynolds, os cinemas estavam admirando uma das mais recentes adaptações do clássico francês O Conde de Monte Cristo. Escrito por Alexandre Dumas, que, também é famoso por Os Três Mosqueteiros, o clássico, lançado em 1846 celebra 180 anos de publicação. Jim Caviezel deu vida a Edmund Dantès, o Conde e o elenco contou com nomes como Henry Cavill, Guy Pearce, Richard Harris, Dagmara Dominczyk e Luís Guzmán. Agora, os diretores franceses Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, que também assinam o roteiro nos oferecem uma versão digna de uma trama francesa com bastante naturalidade e a dor humana que dilacera a alma e ultrapassa os limites limitantes de um ser humano.
A nova adaptação com suas atuações, pode ser encarada e refletida por dois pontos de vista: no primeiro, destacamos 5 atuações: Pierre Niney, no papel principal de Edmund Dantès; Anais Demoustier como a linda Mércèdes Herrera e os vilões Patrick Mille [Barão Danglars]; Bastien Bouillon [Fernand Morcerf] e Laurent Lafitte [Gérard de Villerfort]. Neles vemos a espinha dorsal da literatura de Dumas pautada numa vingança humana que nos leva ao ponto alto da falta de compaixão. O segundo ponto destaca os jovens Anamaria Vartolomi [Haydée]; Vassili Schneider [Albert De Morcerf] e Julien de Saint Jean [Andrea de Villefort]. Nas jovens atuações, o amor e o senso de verdade e de justiça exalam naturalidade e tentam dar um ponto final mais feliz à narrativa.
À primeira vista a história que ultrapassa séculos é encarada como uma longa história sobre vingança e ódio. Contudo, O Conde de Monte Cristo é mais sobre o amor e a justiça do que uma simples vingança arquitetada para corrigir um erro do passado. Niney dá vida a um Edmund carismático, bonito e sonhador. Ao ser condenado e viver quase 20 anos numa prisão injustamente, Edmund Dantès se fortalece na consciência e usa a sabedoria para se reinventar. Sua fuga é delicada e cheia de detalhes que nos encantam. A fotografia e os planos abertos da câmera exaltam a obra e dão valor e dignidade a uma literatura que não merece ser esquecida. A obra de Dumas vai além das páginas de uma ficção e nos entrega verdadeiras lições de humanidade e de sentimentos.
Os cineastas, ao construírem o trio de vilões Danglars, Gérard de Villefort e Fernand Morcerf, toda a narrativa dá um giro de 360º e nos transporta numa narrativa primorosa e que nos encanta com a qualidade dos diálogos e a construção de cada personagem. Dantès veste a personalidade do Conde de Monte Cristo e faz da sua nova vida uma oportunidade de crescimento e, em algumas páginas, isso não soa como elogio. O detrimento da amizade, sobretudo a que havia entre Fernand e Dantès não se torna um estopim para a guerra, mas o seu rompimento gera uma quebra nas relações humanas. O primeiro ponto da narrativa que se concentra nos 5 personagens adultos estabiliza a narrativa francesa e transportam para as telonas o mais puro dos sentimentos humanos, mesmo que estes possam ser a ambição, a ganância e o poder.
Um destaque à Julie de Bona, como Victoria, amante de Gérard de Villefort e esposa de Danglars. Sua maternidade roubada em nome do status de um homem importante socialmente é uma das cenas mais profundas que extrapolam nosso ser humano. Victoria explode dor e arrependimento. Assistir seu filho roubado diante de um tribunal revelando a desumanidade de Gérard de Villefort a fez repensar suas decisões. Mesmo assim, e isso é mérito da literatura francesa, a dor e a opressão, o machismo e a falta de liberdade, a manipulação e a paixão pelo dinheiro são características e sobrenomes do sucesso literário francês. Alexandre Dumas é um ícone! Um marco na história das páginas literárias de todo o mundo.
Atualmente vemos a sociedade sendo afogada em grandes tempestades, furacões e ondas quilométricas marcadas pela IA, pelo assombro dos tik tokers e pela rapidez das ações tecnológicas. Partindo um pouco do ponto de vista dos 3 jovens que interpretam Haydée, Albert e Andrea a discussão cinematográfica muda de objetivo: não é mais só o espírito vingativo e muito menos nos desejos ambiciosos e da ganância desmedida. O amor ganha palco e a amizade e proteção têm seus lugares. Eugénie Danglars [Maria Narbonne], encontra em Andrea a proteção humana que ela tanto sonhou. Com um pai conservador, machista e violento e uma mãe marcada pela mentira e proibida de viver livre, Eugénie e Andrea se posicionam em nome da liberdade e da compaixão.
O matrimônio, que é impedido de acontecer nas primeiras cenas é realizado pelo amor que emana desses jovens personagens no último ato. E o mais belo: não precisamos assistir o gesto acontecer para compreendermos que tudo e todos tiveram o seu final feliz. Ou quase todos. O Conde não se prende a sua vingança, mas pagando um alto preço. Sua amada tem a coragem de seguir a própria jornada, enquanto Andrea se deixa levar por um coração corrompido e abandonado. Em meio a tantas bombas hollywoodianas, a tantas histórias ficcionais, jornadas heroicas e em tantos contos vazios de sentimento e sentido, é necessário a gente dar uma chance a narrativas que marcaram séculos, não apenas pelo tamanho dos livros, mas pela grandiosidade de suas histórias. O Conde de Monte Cristo é válido, talvez real, é generoso e profundamente humano.
Por Dione Afonso | Jornalista