11 Oct
11Oct

Mike Flanagan é o nome da década quando o assunto é obras de terror e horror. Mais concentrado em provocar o medo interno do que em exaltar o susto e o grito, Mike não nos decepciona quando nos fazem chorar e nos angustiar diante de um diálogo direto sobre o que significa morrer ou o que acontece depois que a morte nos transfere para outra realidade abstrata da vida humana. Seria normal que o hype estivesse bem alto com a chegada do mais novo trabalho do diretor com a nova adaptação, O Clube da Meia-Noite. Tirado das páginas criativas de Christopher Pike, a nova série acompanha jovens em fase terminal do câncer hospedados em uma espécie de clínica especial, longe da cidade, num lugar tranquilo e aconchegante. Nesta casa hospitaleira, eles descobrem um antigo clube secreto repleto de mistérios, pactos e outros demônios mais. 

Com a narrativa da jovem Ilonka (Iman Benson), que descobre um câncer de tireóide, a sequência dos 10 episódios narra uma trajetória difícil na vida de toda pessoa: encarar a morte como um rito de passagem. Um dos pactos realizados no clube que se reúne exatamente à meia-noite é que, aquele que morrer primeiro terá que enviar um sinal do outro lado. Claro que os sonhos de cada jovem é o da imortalidade, da eternidade e, também da aventura e, tudo isso movimenta e dá ritmo aos episódios. Flanagan insiste em trabalhar com rostos mais conhecidos, como a própria Benson, além de Igby Rigney, Zach Gilford e Samantha Sloyan, que já vimos em Missa da Meia-Noite (2019)


A morte como personagem 

Não se trata de personificar a entidade perpétua que é a Morte. Mas, trata-se de encarar a sua existência como uma personalidade que altera o ritmo das coisas e da própria vida. Todos que estão naquela casa têm uma única certeza: cada dia vivo é a certeza de que a morte está mais perto. E ela nos pega de surpresa, é despretensiosa, sem interesses grandiosos, ela é simples, mas sabe ser doentia, perversa e dolorosa. No clube que se reúne à meia-noite, os jovens contam histórias de terror que nada mais revela ser medos e sonhos de cada um deles se pudessem ter uma vida mais longa. Os sonhos, são o que nos movimenta e nos faz vivos, são eles que nos atraem para a busca ao desconhecido, ao novo, ao prazeroso e às realizações. Quando eles morrem, morre também nós. 

Flanagan, portanto, usa desses pequenos contos juvenis para introduzir a angústia e o sentimento de asfixia que o seu terror proporciona. Não é o susto, o jumpscare, o grito alarmante que caracteriza o terror em sua originalidade, mas sim é o medo, o assombro, o susto, o horror que brota de dentro de nós, que desestabiliza o nosso espírito. O que impregna em nós um medo sufocante e que nos faz delirar, perder a razão. Em A Maldição da Residência Hill e A Maldição da Mansão Bly ele soube fazer isso muito bem. Agora, ele aposta num terror mais tímido e mais comedido. Mais entranhado na sutileza das histórias da meia-noite e nos sonhos que alimentam nosso espírito. 

O terror de Flanagan é banhado de humanidade e quando a falta de bom senso impera no ser humano é onde ele ataca de forma mais letal possível. Pike parece querer nos dizer que morrer não é o fim. E, independente de sua crença – e nem Pike, nem Flanagan se importam com o que você acredita – a Morte pode se tornar mais um ritual do que um ponto final na nossa história. É a falta de humanidade, caridade, empatia e amizade que nos mata e que alimenta o mal que enraíza como erva daninha dentro de nós. O Clube da Meia-Noite não tem receios em repetir a dose de homofobia, exclusão, preconceito que as outras adaptações de Flanagan apresentaram. Talvez, a maior obra de terror que estamos assistindo seja a nossa falta de humanidade com quem pensa diferente de nós. 


Cuidado com o que deseja 

A história deixa brechas para uma sequência. Uma possível segunda temporada, contudo, esses planos podem não se concretizar por conta do pouco impacto causado com a narrativa de Ilonka. Infelizmente, parece que a escolha de protagonista não foi o suficiente para segurar cada ato. As histórias isoladas revelam o desejo do mais profundo de cada ser. Cuidado com o que deseja, é o ensinamento mais certeiro que O Clube da Meia-Noite nos transmite. Desejar se curar de uma doença terminal; desejar, após a morte, enviar um sinal do outro lado; poder realizar o último desejo antes de morrer; desejar ver os pais mais uma vez; desejar viver uma história de amor mais uma vez... 

Um dos jovens, o Spencer (William Chris Sumpter) tem HIV e se revelou ser homoafetivo, assim como um dos enfermeiros, Mark (Zach Gilford). Em seus contos à meia-noite, Spencer vive o drama de um jovem, cujo sua família decidiu seguir a tradição religiosa, ser fiéis ao Deus que professam a acolher o filho gay e com aids. Principalmente para a mãe, Spencer não era mais “digno de ser filho de deus”, traiu sua religião e sua fé. Traiu seu Deus. E é com a ajuda de Mark que Spencer toma a coragem de ir à casa dos pais e desejar ver sua mãe uma última vez e dizer a ela que ele a ama. E que Deus também o ama. 

O terror de Flanagan tem coração, emoção e espírito criativo. Ele foge de todo convencional e de toda realidade ficcional. O medo e o horror moram ao lado, isso quando não dividem habitação dentro de nós e em nossa vida. Usando de abordagens sempre sensatas e muito reais, a produção faz do que é pra se assustar, algo que nos deve fazer pensar. Por isso que as cenas, mais do que medo, elas nos angustiam. Terminar uma obra de terror com sentimento de asfixia é um medo desolador, porque mexeu com a gente. Abalou as estruturas emocionais e nos fez questionar sobre a vida que estamos alimentando e a realidade que estamos vivendo. Será que está certo, mesmo, tudo o que estamos vendo e fazendo?




Por Dione Afonso  |  PUC Minas

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