11 Jun
11Jun

Até mesmo o melhor dos detetives, ou daqueles que gostam de exaltar suas habilidades e inteligência por onde passa, pode sofrer de contratempos, riscos e até mesmo ameaças perigosas colocando em risco vidas. Omar Sy, protagonista da série da Netflix baseada nas obras francesas de Maurice Leblanc eleva o nível de qualidade, suspense e boas cenas na segunda parte de Lupin. O ator interpreta Assane Diop que se inspira nas travessuras de Arsène Lupin afim de completar seu plano de vingança. 

Contando com novos aliados, o Ladrão de Casaca se encontra no meio do caminho: de um lado, ele precisa terminar o que começou que significa incriminar Hubert Pellegrini e provar a inocência do pai e, por outro, salvar a vida do seu filho e trabalhar para que sua relação paternal de família com ele não se distancie para sempre. Dando sequência ao seu plano e contando com a parceria de seu melhor amigo desde a infância, Benjamin Ferel (Antoine Gouy), a dupla dinâmica eleva o nível da aventura arrancando algumas boas risadas e nos surpreendendo a cada cena. 

Portanto, Lupin é o que a Netflix tem de melhor a nos ofertar nesse tempo. Sua inspiração nas obras do grande escritor francês acertou em cheio com suas novidades e algumas alterações para dar jus às obras, tanto dos livros, quanto da pequena tela. Lupin, inicia uma nova etapa. Tem de lidar com os contratempos e um deles é o fato de sua identidade ter sido revelada. E que a aventura recomece! (atenção: há spoilers no texto da segunda parte de Lupin). 


Mesmo vilão exige novos aliados 

É preciso esclarecer algo muito importante antes de recomeçar a maratonar a série. Para quem é leitor de Leblanc e é íntimo da personalidade (ou das personalidades mil) de Lupin, sabe que o ladrão de casaca se arrisca em muitas coisas, mas uma coisa ele não é capaz de concretizar: matar. Compartilhando da mesma característica, Diop pode ser condenado por muitos crimes, menos o de assassino. Mesmo mexendo com sua família, sequestrando seu filho Raoul (Etan Simon), Diop jamais chegaria nesse ponto. 

Na primeira temporada, ficamos aguardando com certa ansiedade o encontro entre Diop e o policial Yossef Guedira (Soufiane Guerrab). Como nada passa despercebido do nosso charmoso ladrão de casaca, Diop se “alia” ao novo amiguinho e junto a ele consegue livrar seu filho das garras de seu inimigo, Pellegrini. Mas as coisas não param por aí. E, como reflexo desse contratempo, Pellegrini resolver se envolver onde jamais deveria ter se envolvido: família. Assane Diop agora com seu rosto estampado em todos os jornais coleciona mais um item para levar seu plano até o final. Agora não é mais sobre seu pai apenas, é sobre tudo o que ele ama. 

E assim acontece a maior e melhor transformação até agora. O jovem emo, amante leitor de Arsene Lupin se transforma num importante e corrupto “advogado das finanças” e dá a Diop a vitória de que desejava. Um cúmplice muito perfeito. Sagaz. Jovem. Frio e calculista. Disfarçado, é claro, que fez com que Pellegrini se desmoronasse de dentro para fora. 


Narrativas sociais do racismo estrutural e da desigualdade social 

Esses elementos já haviam sido apresentados na primeira parte da série. Lembrando que o Arsene Lupin de Leblanc não é negro. Para a adaptação d Netflix, essa mudança fez com que o protagonismo e a jornada de Diop fosse incrementada por novos aspectos. Um deles é o discurso de protesto e de indignação frente a um racismo estrutural europeu vivido na França daquela época. Assane Diop era um ladrãozinho só por conta de sua cor. Ser negro num “país de brancos”, ser um aluno negro numa escola de brancos. Ser um negro frequentando ambiente “dos brancos” era o mesmo que estar escrito em sua testa: eu nasci para roubar de todos vocês. O modo como a série apresenta esses elementos com certeza eleva o nível da criatividade de George Key ao criar a história. 

Sem precedentes, a série consegue atualizar a literatura para o hoje. A crítica geracional também interfere no contexto da série quando o pequeno Raoul é questionado se uma literatura clássica como a de Leblanc não está velha demais para ele. Diop nunca teve as mesmas oportunidades que os homens brancos de sua idade. Seu fiel amigo Ben, parece ter “comprado” a dor de Diop e, por isso, os dois nunca abandonaram um ao outro. 

A relação entre Diop e Juliette Pellegrini foi o centro de toda essa discussão. Ela, branca, rica, milionária, filha de Pellegrini. Seu pai nunca estabeleceu limites para o conhecimento. Diop, negro, pobre, filho do empregado, não foi tratado como um humano, um igual e, portanto, teve um caminho que foi impossível de ser trilhado por ambos. Essa segunda parte reforça com louvor a narrativa que comunica que a cada dia mundos diferentes são controlados pelo dinheiro e pelo poder. A cada dia a sociedade insiste em afirmar que o poder não é igual para todos. Que há os que nasceram para falar e há o que nasceram para ouvir e obedecer. Não precisamos dizer quem está em qual grupo, não é mesmo? 


Lupin 2 e os passos futuros 

Antes do fim dessa segunda parte de pouco mais de 5 horas de duração facilmente maratonável, percebemos que a relação entre Diop e os oficiais da segurança (detetives e policiais) é tomada à distância. Fazendo o papel de um espécime de Robin Hood, Diop faz de Lupin (bem semelhante aos livros, por sinal) alguém que está ao lado da justiça e do bem. As questões morais e éticas do personagem são questionáveis, mas há uma subversão desses valores entre nós humanos. 

O código de ética entre o não roubar e o não matar vivem numa corda bamba. Tentados a nos alimentar do prato frio da vingança, é perceptível que Assane Diop luta contra esse mal, mesmo o desejando em nome de tudo o que o pai sofreu no passado. Mas, os valores da família falam mais alto. E esse mesmo código de ética leva Diop a revelar também a corrupção que há por trás de nomes que deveriam guardar a segurança e a paz públicas. Propina e suborno na delegacia leva o Capitão Gabriel Dumont (Vincent Garanger) chefe da operação para trás das grades. 

Por fim, as referências diretas aos contos da Mulher Loura e da Lâmpada Judaica e a própria obra de Leblanc Arsene Lupin contra Herlock Sholmes referenciaram que a história chega ao seu segundo capítulo, mas que não termina por aí... 


As duas partes de Lupin estão disponíveis na Netflix.



Por Dione Afonso  |  Jornalismo PUC Minas

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