14 Jan
14Jan

Quando você tiver pistas sobre o Harry Potter, conte pra gente! [Netflix, Lupin, 2021].   


Com o sucesso de Bridgerton ainda no topo, a Netflix ataca novamente com mais uma adaptação imergida de sucesso literário emplacada em série de TV. Dessa vez a literatura inspiradora é de origem francesa com primeiros registros datados de 1905 numa revista francesa chamada Je Sais Tout. O famoso Ladrão de Casaca Arsène Lupin é criação do autor Maurice Leblanc, um “ladrão gentil” que chegou até mesmo a antagonizar com o detetive Holmes de Sir Artur Conan Doyle. Leblanc assina uma coletânea de nove livros contando as peripécias e aventuras investigativas de Arsène Lupin. Um personagem audacioso, atraente, enigmático e muito talentoso.

Lupin chegou ao serviço de streaming na lista das produções originais da Netflix e já desbancou a recente adaptação das obras de Júlia Quinn assumindo o topo do top 10. A série assume uma pegada bem La Casa de Papel, onde o personagem principal Assane Diop (Omar Sy), anos após o suposto suicídio de seu pai começa a vingar de todos aqueles culpados por te-lo condenado. Diop é um exímio admirador da obra francesa, último presente que seu pai lhe deu e, inspirado em Lupin, o personagem, assume a identidade literária e inicia seu plano bem no estilo de El Professor. 

Também, a produção nos oferece uma pegada bem Sherlock Holmes ao nos forçar a perceber detalhes pequenos que mudam toda a trama. Utilizado dos recursos do flashback, Assane é inserido num contexto entre passado e presente no qual as peças vão se encaixando, dando-nos motivos para que a trama acontece. O estilo Robin Hood encontra-se em Assane quando este utiliza os roubos dos ricos para se beneficiar de suas empreitadas no decorrer de cada ação perigosa. 


Carisma e personalidade 

O talento do protagonista Omar Sy fez com que a atuação comprometesse toda a trama de Lupin. Seu personagem é um homem muito inteligente, talentoso, de forte personalidade e carismático. É difícil não gostar dele, e torna-se quase impossível não confiar em Assane Diop. 

Lupin de Leblanc é conhecido como um homem que tem facilidade de assumir e trocar de identidades sempre que precisa e com grande velocidade. As transformações são imperceptíveis pelos que ao seu lado passam. A engenhosidade em tramar seu plano, de enganar até mesmo seus parceiros é brilhante e eficaz. Quando achamos que tudo está perdido, uma carta escondida na manga é lançada e o jogo volta a ficar a seu favor novamente. 

Assane Diop mantém uma bonita e forte amizade com um colega de escola, Benjamin Ferel (Antoine Gouy). Benjamin é um comerciante e conhece toda a história de seu amigo. Sabe de seus planos e o acoberta. Lupin da Netflix abandona o estilo clássico do personagem francês, como seus trajes, por exemplo, que identificam o protagonista. Na série, George Key usa a literatura e faz dela uma releitura atual e até mesmo sarcástica, mas muito criativa usando os escritos francês como instrumento essencial na construção de seu personagem principal da série. 


O privilégio dos ricos e a corrupção 

Tudo o que Assane Diop deseja é vingar-se da morte de seu pai. Acusado injustamente por uma família milionária de roubar um famoso colar, Babakar Diop (Fargass Assandé) é preso e condenado. Mesmo diante de sua inocência, Babakar é convencido por sua ex-patroa a assinar um termo confessando um ato que nunca cometeu. Envergonhado por ter manchado sua honra, Babakar tira sua vida na prisão, impedindo assim que a família Pellegrini o indiciasse a anos e anos de condenação. 

Nessa época, em 1995, Assane não tinha mais que 16 anos, não possuindo idade o suficiente para seguir sua vida, foi enviado “milagrosamente” para um reformatório de classe alta, onde estudou e se formou e conheceu Claire (Ludivine Sagner), com quem construiu um relacionamento confuso e teve um filho, Raoul (Etan Simon). 

Anos mais tarde, Diop inicia seu plano de vingança roubando o Museu do Louvre, onde a série começa. Hubert Pellegrini (Hervé Pierre) o vilão da história, talvez possamos chamar assim, é um magnata corrupto, milionário e o grande responsável por toda a avalanche que desceu sobre a vida de Assane. É por aí que a história segue seu fluxo. 


Um segundo plano corroborado pelo preconceito 

Nessa mais atual adaptação, Assane Diop é um imigrante senegalês que assiste um ato criminoso e corroborado por injustiças contra seu pai. Esse segundo plano é costurado com a trama principal e quase consegue nos convencer de que não há aqui uma espécie de anti-vilão, mas de uma vítima. Vemos, por exemplo, como que fica explícito o preconceito racial que a população de Paris pratica com os negros. Até mesmo no passado, quando, ainda jovem, numa escola de brancos onde ele era o único negro matriculado. 

O último presente do pai, o clássico francês, serviu para Diop mais como uma arma do que como um refúgio. Uma das frases mais fortes dessa primeira parte é, com certeza, “essa é toda a herança do meu pai”. Assane consegue fazer o espectador torcer para que seus crimes deem certo. 

Estamos do lado do ladrão! Como pode isso? Não estamos ajudando os policiais a prender um homem que espancou alguém e que invadiu um dos museus mais famosos do mundo. Assane é atraente e consegue nos convencer pelas pequenas pontadas de malícia dele. A ponta que essa primeira parte deixa sem amarrar é a insistente teoria de um policial detetive que insiste em classificar o ladrão da vida real com o ladrão da ficção. E assim termina com Youssef (Soufiane Guerrab) perguntando a Assane: “Lupin?”. 



“No fundo, é a própria vida, vivida numa espécie de resumo trágico, com suas tempestades e suas grandezas, sua monotonia e sua diversidade, e é o que leva, talvez, a usufruir com uma pressa febril e uma volúpia tanto mais intensa essa curta viagem, da qual se percebe o fim a partir do momento em que começa.” 

(LEBLANC, Maurice, Arsène Lupin: Ladrão de Casaca, 2016)



Por Dione Afonso Jornalismo PUC-Minas

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