10 Sep
10Sep

É impressionante como que o número de produções muito boas é entregue ao público quase que na mesma proporção daquelas que se não tivessem sido feitas, não faria falta. Temos a sensação de que entramos numa era em que se não produzirmos, nossas telas ficarão vazias de novidades, quase que não se importando com sua qualidade e seriedade de produção. Por outro lado, vemos emergir uma leva de novas produções que antes não tinham seu espaço no mercado e nem nos streamings. Um claro exemplo disso são as produções coreanas, convencionadas como doramas e os mais diversificados animes com suas narrativas muito bem elaboradas. Já que temos telas, então, nada mais justo do que ocupa-las. Nas premiações também vemos avanços como a atriz Zendaya a se tornar a artista mais jovem a vencer o Emmy e por duas vezes por Euphoria; Quinta Brunson ter seu talento reconhecido pela Abbott Elementary...  

Numa outra via de produção encontramos produções que se destacam não tanto pela diversidade, muito pelo contrário, é a falta dela que nos assusta. Triângulo da Tristeza (2023, Ruben Ostlund), foi indicado ao Oscar concorrendo a Melhor Filme; e, na TV tivemos The White Lotus (2021 - ) que enalteceu a classe rica da sociedade com suas regalias e falta de bom senso. Seu criador, Mike White nos entrega uma produção incrível, roteiro super afiado e, de certa forma, coloca os riquinhos no seu lugar. Algo que sentimos falta em O Casal Perfeito. A adaptação das páginas de Elin Hilderbrand não consegue nos prender e não cativa pela narrativa. No elenco, Eve Hewson; Nicole Kidman; Ishaan Khattar; Liev Schreiber; Dakota Fanning; Isabelle Adjani nos entregam personagens pouco empolgados, insuportáveis em suas falas e nem um pouco carismáticos. Mas, gente de muita grana no bolso. 


Personagens pouco carismáticos 

Quem dirige a obra é Susanne Bier, que decidiu investir mais na comicidade da obra e menos no drama do assassinato que ocorre logo no primeiro episódio. E, numa dupla narrativa entre flashbacks e depoimentos dos possíveis envolvidos no crime, a minissérie acompanha uma família de milionários em que a matriarca, Greer Garrison Windury (Kidman) produz livros numa velocidade impressionante. Autora de livros de ficção e que se inspira nas aventuras da Rainha do Crime, Agatha Christie, Greer é uma mulher linda, astuta, controladora e de uma inteligência incomparável. Junto do esposo Tag Winbury (Schreiber), os dois vendem a imagem de “o casal perfeito”, vivendo num casamento perfeito e numa vida perfeita. A família Winbury tem três filhos: Thomas Winbury (Jack Reynor), casado com Abby (Fanning); Benji Winbury (Billy Howle), noivo de Amelia Sacks (Hewson) e o jovem Will Winbury (Sam Nivola), prestes a completar 18 anos. 

Nenhum personagem consegue se destacar. Percebe-se que muitas narrativas poderiam ter sido melhor aprofundadas, a começar pela família Sacks. Amelia tem uma mãe com câncer avançado. Karen Sacks (Dendrie Taylor), é uma mulher sofrida e, ter que viajar para aquela ilha particular, propriedade dos Winbury para participar do casamento da filha é uma jornada e tanto. Amelia e Benji são dois apaixonados que se esforçam para dar o melhor para seus pais. Greer planeja o casamento do século. Amelia e sua melhor amiga Merritt Monaco (Meghann Fahy), que também é sua madrinha de casamento tentam se encaixar naquele universo mergulhado em grana e mais grana, arrogância e mais arrogância da família Winbury. Mas sua história não ganhou o destaque que merecia. 

Assim também como a história de Shooter Dival (Khattar) ficou sem começo e sem final. E ver o melhor amigo de Benji traí-lo com sua noiva foi uma falta de nexo que quebrou toda a narrativa. Não fez sentido ou não teve uma conexão plausível. Por mais que seja uma série que privilegie a classe alta e milionária, tudo deu errado. Desde as motivações para cada núcleo narrativo até o não explorar as relações. Cada filho Winbury tem uma personalidade e elas são bem divergentes: vemos em Thomas o marido fracassado no casamento que, mesmo com sua esposa grávida, não deixa de viver com Isabel, (Adjani), uma mulher madura com sotaque francês péssimo, aventuras sexuais; já Benji é carinhoso, eterno apaixonado que quer viver uma linda história de amor com Amelia e Will é só um jovem que está deixando a vida levar. 


Trama esquecível 

Infelizmente, ao lado de O Casal Perfeito, claramente é possível encontrar outras produções de narrativas mais envolventes e de um roteiro bem mais afiado e categórico. Jenna Lamia, talvez não se importou muito em colocar mais drama entre um diálogo e outro, mas isso fez com que seu roteiro se tornasse algo previsível demais o que nos tirou todo o interesse – se é que tinha – em ver até o final. Não é a primeira vez que Nicole Kidman participa de algum trabalho que não soube valorizar seu potencial. Recentemente, Tudo Em Família (2024, Richard LaGravenese), que protagonizou ao lado de Zac Efron e Joey King também não ganhou o interesse do público, igualmente com Nove Desconhecidos (2021, Jonathan Levine. Mas a atriz possui uma filmografia de renome que nunca esqueceremos, como Big Little Lies (2017-2019, Jean-Marc Vallée e Andrea Arnold); The Undoing (2020, David E. Kelley) entre outros. Isso pra citar só a TV, pois no cinema, seu talento vai muito mais longe. 

Nicole Kidman é um evento na indústria internacional. Ela é quase que uma entidade que reverencia a arte e faz dela sua melhor aliada. Mesmo quando ela se encontra num contexto em que muita coisa não a favorece, ela entrega tudo de si. Em O Casal Perfeito, o que a salva é sua paixão por narrativas de true crime. Ela é encantada por estas histórias e, na série é perceptível ver seu olhar brilhando a cada cena. Como nós temos uma detetive muito ruim, personagem ruim, atriz com pouco brilho, Nikki (Donna Lynne Champlin) nos cansa com sua falta de credibilidade e assombro diante da cena do crime e das descobertas gradativas dos fatos. Os policiais não ficam muito distante quando o assunto é péssima atuação: Dan Carter (Michael Beach) não sabe o que está fazendo toda vez que a câmera dá o foco a ele. 

Enfim, e pra completar, aparece o tal, o misterioso Broderick Graham (Tommy Flanagan), irmão de Greer que não acrescentou em nada; mudou em nada; só rendeu uma cena de espanto em toda a família e que ficou por isso mesmo. A Greer de Kidman até tenta dar uma lição final à obra, dizendo que não dá mais pra sustentar uma vida, uma história, um casamento que nunca foi perfeito e nem verdadeiro, mas... a cena, ou  foi gravada e cortada do material final, ou não aconteceu.




Por Dione Afonso  |  Jornalista

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